“Não acho que a Universidade de São Paulo seja mais insegura do que o bairro dos Jardins”

O reitor Marco Antônio Zago concede entrevista exclusiva ao Jornal do Campus
Fotografia: Barbara Monfrinato
Fotografia: Barbara Monfrinato

 

Jornal do Campus: Sr. Reitor, o mandato da atual gestão completa, no próximo dia 25, um ano e oito meses. Em um aspecto geral, o seu balanço a respeito dos primeiros 20 meses é positivo?
Marco Antônio Zago: É muito positivo. Quando completei um ano, dei uma entrevista a um mesmo jornalista que havia me entrevistado antes de eu ser eleito. Ele me perguntou: “o senhor se arrependeu de ter sido eleito?”. Pelo contrário: estou satisfeito e entusiasmado com as oportunidades que ser reitor da USP te oferece. Até a oportunidade de vida, de se encontrar, discutir, conversar sobre a vida universitária, sobre os mais diferentes aspectos, desde tratar das questões orçamentarias, contratações, futuro da educação na universidade, problemas de extensão. Quer dizer, é um dia muito variado. Você se encontra de manhã com pesquisadores, depois com advogados, e por aí vai. Em essência, você trata da atividades que tem a ver com a questão da educação superior. Como isso sempre foi interesse da minha vida, desde que quando entrei na USP, agora tenho a oportunidade de fazer algo.

JC: O senhor algum dia teve ambição de se tornar reitor?
Zago: De jeito nenhum (risos). Nunca é assim. Por sorte entrei na Faculdade de Medicina induzido por um um sonho de ser médico. Me enamorei do curso, das oportunidades. Entrei em uma faculdade onde a pesquisa era muito forte. Havia ainda muitos professores que eram parte dos fundadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que criaram uma maneira nova de se estudar medicina. Isso me atraiu para a questão da pesquisa. Desde cedo, acompanhei a vida universitária. Mas teve um outro aspecto, que contribuiu muito: eu entrei em 1965 – o ano seguinte ao inicio do período militar. De 1965 a 1970 foi o período em que a a ditadura foi ficando cada vez mais violenta, e a força da ditadura sobre os movimentos estudantis foi se tornando cada vez mais intensa. Nós vivemos muto intensamente aquele período. Em 1968, por exemplo, foi criado o AI5, que suspendeu a Constituição, deu poderes de cassação de funcionários públicos, por exemplo. Quem assinou esse ato era reitor da USP – professor Luís Antônio da Gama e Silva, que era reitor, mas estava afastado para ser ministro do  justiça. O vice-reitor era professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Helio Lourenço de Oliveira – que era catedrático de clínica médica – posição que depois eu vim a ocupar. Além disso, ele era muito próximo dos estudantes, e eu era muito amigo do filho dele. Esse foi o período em que ocorreu a primeira reforma da Universidade. Fui me ligando muito a vida universitária. Fiz parte da primeira turma que participou da pós graduação em Ribeirão Preto. Eu tive a oportunidade de, tudo o que eu criticava, agora estar aqui para tentar fazer. Do ponto de vista do que foi possível fazer: tenho o hábito de me referir aquilo que é o inicio – meu programa de campanha e o discurso de posse – são os dois marcos inaugurais. No primeiro ano tivemos duas crises importantes. Uma delas foi relacionada à interdição do campus da USP Leste – isso foi resolvido, desapareceu o conflito do ponto de vista de solução do problema, ele esta parcialmente resolvido e sendo acompanhado. Os alunos estavam interditados quando tomei posse. Nós encontramos a crise formada. Nesses seis meses que os alunos estiveram fora do campus, fomos resolvendo. O segundo ponto foi a crise financeira: encontramos uma USP desequilibrada do ponto de vista financeiro. Não estou acusando ninguém, mas encontramos uma Universidade que gastava mais do que recebia e cabia a nós identificar onde estávamos gastando muito e tentar resolver. Em parte, fizemos isso. Fomos bem sucedidos. Mas agora temos uma nova crise, que é do país inteiro. Agora não é a USP: é a USP, Unesp, Unicamp, as federais. O Brasil. Todos nós estamos com um problema de finança. No segundo ano, nós pudemos nos voltar a questões especificas da Universidade: ensino, reforma estatutária.

Relação USP / sociedade

 

JC: Um dos princípios da sua candidatura à reitoria foi o “fortalecimento da interação com a sociedade”. Durante a “Semana da Pátria”, a FEA foi o mais novo Instituto da Universidade a instalar catracas – seguindo as faculdades de Astronomia, Geociências e de Odontologia. Essa é a melhor solução pra USP?

Zago: Não sei se é a melhor para a USP, mas é a solução que a grande maioria das instituições que eu conheço – dentro e fora do país – adotam, isto é, o controle da entrada. Controle da entrada em um prédio não tem nada que ver com relacionamento com a sociedade. Dizer que o prédio estar com as portas abertas e quem quiser entra é um argumento simplista e até ingênuo. Não é assim em lugar nenhum. Controlar a entrada não quer dizer um bloqueio em relação à sociedade. O que a USP tem que fazer é se relacionar com a sociedade através de seus instrumentos.

JC: O receio que muitos têm em relação às catracas é que isso caracterizaria uma propriedade privada e não uma propriedade pública. O senhor avalia isso dessa forma?
Zago: Vamos tomar quantos exemplos quiserem: vocês vai a Assembleia Legislativa, existe controle de entrada. Isso não quer dizer que a pessoa é proibida, mas que existe controle. ‘Quem é o senhor? Onde o senhor vai? Com quem o senhor vai se encontrar?’. Controle não quer dizer propriedade privada. A Biblioteca Brasiliana, por exemplo, tem um local em que o acesso é extremamente limitado, você precisa registrar que vai lá.

JC: A questão imagética da catraca, nesse caso, é a grande questão. Na Brasiliana, por exemplo, há um controle, mas não há catracas.
Zago: Há um controle, é um local em que as pessoas dificilmente tem acesso, porque tem livros raros que devem ser isolados. Para cada espaço, você deve ter o controle necessário para que a vida se faça adequadamente. Na Universidade, as pessoas podem ter acesso, mas elas têm que ter um motivo para ter acesso.

JC: No final de agosto, a Universidade de São Paulo proibiu a realização de festas com consumo de bebida alcoólica dentro do campus. Além disso, a determinação estabeleceu algumas regras e normas, como a realização apenas de eventos festivos que sejam “compatíveis com a vida universitária”. O que isso significa exatamente?
Zago: Eu pergunto o seguinte: uma festa, com consumo ilimitado de bebida alcoólica, é compatível com a vida universitária? Em primeiro lugar, todos sabemos que álcool é um tipo de droga. É uma substância prejudicial à saúde. A OMS tem programas de combate ao uso de álcool. E, olha, eu não sou puritano nesse aspecto, não vou dizer que não bebo meu uísque de vez em quando, acho que é completamente compatível com a vida social. Agora, o uso ilimitado, principalmente por jovens e que associam o uso do álcool à alegria, à vida festiva, não é um bom hábito, e não cabe à Universidade favorecer isso.

JC: O senhor poderia citar um exemplo de um evento, portanto, que seria compatível com a vida universitária?
Zago: Em Ribeirão Preto, me convidaram para, agora no dia 4 de outubro, participar de um evento esportivo que vai ocorrer por toda a manhã no campus, estão chamando a cidade inteiro para participar. É a Med Run. Vai haver distribuição de kits, camisetas; quem puder vai correr, quem puder vai passear. Eu acho que vou passear (risos). Neste evento, se fará a venda de kits, coisas desse tipo, que poderia ser uma forma das atléticas obterem recurso. Porque sei que os grêmios, as atléticas precisam de recursos, inclusive para favorecer a vida acadêmica. Agora, fazer festa, patrocinada por empresas de bebida, para angariar recursos para a vida universitária, eu não recomendo.

JC: Como será feito esse controle?
Zago: Nós vamos admitir de princípio que os estudantes e docentes estão treinando para vida, sabem que a sociedade é feita de regras, e elas devem ser decidias da maneira mais adequada e democrática possível, mas precisamos respeitá-las para viver em sociedade. Vou admitir de partida que os estudantes vão respeitar as regras e procurar soluções desse tipo.

JC: O documento de candidatura reconhece a necessidade da Universidade de repensar o cenário atual de requerimentos culturais, científicos, de cidadania, sociais e públicos. Com a recente proibição de festas e eventos no campus, além da entrada controlada aos finais de semana, como é possível garantir o cumprimento dessa proposta?
Zago: Usar o campus da USP como um parque é algo que todos querem que seja possível. Isso já foi tentado no passado e há uma série de dificuldades que eu ainda não tratei. Por exemplo, se você abre amplamente, você tem uma grande quantidade de pessoas que precisam ir ao toilete. Você precisa ter uma infra-estrutura. A Cidade Universitária é um local em que os prédios [faculdades] estão concentrados. Mas quando você abre, precisa  de estrutura para isso. Nós não estamos preparados para isso. A ideia seria fantástica! Começamos abrindo controladamente sábado de manhã, para fazer exercícios, academias, ciclistas, corredores. Houve alguns sábados de teste, não sei se agora continua funcionando ou não. No sábado de manhã isso já foi resolvido. Mas eles [as assessorias esportivas] trazem grande parte de estrutura: água, recolhem todo o lixo. Podemos tentar expandir para o domingo, mas tem essa questão de custos. Alguém tem que pagar.

Zago em seu gabinete, na reitoria da Cidade Universitária | Fotografia: Barbara Monfrinato
Zago em seu gabinete, na reitoria da Cidade Universitária. Foto: Barbara Monfrinato

 

Segurança

 

JC: O novo policiamento comunitário começou no dia 9 de setembro, com 34 policiais militares. O número deve aumentar para 42, de acordo com o Secretário de Segurança Pública Alexandre de Moraes. Não é de hoje que a Polícia Militar vem atuando dentro do campus, e o número crescente de assaltos não tem sido desacelerado pela presença de policiais. Aumentar o policiamento dentro da Universidade é a solução para resolver a questão da segurança?
Zago: Em primeiro lugar, essa premissa não está correta. A polícia não vem aumentando dentro do campus. Isso é só um discurso político, usado amplamente por aí. Mas não é verdade. De fato, a polícia militar esteve proibida de por aqui entrar durante um período. Depois, foi feito um acordo, mas eles frequentaram aqui com muita pouca presença e sempre com um grande antagonismo por parte de um pequeno grupo de pessoas que associa a presença da polícia – que tem o objetivo de assegurar a segurança das pessoas – às repressões do período ditatorial – coisas que estão, no mínimo, a 25 anos de distância. Neste momento, temos que ser práticos. Sabemos que quem tem o poder de fazer policiamento é a polícia. Temos uma guarda para orientação patrimonial, mas que não vai fazer policiamento – não tem treinamento para isso. Além do mais, modernizarmos todo o nosso sistema de segurança com o uso de câmeras. No mundo todo, esse policiamento preventivo e inteligente é mais importante do que as ações efetivas de contenção no momento em que ocorre o crime. Precisamos aumentar a vigilância, ter policiais que convivam com a sociedade. Estamos convidando a comunidade a conviver com essas pessoas, elas vão saber quem os policias são. Saber quem cuida da sua segurança. Portanto, isso exige uma interação entre a comunidade e a polícia preventiva que está aqui. Isso daqui é rota de passagem, de grande quantidade de carros, de carros roubados, assaltos, estupro. Aqui na frente, 6h da tarde, vem um marginal aqui na frente e estupra a menina. Precisamos nos proteger contra isso.

JC: Na penúltima edição do Jornal do Campus, especialistas apontaram que o plano Koban – que está sendo implantado – vem de um contexto diferente do da sociedade brasileira. Além disso, ele é feito para funcionar em comunidades pequenas. Um especialista do IRI afirmou que “não existe modelo Koban em áreas de grande circulação de pessoas”, como é o caso da USP, que só no campus Butantã possui milhares de estudantes. Por que a escolha desse plano? O senhor acredita que o plano Koban é a melhor opção e será eficaz?
Zago: Olha, eu acho o seguinte: o fato de nós termos a possibilidade de termos um policiamento formado por policias relativamente jovens, com treinamento especial, que vão conviver aqui o tempo todo é melhor do que outras opções, que eu desconheço. Não podemos imaginar duas coisas: que essas funções de policiamento podem ser assumidas pela Guarda Universitária. De forma nenhuma. Segunda, é acharmos de saída que essa policia é uma policia violenta. Se ela é, cabe-nos como sociedade conviver e tentar melhorar. Quando nos formamos, é com essa polícia (militar) que nós convivemos. Eu estou absolutamente convencido de que esse plano sera eficiente. Tenho certeza que grande parte da comunidade esta pedindo uma solução semelhante a essa. Agora, vejam que esse plano envolve também a formação de um conselho de segurança, com representantes de todos os segmentos, que se destine a acompanhar o seu funcionamento e discutir as dificuldades que vão surgir. Claro que vão surgir, não sou ingênuo. Temos que continuar discutindo, mas em cima de pontos concretos.

JC: Um ponto que já foi discutido em relação à segurança feita por policiais é a presença de policias mulheres e centro de apoio para casos que envolvem diretamente a violência contra mulher. Isso já esta sendo pensado?
Zago: Isso faz parte dessa discussão desde que começou. Não sei quantas policias serão mulheres. Mas, aliás, a comandante é uma mulher. Além disso, tomamos medidas internamente para tratarmos de toda questão relacionada a direitos humanos. Temos uma comissão de direitos humanos muito atuante. E criamos um grupo para tratar da questão de mulheres.

JC: O senhor considera a USP segura?
Zago: Ela tem um grau de insegurança. Claro que ela é segura, eu circulo por aqui. Mas temos graus diferentes de segurança conforme os horários. Não acho que ela seja mais insegura do que os Jardins. Temos uma concentração muito grande de uma população jovem, e temos que ter um cuidado com essa geração – são quem vai construir o nosso futuro. Nessas questão da segurança, precisa-se entender que não há a tentativa de impôr alguma coisa. Há uma demanda muito intensa por termos segurança. Principalmente à noite. Ficar dizendo que isso não funciona, aquilo não funciona, não dá certo. Temos que buscar soluções.

Direitos Humanos

 

JC: A CPI das Universidades terminou os trabalhos com relatório apontando suspeitas de mais de 100 estupros* ocorridos na Universidade de São Paulo nos últimos dez anos – uma média elevada de dez casos por ano. De que maneira a USP pretende trabalhar para que casos como os denunciados não se repitam e as vítimas recebam o apoio necessário?
Zago: Em primeiro lugar, você tem um dado exótico. Onde saiu? Nos jornais, tudo bem. Eu tomei uma medida muito clara com relação a isso: nós revigoramos a comissão de direitos humanos. Ela está composta por pessoas respeitadas dentro da sociedade. Qualquer denúncia que chega à Universidade e às unidades tem que ser diretamente encaminhada a essa comissão. A comissão não vai tomar a iniciativa de esclarecer. O esclarecimento e as tentativas de encaminhamento são nossa responsabilidade. Mas a primeira medida é comunicar para a comissão: houve uma queixa. Depois, ele toma uma medida e passa para a comissão. Aí a comissão analisa a compatibilidade disso. A queixa era a de que a Universidade tomava medidas para abafar o caso. Eu tomei medida contra isso. As denúncias tem que chegar à comissão. Depois, os resultados tem que chegar. Agora, não chegaram 100 denúncias. Não chegaram sequer 10 denúncias. Uma coisa é o que transita na imprensa, agora, eu pergunto: alguém tem uma critica a essa maneira de agir? A Universidade tem um superego, uma comissão de direitos humanos, que recebe os recados e depois os acompanha. Estou sabendo de três casos que estão sob encaminhamento no momento: um de Piracicaba, foi reaberto; outro na medicina, está próximo de seu desfecho, mostrando que há uma conversa; e o terceiro em Pirassununga. Não tem 100 casos, estou sabendo de três.

* A Comissão Parlamentar de Inquérito constituída pelo Ato nº 56, de 2014, com a finalidade de “investigar as violações dos direitos humanos e demais ilegalidades ocorridas no âmbito das Universidades do Estado de São Paulo ocorridas nos chamados ‘trotes’,  festas e no seu cotidiano acadêmico” – a denominada “CPI das Universidades” – apontou, em seu relatório final, que se tem registro de, nos últimos 10 anos, terem sido cometidos 112 casos de estupros apenas no “quadrilátero da saúde”, área da USP onde estão concentradas as faculdades ligadas às Ciências Médicas.

O documento está disponível em http://www.al.sp.gov.br/repositorio/arquivoWeb/com/com3092.pdf

JC: No dia 1º deste mês, após recomendação do MPE, a FMUSP decidiu suspender a realização do Show Medicina no anfiteatro da Faculdade, após uma série de denúncias de desrespeito aos direitos humanos e humilhação aos participantes. Os organizadores já afirmaram que o evento continuará ocorrendo, mas em outro local. Como a Universidade pretende trabalhar, em parceria com as unidades, para impedir desrespeitos mesmo após o período de trotes, considerado mais propenso a casos de violência?
Zago:  Não é difícil controlar. Veja bem, a USP não é uma entidade abstrata, ela é constituída por suas unidades. Esse tipo de ação deve primariamente ser examinado e controlado nas unidades. A questão do Show Medicina não é uma questão que diz em respeito em principio à reitoria. Ela diz respeito à vida da Faculdade de Medicina. Deve ser resolvida pela comunidade local. O que a Universidade vai fazer é ter uma referência. Se houver queixas, sensações, denúncias, isso tem que chegar aqui. Aí vamos acompanhar como a Universidade vai resolver a questão. O que talvez seja mais central é essa mudança de comportamento, que não se faz de um dia para o outro. As pessoas entenderão que o que pode parecer uma brincadeira de mal gosto representa um tipo de deseducação e de comportamento que deve ser erradicado na sociedade – e isso é uma questão de longo prazo.

JC: Como o senhor enxerga esses casos, sendo da Faculdade de Medicina?
Zago: Esses comportamentos são inadequados e inaceitáveis, e tem que ser erradicados. Agora, acho que é uma ilusão achar que isso acontece de uma forma concentrada na Faculdade de Medicina. Talvez lá isso tenha recebido mais foco, mas é possível que isso tenha sido anunciado com menor ênfase em outras unidades. Não há grande diferença entre os estudantes da Faculdade de Medicina de São Paulo e os de Ribeirão Preto, por exemplo. Claro que alguns fatores levam a isso. Um que me chamou a atenção é que um grande número de denúncias, quando diz respeito ao trote, o trote violento, ele se concentrava principalmente nas unidades mais tradicionais. Isso tinha vindo de São Paulo. E as pessoas viam como uma parte de ritual de entrada. Agora não deve ser mais assim. Não vejo um motivo especial como se fosse do caráter dos estudantes de medicina.

Crise financeira

 

JC: Em busca de um equilíbrio financeiro, o Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV) resultou na demissão de 1452 servidores. Por que a opção pelo PIDV? Na Unicamp, o salários que ultrapassavam o teto estadual (21,6 mil) foram reduzidos para atender à Constituição, essa não é uma opção para a USP?
Zago: 
Por que que tem uma crise financeira? Tem uma crise porque nos gastamos demais com pessoal. A USP recebe recursos do governo do estado e, quando você olha o recurso que entra, nós gastávamos 106% desse recurso com pessoal. E ai tínhamos que gastar o restante com manutenção, bolsas, alimentação. Consequência: mais uns 15%. Nós recebíamos 100, gastávamos 120%. Qualquer empresa que faça isso vai a falência. A pergunta é: como a USP conseguia viver dessa forma? Ela tirava de uma reserva – sobra de recursos que ao longo dos anos passados, quando ela gastava menos do que recebia, sobrava dinheiro. Nós tínhamos uma reserva, começamos a tirar daí para pagar salário. A origem da crise do inicio de 2014 é gastar com salários mais do que recebe.

Estamos gastando mais do que recebemos em salário. Salário de quem? Professor ou servidor? Há cinco ou seis anos, gastávamos 55% da nossa folha com servidores e 45% com docentes. No inicio de 2014, nós gastávamos 68% com servidores e 32% com docentes. Significa que a USP gasta seus recursos financeiros com atividades fim, com servidores. E não com docentes, que fazem a atividade fim. Aumentou demais a massa salarial de servidores, muito mais do que docentes. Qualquer diretor vai falar que precisa contratar docente. Como vamos contratar? Precisa de mais dinheiro. Durante os últimos 4 anos que antecederam a minha entrada, a USP contratou 2400 novos servidores. Contratou muitos servidores e fez reajustes de salários para os servidores acima das outras duas universidades. É diferente de dizer que os responsáveis pela crise financeira são os servidores. Eu jamais falei que a culpa da crise é dos servidores, mas estou falando da gestão que foi feita de uma forma que ampliou muitos os servidores e mais ainda o que eles recebem. Consequentemente passamos a pagar demais. A solução é reduzir o gasto com o pessoal. Primeiro, onde cresceu demais: servidores. Onde precisa crescer: professores. Ou seja, temos que reduzir nossa massa de servidores. Temos que convidá-los a sair, oferecendo um prêmio. Isso foi eficiente, o PIDV funcionou. Isso reduziu nossa folha de pagamento. E os servidores que saíram mostraram-se muito satisfeitos.

Depois disso, a partir de janeiro para cá, começamos a enfrentar um outro problema, que é igual para as três universidades do estado: a queda da atividade econômica e redução dos repasses.

JC: É possível atingir o equilíbrio financeiro nos próximos dois anos?
Zago: Se você me perguntasse isso em dezembro do ano passado, diria sim com toda a segurança. Hoje, ninguém mais no Brasil é capaz de responder, porque temos uma crise financeira do país que não sabemos para onde que vai. Eu seria absolutamente irresponsável em dizer que, com as medidas adotadas até agora, nós atingiremos o equilíbrio financeiro. Outra medida que tomamos foi proibir as contrações. A Unesp e a Unicamp também caminharam para a mesma coisa agora. A limitação do salário nós fazemos há anos para servidores e docentes, no teto do governador. Os que ganham acima do teto são anteriores a isso, e também existem na Unesp e na Unicamp. E são garantidos pelo judiciário. Agora, não são esses valores que causam o desequilíbrio. O que causa são os pagamentos feitos para um número muito grande de servidores.

Inclusão

 

JC: Ainda não há, na Universidade, a possibilidade de estudantes transexuais e travestis usarem socialmente seu nome nos registros internos da instituição, como, por exemplo, listas de presença e resumo escolar, além do vestibular. Por que isso ainda não foi adotado como em outras universidades (Ufscar, por exemplo)? Há a possibilidade da adoção do nome social?
Zago: Eu não acompanhei essa questão, não posso responder. Pessoalmente não tenho opinião formada sobre isso. Sei que o pró reitor de graduação tentou resolver, não sei por que não foi resolvido. Realmente, não é um assunto que eu estou preparado para discutir. Sei que foi tomada alguma providência, mas não sei exatamente qual. Acho importante discutir isso. A gente tem que sempre tratar essas questões do ponto de vista prático, daquilo que causa o menor desconforto para todas as pessoas envolvidas. Não tem que partir de um ponto de vista dogmático, que a vida tem que ser assim, tem que ser assado. Não cabe à Universade decidir isso. Universidade é local da discussão, de protesto. Desde que se respeite fisicamente as coisas. Universidade não é um mosteiro.

JC: Na Fuvest 2014, em medicina (curso tradicionalmente mais concorrido), cerca de 10% dos ingressantes eram pretos ou pardos; 30% advinha de escola público. No ano anterior, não houve ingressantes negros e 7% do total eram pardos; 16% advinha do ensino público. Considera essas mudanças suficientes? A USP tornou-se mais acessível?
Zago: Não, não são. Temos uma meta muito clara: inclusão na USP de 50% de estudantes vindos da escola publica. Para 2018. Essa é a meta que foi estabelecida previamente pela Universidade e atende aquilo que está na Lei de Cotas nas universidades federais. Estamos buscando isso. Estamos caminhando? Estamos. Nos últimos anos, a inclusão de alunos da escola pública vem crescendo. Neste ritmo, vamos chegar à meta? Acho que não. Por isso que tomamos uma medida suplementar, a inclusão de 13% das vagas através do Sisu, o Enem. Essas vagas certamente serão preenchidas quase que em sua maioria por estudantes vindos da escola pública. Isso tende a aumentar.

JC: Os movimentos pelos direitos dos negros na Universidade defendem a existência de cotas para negros e pardos correspondente à porcentagem da população no estado de São Paulo (5,5% e 29,1% IBGE 2010). Em 2014, 3,1% dos ingressantes eram negros e 13,2% pardos. A reitoria pensa na possibilidade de aderir às cotas?
Zago: As cotas são uma opção aberta que a Universidade precisa discutir. Mas, neste ano, entendo que tínhamos condições de aprovar o Enem, e  o seu uso já vai mudar muito o panorama, embora nem todas as unidades tenham participado. Tenho a convicção de que ano que vem isso vai aumentar. Mas isso não exclui a discussão de cotas.

JC: Considera a USP elitista?
Zago: A USP sempre foi elitista, em vários aspectos. Mas está caminhando para se tornar uma Universidade mais inclusiva.

Por Letícia Paiva e Vinícius Andrade