Cultura “fitness” é nova moda entre estudantes

Apesar de ser uma alternativa ao sedentarismo contemporâneo, especialistas alertam para possíveis excessos

Horas em academias, fotos “antes e depois”, dicas de dietas proteicas. O modo de vida “fitness”, que tem como cotidiano exercícios físicos de força regulares, hábitos alimentares mais saudáveis e, principalmente, a busca por um corpo mais musculoso, está ganhando cada vez mais espaço entre o público jovem. Seja por motivos estéticos ou para buscar um melhor condicionamento físico, muitos alunos da Universidade de São Paulo estão aderindo a esse estilo de vida, que é uma alternativa ao sedentarismo tão presente no mundo contemporâneo.

Foto: Pâmela Carvalho
Foto: Pâmela Carvalho

Segundo Maria de Lourdes Cassis, professora do Cepe USP há mais de 30 anos, essa procura pelo estilo de vida “fitness” vem crescendo graças à divulgação dos males do sedentarismo. De acordo com ela, a extensa divulgação que a mídia tem feito das consequências de uma vida sedentária, como doenças cardiovasculares, fez com que um grupo de pessoas, que é cada vez maior, procurasse alternativas de vida mais saudáveis. “É fato que o mundo moderno caminha no sentido contrário da atividade física. As novas tecnologias deixam tudo muito na mão, cria um comodismo, as pessoas não precisam se movimentar muito. Mas as pessoas já sabem o mal que ficar parado faz, por isso algumas estão respondendo a isso adotando uma rotina de exercícios e hábitos alimentares mais saudáveis”, afirma.

O reconhecimento legal da profissão de educador físico, a criação do Conselho Regional de Educação Física (CREF) e a disponibilidade de um maior espaço físico para a prática esportiva também são apontados pela professora como causas do aumento na procura por hábitos mais saudáveis. “No fim dos anos 1990, a profissão de educador físico foi regulamentada, e assim as pessoas puderam ter um acompanhamento mais qualificado da rotina de exercícios. O espaço físico maior também ajuda: a proliferação das ciclovias pela cidade de São Paulo, por exemplo, torna mais fácil a opção de se fazer exercícios regulares, uma vez que as pessoas podem se deslocar de bicicleta em trechos mais longos de maneira segura”, declara.

Comunidade USP

O Centro de Práticas Esportivas da USP oferece diversos cursos ligados ao condicionamento físico, destinados tanto à comunidade externa quanto à universitária. A procura por vagas nos cursos destinados a alunos da USP sempre é muito grande, sendo que a disponibilidade costuma esgotar poucos dias após a abertura de inscrições, o que indica o grande interesse dos estudantes nas atividades físicas oferecidas. Maria de Lourdes confirma essa tendência. “Minhas aulas de educação física por temporada e de natação sempre ficam lotadas. É bem claro o interesse dos alunos da USP em praticar atividades físicas”, afirma.

A professora acredita que, entre seus alunos, a procura por exercícios é motivada bem mais pela busca de uma vida saudável do que pela estética. “É claro que há também a preocupação estética, todo mundo quer ficar com um corpo bonito. Porém, eu diria que a busca por uma melhor autoimagem não está no topo das prioridades dos meus alunos. Eles querem ser mais saudáveis, aumentar a resistência física, ser mais saudável”, declara.

A aluna Ana Carolina Carvalho, que cursa o penúltimo ano na FEA, é um exemplo dos vários estudantes da universidade que aderiram a essa tendência. “Sempre perco as inscrições para musculação no CEPE, mas pratico em uma academia fora da universidade, todos os dias de semana, desde os 18 anos. Também costumo correr na USP em alguns finais de semana”, declara. Para ela, a mudança de hábitos foi motivada primeiramente por motivos estéticos, mas hoje compreende que os benefícios são bem maiores. “Eu comecei a me exercitar puramente para emagrecer. Acabei engordando muito antes de entrar na USP e queria voltar ao meu peso. Mas mesmo depois de perder o sobrepeso continuei praticando exercícios, porque faz um bem enorme para a saúde, tanto física quanto mental”, completa.

O aluno Kaio Marcondes, do Instituto de Química, afirma que essa rotina “fitness” é, antes de tudo, um estilo de vida. “As pessoas estão cada vez mais sedentárias, e se alimentam cada vez pior. Quem vai querer o trabalho de preparar uma refeição balanceada sendo que sempre tem um fast food por perto? É muito mais cômodo seguir o fluxo da sociedade de hoje em dia, que prefere o mais fácil, o mais imediato. A gente que rema contra essa maré tem que se esforçar muito, se empenhar mesmo, para não cair em tentação. Temos que ter foco todos os dias”, afirma. Todavia, o estudante, que pratica musculação e corrida todos os dias, e também segue uma alimentação voltada para a obtenção de massa magra, assume que sua motivação não foi a saúde, e sim a estética. “Eu comecei a malhar para valer depois do primeiro ano de faculdade, agora estou no terceiro. O que me motivou foi mais a questão estética mesmo. Sempre fui bem magro, não me sentia bem com o meu corpo. Então comecei a ir atrás de exercícios, dietas e suplementos que fizessem com que minha massa muscular aumentasse. Estou muito feliz com os resultados e tenho certeza que minha saúde está sendo beneficiada com isso também”, declara.

“A atividade física tem que ser lúdica, tem que dar prazer e atender as necessidades de cada um, acima de tudo.”
— Bruno Gualano, professor da EEFE

Excessos

Apesar da inclusão de exercícios físicos regulares à rotina ser estimulada por especialistas, quem quer entrar em forma tem que tomar cuidado com excessos. De acordo com o professor Bruno Gualano, que leciona na Escola de Educação Física e Esporte, a busca incessante pelo dito “corpo perfeito”, estimulada pela mídia, na maioria das vezes leva a exageros que podem prejudicar seriamente a saúde. Para ele, quem adere a essa nova “moda fitness” está preocupado principalmente com a autoimagem, não com a saúde. “As pessoas vêem esse ‘mundo fitness’ dos artistas e ficam fissuradas nisso, querem ter aquele corpo a qualquer custo. Mas é importante ter em mente que a busca por atividade física tem que ser motivada primordialmente pela saúde”, afirma.

Foto: Pâmela Carvalho
Foto: Pâmela Carvalho

De acordo com o professor, o principal perigo enfrentado por quem está disposto a tudo pelo “corpo ideal” é a proliferação de diversos mitos que prometem resultados rápidos. Dietas extremamente restritivas, uso de suplementos proteicos, rotina de exercícios exaustiva prometem um resultado rápido. “As pessoas sempre procuram pelo caminho mais rápido. Assim, acabam não buscando a ajuda de profissionais qualificados para ajudar na mudança de hábitos, e apelam para anabolizantes ou exercícios muito pesados, que exigem mais do que deviam”, declara. Além disso, ele acredita que sites e blogs que recomendam dicas de rotinas de exercícios e de dietas podem, muitas vezes, possuir uma abordagem sensacionalista e pouco informativa, que seduz os jovens que estão mais preocupados com a estética.

CiênciaInforma

Como já apresentado na última edição do JC, alguns professores da USP criaram o blog “Ciência InForma”, que visa desmistificar essas “soluções mágicas” do mundo fitness e colaborar com dicas que ajudem a levar uma vida mais saudável.

O professor Gualano, um dos participantes do projeto, afirma que o blog tem o objetivo principal de passar informações acadêmicas do universo do condicionamento físico de maneira clara, de fácil compreensão, sem a linguagem rebuscada da academia. “As pessoas acabam aderindo a mitos fitness porque não tem informação científica de qualidade disponível para se informar sobre como entrar em forma de maneira saudável. A produção acadêmica da USP, que poderia evitar isso, acaba não atravessando os muros da universidade. Queremos transmitir o nosso conhecimento de uma maneira que todos possam entender”, afirma. Para ter acesso ao trabalho, basta acessar www.cienciainforma.com.br .

Por Pâmella Carvalho