Estudantes de Psicologia abrem debate sobre as políticas do Instituto e a estrutura curricular
Os alunos do Instituto de Psicologia da USP (IP) voltaram às aulas nessa segunda feira, 19, após dez dias sem participar de suas atividades curriculares. Os estudantes estavam paralisados desde o dia 6, quando uma Assembleia Extraordinária realizada pelos alunos votou a decisão. Entre as principais revindicações dos alunos estão a necessidade de haver um melhor acolhimento aos alunos, funcionários ou mesmo professores que possuem algum tipo de sofrimento psíquico e de rever as estruturas da atual grade curricular do curso.
Segundo os estudantes, casos de adoecimento mental, como quadros de surtos e depressão, são recorrentes no Instituto. No entanto, poucas são as políticas existentes para ampará-las e tratá-las: “Existem iniciativas individuais por parte de alguns professores e funcionários e até alguns coletivos. Mas não há uma estrutura institucionalizada”, comenta Vinicius Carbone, estudante do quarto ano e membro do Centro Acadêmico Iara Iavelberg.
O professor de Psicologia Social, Luis Guilherme Galeão da Silva, completa dizendo que casos dessa natureza estão presentes em toda USP: “Nós temos no IP uma rede de tutoria composta por docentes e funcionários do Instituto que acompanha muitos casos de sofrimento psíquico. Ainda assim, segundo o professor, falta pessoal para fazer mais encaminhamentos ou tratamentos a longo prazo. “É importante pensar numa rede externa, composta por profissionais de fora, porque nossos alunos e membros da comunidade IP não podem ser atendidos pelos próprios professores, funcionários e, eventualmente, colegas”, aponta.
O Instituto possui uma Clínica Escola que atende a comunidade USP e a população que vive nas regiões próximas, mediante a uma triagem que, entre outros pontos, leva em consideração a renda econômica. Mas, pelos mesmos motivos citados pelo professor, os alunos não podem ser atendidos no local. Para a estudante Denise Harumi, existem ainda outras dificuldades: “A área de saúde mental é negligenciada. Temos poucos professores que são clínicos específicos da área. A clínica tem um suporte de infra estrutura, que vem se solidificando mais com o conselho gestor, pedindo uma equipe mínima de enfermeiras, psiquiatras e assistentes sociais. Mas isso está complicado pelo corte de verbas que a Universidade está passando. Hoje só temos uma assistente social, que é especialista em saúde mental.”
Nesse sentido, a maior parte dos estudantes mobilizados também defendem que haja uma maior atenção por parte do curso e do Instituto com a área da saúde mental, principalmente no que diz respeito à atividades práticas: “As matérias que tratam de patologias mentais, muitas vezes, são teóricas demais”, aponta Lucas Saporiti, do primeiro ano.
Além disso, para os alunos, também faltam algumas matérias obrigatórias voltadas à area de saúde pública. Sobre o tema, Carbone levanta: “Achamos que não faz sentido em uma instituição como a USP, como o Instituto de Psicologia, que é da área da saúde, o aluno tenha que correr atrás de uma optativa ou de um projeto aqui ou ali para ter contato com a saúde pública.” Para Mariana Ribeiro, também membro do Centro Acadêmico, é importante formar psicólogos para além dos consultórios individuais.
Segundo os estudantes, as matérias do curso, dadas dentro de departamentos específicos, deveriam conversar entre si, gerando continuidade. Além disso, defendem que seja feita uma maior problematização em relação a algumas matérias, realizando-se um recorte de gênero, classe e raça. Vinícius exemplifica a proposta: “Temos uma matéria sobre testes psicológicos aplicados em pacientes. Só que muitos são testes elaboradores nos Estados Unidos ou países europeus. Ou então, como é o caso de um dos testes que aprendemos aqui, que tem sua padronização brasileira realizada em uma cidade do Rio Grande do Sul, Pelotas. E é um teste que se propõe ser representativo do país, o que achamos muito complicado. E isso ser dado sem qualquer problematização, mais complicado ainda”.
O professor Luis Galeão diz que já existem uma comissão destinada a discutir a reformulação do curso. Ele ressalta, no entanto, que é um processo que deve ser debatido a longo prazo, já que nem professores e nem os alunos possuem um pensamento uniforme sobre a questão. Mas afirma que os pedidos dos alunos são legítimos e que professores, funcionários e estudantes estão bem envolvidos nas discussões e na movimentação.
Os alunos também entendem que algumas questões estruturais do Instituto são responsáveis por gerar o sofrimento psíquico. Para Mariana Ribeiro, o fato de opressões como machismo e racismo não serem debatidos dentro do IP não só pode gerar sofrimento para quem é atingido diretamente por essas descriminações, mas também não prepara os alunos para entenderem o sofrimento de possíveis pacientes futuros. “Temos alguns professores que não reconhecem ainda a existência de sistemas de opressão. Se pretendemos cuidar do sofrimento das pessoas, como não reconhecemos que ele existe?”, questiona. Bruna de Souza, do segundo ano, concorda: “Algumas vezes um professor fala alguma coisa preconceituosa e a sala não tem força pra rebater. E existem estudantes também que perpetuam machismos, transfobia e coisas assim.” A aluna também chama atenção para os funcionários e professores. Para ela, a sobrecarga de trabalho a que estão submetidos, gerada pela falta de profissionais, também contribui para o sofrimento. Nesse sentido, a aluna Denise Harumi aponta que “a saúde física e psíquica não são dissociáveis”.
Propostas e discussões Apesar da paralisação ter acabado, as discussões acerca dos temas levantados ainda estão no começo. Nessa segunda feira, 19, o Diretor do Instituto, professor Gerson Tomanari e a Presidente da Comissão de Graduação, professora Marcia Bertolla, participaram de uma reunião com estudantes, na qual ouviram as propostas formuladas pelos alunos até o momento. Para o professor Gerson, é importante e necessário estreitar os canais de comunicação entre os docentes e os alunos. Segundo ele, as ações dos alunos movimentaram a Comissão de Graduação, gerando um debate mais aprofundado, o que enxerga como positivo.
Entre as propostas citadas pelos alunos, estão:
— Continuidade do Grupo de Trabalho contra opressões, composto por alunos, funcionários e professores
— Possível realização de um evento sobre opressões ainda neste ano, construído por e para as três categorias
— Maior inserção dos temas de Saúde Mental e Saúde Pública na grade curricular
— Reivindicação para que os conteúdos da disciplina Psicologia e Saúde se tornem obrigatórios
— Criação de um sistema de relatos anônimos, aberto para as três categorias
— Inserção do Instituto de Psicologia na já existente rede de saúde pública e mental da região
— Criação de um grupo de trabalho permanente das três categorias que realize atividades ligadas à area de saúde mental e que divulgue suas atividades, sem acarretar mais horas de trabalho para os professores e funcionários
— Para que haja uma semana de transição entre os dias 19 e 23, em que os 30 minutos finais de todas as disciplinas sejam destinados à debates sobre a paralisação entre alunos e professores
Por Isabela Augusto