A USP tem medo de quem?

Câmeras e catracas não resolverão o problema da segurança enquanto uspianos andarem às escuras

Enquanto está claro, pode até ser que quem frequenta a Universidade de São Paulo ande sem medo. Mas quando a escuridão toma conta das alamedas do campus, é difícil não temer ser a próxima vítima daquele assalto ou estupro que virou assunto de conversas no ponto de ônibus, ou mesmo pauta para a grande imprensa. Olhar para os lados o tempo todo e apressar o passo ao ouvir qualquer barulho faz, infelizmente, parte da rotina.

(ilustração: @regomanso)
(ilustração: @regomanso)

Diante de tantas ameaças, qual seria a solução? Encher a Universidade de policiais armados? Colocar câmeras nos departamentos e nas áreas comuns? Instalar uma infinidade de postes de luz? Restringir o acesso com catracas e cancelas? Muito se discute sobre o problema da falta de segurança nos campi da USP, mas encontrar uma resolução não é nada fácil.

Antes de tudo, é preciso pensar o papel social da universidade: para quê e para quem ela serve? Em tese, ela existe para a sociedade, mas na prática a maioria dela sequer ultrapassa seus muros. Inclusive os moradores da São Remo, comunidade que faz fronteira com o principal campus da capital, no Butantã. Os São Remanos que fogem à regra ou são alvo de olhares hostis da segurança por fugirem do padrão “aluno da USP”, ou viram pauta do jornal local por terem passado pela temida prova da Fuvest. De todo modo, essas pessoas seguem não tendo lugar em uma universidade que também foi feita para elas.

Se a falta de inclusão já é um problema quase intrínseco à USP, não fica difícil de imaginar porque medidas que restringem o acesso ao campus são tão polêmicas. O impasse é inevitável: como deixar a Universidade de São Paulo aberta e, ao mesmo tempo, torná-la segura?

A Faculdade de Economia e Administração (FEA) instalou catracas em todas as entradas de seu suntuoso prédio principal. Elas não entraram em funcionamento até agora, mas a grande maioria de seus alunos e professores não é a favor e argumenta que catracas, na verdade, dificultam a livre circulação de pessoas pela FEA. O diretor da unidade, por outro lado, diz que todos conseguirão acessar o prédio, apenas precisam se identificar para os seguranças na entrada. Uma vez que os episódios de violência dentro da Universidade têm como cenário áreas comuns do campus, como estacionamentos, e não o interior dos institutos, a crítica dos feanos é válida e a controversa medida de restringir o acesso pode não ser o melhor caminho.

Assim como as catracas, a falta de iluminação está entre os principais pontos da questão da segurança na USP. Em outubro de 2014, uma reportagem publicada pelo Jornal do Campus abordou o novo sistema de iluminação entregue pela reitoria naquele ano, com um custo de 39,5 milhões na cidade universitária, somados a 99 milhões nos outros campi. De acordo com a prefeitura do campus, os contratos preveem a manutenção do sistema até 2019. Mesmo com o investimento, a USP segue sendo um lugar ruim para se andar sozinho à noite, e a escuridão é constantemente criticada.

A última grande investida para melhorar a segurança no campus foi no ano passado, com o anúncio da implementação de um sistema de segurança japonês, o chamado “Koban”. Por meio dele, antes de começarem a trabalhar, mais de uma centena de policiais receberiam treinamento para que ajam na prevenção dos crimes junto à Guarda Universitária (PPUSP). O intuito é fazer com que eles sejam “amigos” da comunidade, conheçam a rotina dos institutos, como guardas de rua.

Essa parceria entre a Guarda Universitária e a Polícia Militar entrou em vigor em setembro de 2015, logo depois que um aluno do curso de Letras foi baleado. A Guarda acionou a PM, que em seguida prendeu os suspeitos de serem os autores do crime. Em entrevista ao site da Universidade, o superintendente de Prevenção e Proteção Universitária da USP, professor José Antonio Visintin, diz que a prisão é um exemplo de como a parceria funciona “perfeitamente”. Se “perfeito” significa uma USP onde a Guarda não evita que um aluno seja baleado, a questão da segurança realmente está longe de ser resolvida.

Em 2014, mesmo com a presença da PM no campus, a Guarda registrou um aumento de 55% nos roubos e furtos naquele ano, em comparação a 2012, o primeiro após a entrada em vigor do convênio com o órgão. A presença da Polícia Militar, além de não resolver a situação de violência na USP, intimidou professores e alunos, que temiam ter reprimida a liberdade de fazer greve e se manifestarem livremente.

Entre tantos caminhos possíveis para a reitoria solucionar a falta de segurança, por que ela insiste em medidas que já se mostraram ineficientes, como a PM dentro do campus? Por que não fortalecer a Guarda Universitária, ao invés disso? Por que investir milhares de reais em catracas que bloqueiam o acesso a prédios que sequer são cenários dos crimes que ocorrem dentro da USP? E sobre os resultados não satisfatórios dos milhões investidos no novo sistema de iluminação, o que será feito?

A USP é um ambiente livre, ao qual a sociedade deve ter acesso. Restringi-lo pode até reduzir a violência, mas as consequência disso para a já delicada relação entre ela e grande parte da população, excluída, serão duras. A reitoria deve repensar suas medidas ineficientes e encarar a realidade: os uspianos estão andando às escuras e mal sabem a função da PPUSP. Se câmeras forem instaladas, que elas sejam para prevenir crimes e não para transformar o campus em um grande Big Brother.

 

Por Rafael Ihara