A reforma na raia olímpica vende integração superficial e não é vista como prioridade na USP
Por Claire Castelano e Natan Novelli Tu
Prevista para iniciar em setembro, a troca do muro de concreto da raia olímpica por uma estrutura de vidro ainda está no papel. A iniciativa da Reitoria, que conta com o suporte da Prefeitura no contato com o financiamento privado de R$15 milhões, se estende por 2,2 km e se pauta na integração campus-cidade. O JC conversou com especialistas nas áreas de urbanismo e paisagismo, ecologia, ciências atmosféricas e práticas físicas para entender diferentes aspectos envolvidos na modificação. Para eles, a mudança pode até ser positiva em alguns aspectos, mas eles acreditam que os gastos universitários deveriam ter outras prioridades. Como comenta José Carlos Farah, diretor técnico e professor de remo do CEPEUSP, já na própria raia é claro questões mais urgentes: “Aqui andam muitos cadeirantes, pessoas com mobilidade reduzida, então é importante reformar o pátio [da entrada]”.
A raia foi criada durante o período dos Jogos Pan-Americanos de 1973. De lá para cá, pondera Eugênio Queiroga, professor da FAU e vice-coordenador do Lab Quapá (Quadro do Paisagismo no Brasil), “a violência urbana foi se incrementando, e o muro foi uma solução barata [para contorná-la], mas feita de maneira grotesca”. No começo, ele evitava que pessoas entrassem para pescar, caíssem e não conseguissem sair, mas em 1996, a altura do muro foi acrescida para tentar gerar maior segurança.
Conforme a Marginal Pinheiros se desenvolvia – hoje com mais de 3,5 milhões de pessoas cruzando-na diariamente –, percebeu-se também a importância do muro no combate à poluição atmosférica. Nisso, Maria de Fátima Andrade, professora de Ciências Atmosféricas do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP), explica: “exposto a concentrações maiores, pessoas com respiração acelerada que estão correndo e remando tem uma exposição ainda maior. [Além disso], a raia têm atividades para um público mais suscetível a problemas respiratórios, como gestantes e pessoas com idade”. A professora ainda lembra que realizou levantamentos que iam na contramão da ideia defendida por uma consultoria paga pela Universidade de que um muro seria indiferente na contenção de poluentes. Quanto a isso, ela diz que não teve retorno e critica a falta de diálogo entre Reitoria e comunidade.
Além disso, a presença de um muro também exerce papel na contenção sonora e, por ignorar essas duas funções, o projeto inicial, que seria um gradil, teve de ser substituído por este de um muro vidro. Segundo Farah, quanto a contenção do som, ele acredita que não haverá tanta mudança, já que “apesar do vidro ser mais fino, ele é mais denso que o muro [de concreto que é, na verdade], oco”. Ele, assim como a professora do IAG, vê que o muro de vidro se mostra equilibrado nessas funções combativas, entretanto, Farah também pontua a falta de comunicação na Universidade: “a conversa poderia ser um pouco mais ampla [sobre a decisão] e não, necessariamente, com todo mundo, mas principalmente com o pessoal que trabalha aqui no CEPEUSP.”
Aqui, Queiroga lembra que a postura de não dialogar é a mesma das decisões arquitetônicas que a instituição vem tomando com a grade da ECA e o muro da São Remo. Para ele, uma efetivação consistente só existe quando existe discussão com todos os envolvidos. “O melhor caminho é o processo de construção participativa dos espaços públicos e, portanto, do próprio exercício da cidadania, com todas as diferenças, com todas as discussões que um projeto apresenta”. Questionadas diversas vezes pelo JC sobre o andamento do projeto, tanto a Reitoria quanto a Prefeitura, preferiram encaminhar o texto oficial como resposta, deixando dúvidas em aberto, como o porquê da obra ainda não ter começado, e como e por quais órgãos a verba privada seria redirecionada à construção.
Em contrapartida à proposta de integração, Queiroga é categórico em afirmar que ela seria apenas superficial. “Quanto mais os espaços de propriedade pública puderem ser vistos, isso já se constitui com um primeiro degrau de interação, mas ela está longe de ser um elemento de integração”. Ele ainda completa que o ideal seria “transformar a Cidade Universitária num parque de caráter cultural e científico e, portanto, podendo ser um espaço de difusão da USP”.
Desequilíbrios e alternativas
Para Jean Paul Metzger, professor de Ecologia do ICB (Instituto de Ciências Biológicas da USP) e editor da revista Landscape Ecology, é ingênuo acreditar que a região da raia já não tenha sido radicalmente modificado pelo homem. Os animais que frequentam o espaço, por exemplo, são generalistas, conseguindo se adaptar às mudanças. Por outro lado, “a construção do muro de vidro poderia ser uma ótima oportunidade para melhorar a qualidade deste ambiente, se acompanhada de um adequado projeto paisagístico, que pensasse no enriquecimento e embelezamento deste espaço”. Ele também pontua que os órgãos precisariam considerar ações que evitassem que os pássaros, por não entenderem como uma barreira, colidissem com o vidro: “O uso de vidros jateados ou a aplicação de fitas e adesivos, ou mesmo uma arborização adequada do lado da raia [seriam possíveis soluções]”.
Nesse sentido, Queiroga apresenta alternativas que ao seu ver cumpririam melhor com a proposta apresentada. “Pode-se associar herbáceas, arbustos, árvores e compor uma barreira de dispersão de poluentes muito mais eficiente, porque a associação de diversos estratos vegetais pode levar a alturas maiores e não a continuidade”. Com relação à segurança, ele cita a instalação de um sistema integrado eletrônico, “que pode até ter um custo elevado, mas não mais do que esse novo muro de vidro”. Quanto à segurança, segundo release da Prefeitura, o projeto contaria com câmeras de monitoramento, iluminação por LED e um vidro temperado (que se quebraria em pedaços, em casos de batidas de carro). Mesmo assim, Andrade vê essa mudança apenas como estética e crê que um muro verde resolveria isso de uma maneira mais barata. De qualquer forma, ela teme que o vidro “intimide as pessoas à prática esportiva ao serem observadas, especialmente as mulheres”.
Acima disso tudo, os entrevistados entendem que por mais que o dinheiro venha de empresas privadas, há outros tipos de financiamentos que poderiam ser sondados e que gerariam um retorno mais efetivo à sociedade. Farah ainda diz que a raia é um bem da cidade de São Paulo, um lugar em que estudos poderiam ser realizados e replicados fora do campus: “A Raia Olímpica deveria ser tratada de outra forma na Universidade, isso poderia ser um exemplo para que se conseguisse despoluir o rio Pinheiros. Essa área pertence ao rio e a água é do mesmo lençol.”