
Por Vanessa Martina-Silva, diretora de redação na revista Diálogos do Sul e analista política no Opera Mundi
Cada vez mais, jovens deixam de desejar um diploma universitário, seduzidos por uma lógica capitalista e neoliberal de trabalho, onde o ideal é ser empreendedor de si mesmo. Uma câmera e uma ideia, hoje, alcançam mais pessoas do que um jornal feito por dezenas — talvez centenas — de cabeças. Então por que ainda cursar jornalismo? Por que não entregar esse ofício a uma inteligência artificial treinada para tal?
Longe do romantismo de outrora, o jornalista passou a ser visto, muitas vezes, como arrogante, egocêntrico, defensor de visões de mundo distantes da realidade. Não é raro que se escreva para que outros jornalistas comentem, elogiem e admirem. Háum desejo de demonstrar erudição, de impressionar os pares. Mas é esse o verdadeiro papel do jornalista?
Assumo, muito honrada, a função de ombudsman deste jornal com o propósito de propor um deslocamento. Trazer uma perspectiva decolonial ao debate, convidar quem nos lê — e quem aqui escreve — a desmontar o olhar viciado que carregamos, muitas vezes por hábito, outras por imitação. Se nossa profissão ainda faz sentido, é porque somos capazes de escutar, de ter empatia e de criar conexões com a nossa comunidade. Jornalismo é escuta. É serviço público. É compromisso.
Este jornal está, hoje, distante da comunidade. Temos matérias que falam de pessoas afetadas pela precarização do trabalho — terceirizações, desregulações, a malfadada escala 6×1 — mas onde estão as vozes de quem sofre isso na pele? Se queremos criar conexão, por que não ouvir profundamente os precarizados? Será que eles não são capazes de elaborar sobre o próprio sentir, sobre o próprio sofrimento? Essa recusa, ainda tão comum, não é também elitista e classista? Por que ainda é necessário o aval de uma autoridade — um homem branco, com diploma universitário — para validar isso?
Olhem para as fontes! Quem está sendo ouvido, ouvida? De que classe social vêm? Qual a cor dessas pessoas? Quando pessoas negras são escutadas e para quais temas? Essa escuta atenta é a função essencial do jornalista — e é também o que escapa a qualquer IA do mundo: a percepção humana das desigualdades sociais, mas também epistêmicas.
À turma que agora assume este projeto: olhem com cuidado e carinho para as pessoas que nós chamamos de “fontes”. Chega de ouvir os mesmos figurões carimbados da USP. Estejam atentos, atentas à repetição de quem fala neste jornal. Pensem no que a comunidade quer saber, torçam e retorçam a pauta e entendam que ela é viva, não percam os vários ganchos que uma construção narrativa traz. Parem de olhar para cima. Comecem a pensar com os debaixo, com quem sofre, resiste e constrói o mundo.
Ser ombudsman neste espaço é um desafio que aceitei empolgada. Se, nestas poucas linhas, eu conseguir contribuir para que a comunidade acadêmica se sinta um pouco mais representada neste jornal, já terá valido a pena. Não se preocupem agora em demonstrar conhecimento, números, dados… vocês terão a vida inteira para isso. Hoje, o jornalismo está dando um passo atrás para perguntar: como nos reconectar e criar um senso maior de comunidade com nossos leitores? Se vocês conseguirem fazer isso, será o melhor que poderão levar da experiência do fazer jornalístico neste jornal acadêmico.