A Reitoria da Universidade de São Paulo estuda mudar, junto ao Departamento de Recursos Humanos (DRH), a nomenclatura de várias carreiras do quadro profissional. No âmbito da Comunicação Social e das Artes, a ideia é incorporá-los em duas grandes funções, como Analista de Comunicação e Técnico de Comunicação. O Departamento de Jornalismo e Editoaração da ECA-USP (CJE/ECA/USP), quando tomou conhecimento da proposta, foi contrário à decisão.
O processo de mudança começou em 2015, quando o DRH, por meio de sua Comissão Central de Recursos Humanos (CCRH) e após reunião realizada em outubro de 2015, emitiu uma nota em que informava a atualização do Plano de Classificação de Funções (PCF) da Universidade. No tópico Grupo Superior, citou o agrupamento das profissões de editor e jornalista em Analista de Comunicação, que ficou reservada à uma subdivisão destinada a estudos, a médio ou longo prazo, para concretizar, ou descartar, a alteração.
Logo em fevereiro de 2016, o CJE emitiu um manifesto em resposta à atualização do PCF, se mostrando contrário às medidas propostas pela reformulação, em que cita “Reagrupar o Editor e colocar o Jornalista em um grupo de funções reservadas para estudo, o que pode incluir tanto sua manutenção, agrupamento ou reserva para extinção não é mero ato administrativo, pois carrega uma série de implicações sociais e simbólicas.” O departamento não só condena as alterações, como ainda reivindica a participação ativa dos docentes e profissionais do Institutos nas reuniões que se proponham a discutir as futuras propostas realizadas pelo CCRH, na medida que essa resolução pode prejudicar tanto os profissionais quanto o próprio curso de graduação: “A Universidade precisa, portanto, considerar que qualquer decisão na gestão de seus Recursos Humanos precisa da participação das Unidades e, em especial, dos Departamentos formadores.”
Procurada pela reportagem do JC, a Reitoria alegou, por meio de Fábio Albino Zagui, chefe do Setor de Carreira do DRH, que esse processo ainda está no ínicio. Segundo Fábio, “ainda haverá uma pré-proposta a ser formulada por um grupo de estudos, que a posteriori será enviada às unidades, a fim de que elas aprovem ou não as mudanças”. Se aprovada, o grupo de estudos se reúne de novo, dessa vez para elaborar uma proposta final, repassada ao CCRH. Novamente, se aprovada pela Comissão, consolida-se a alteração do PCF, assim como o processo contratação e atuação dos profissionais da Universidade. Fábio reitera que “nenhuma alteração foi feita. Sendo assim, Jornalismo, por exemplo, pode continuar como uma função independente. O processo está no começo e haverá muitas discussões ainda”.
Desde o posicionamento do Departamento no ano passado, o assunto não evoluiu, mas nas últimas semanas ele voltou à pauta dos setores responsáveis da Reitoria, o que motivou, no último dia 28, que um novo manifesto contrário fosse feito na reunião da Congregação da ECA. Lido pelo professor José de Paula Ramos Jr. frente aos outros integrantes do colegiado, o documento mais uma vez expôs o sentimento de repúdio dos docentes em relação a essa alteração da PCF, reiterando a especificidade histórica que o jornalismo construiu, tal qual sua legitimidade enquanto curso e atuação profissional”. Aspectos que, na visão do colegiado do curso de Jornalismo, poderiam ser comprometidos pela atualização da PCF
Essa posição é reiterada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os Cursos de Graduação em Jornalismo, publicadas em 2013 pelo Ministério da Educação, o que é lembrado na manifestação dos professores do CJE. De acordo com essas DCNs , o governo federal conferiu a esses cursos a separação da habilitação de Comunicação Social, deixando, portanto, de ser Bacharelado em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, para serem Bacharelado em Jornalismo. De acordo com o manifesto do CJE, essa separação é “uma forma de reconhecimento do amadurecimento da profissão e da autonomia do profissional da área, assim como sua responsabilidade para com a sociedade contemporânea”. Essa medida foi incorporada pela Universidade de São Paulo para os ingressantes de 2017 em diante, o que é considerado contraditório pelo departamento: “como, portanto, a USP […] reconhece a especificidade da área de Jornalismo no ensino, mas deixará de reconhecer o jornalista enquanto profissional altamente especializado, atrelando-o a uma função genérica?”
Cremilda Celeste Medina, professora titular sênior do CJE se mostrou contrária a essa possível alteração, alegando ser “analista” um termo que generaliza uma profissão independente e altamente especializada. Cremilda cita seu livro “Profissão Jornalista: responsabilidade social”, no qual esmiúça o fazer jornalístico e as aptidões e virtudes necessárias a esses profissionais. “Tenho uma definição muito clara da profissão, primeiro por ser minha primeira opção acadêmica, depois porque já estou há muitos anos no mercado profissional e na área de pesquisa.”. De acordo com a professora, o jornalismo é a esfera pioneira da Comunicação Social, construído desde o século XVI, o que legitima seu caráter independente enquanto profissão e objeto de pesquisa: “Não posso conceber que Analista de Comunicação seja um guarda-chuva que englobe uma profissão consolidada e consistente historicamente”.
Para ela, essa mudança fere muito mais do que uma questão linguística dos termos, sendo inadequada no que diz respeito aos conceitos de analista e jornalista. A professora enxerga uma grande disparidade. “Minha ressalva já começa pela palavra ‘analista’, porque o jornalismo não começa pela análise, pode contê-la, mas dizer que é por ela que se inicia ou que a ela se reduz, é um equívoco”. Cremilda reitera que a criação dos cursos de Jornalismo não é uma questão corporativa, mas um importante aparato para a formação de uma profissão com responsabilidade social. “Analista é quem analisa e jornalismo é muito mais que isso. É ser repórter, é agir e ir atrás das histórias. Essa relação é muito mais complexa, no seu aprendizado e aplicação, do que uma análise.”
A proposta passará nas próximas semanas por novas etapas de análise, que, de acordo com o CCRH, terão participação de integrantes de todas as unidades envolvidas, entre profissionais e docentes. Ainda assim, segundo o próprio órgão, a resolução dessa discussão ainda tomará tempo para ser concluída. Isso porque a cada etapa, uma nova rodada de arredondamentos e negociações é aberta. As mudanças, se forem concretizadas, interferirão diretamente na vida dos empregados nessas áreas, desde a burocracia para escolher e firmar a contratação de funcionários, até sua atuação quando contratado pela Universidade de São Paulo.