Três especialistas assistem ao polêmico filme e JC registra suas reações
Por Christian Villaverde e Crisley Santana
Justiça escolhendo quem vive e quem morre
“É um Coringa coitadinho. Ele não consegue se responsabilizar pelo o que acontece com ele em nenhum momento. Isso o enfraquece como o vilão se pensarmos em Coringas como o do ator Hedger Ledger, por exemplo, que é um personagem que se impõe. O Coringa do Joaquin Phoenix tem pena de si mesmo. Para mim é difícil imaginar um vilão que irá se opor ao Batman – que é outra vítima da sociedade mal resolvida – dessa maneira. Misturaram demais os personagens. Meus alunos perguntaram: ‘ah Laura, mas tu acha que é um filme fascista?’; e sim, eu acho. Tanto quanto os Vingadores. É o mesmo padrão. São filmes que estão defendendo que alguém se aposse desse poder de fazer justiça escolhendo quem vive e quem morre.”
Laura Canepa, da Universidade Anhembi Morumbi, pesquisadora de cinema.
Perda de um lugar político coletivo
“Há no filme a construção de um discurso de uma sociedade individualista, até mesmo quando ela se volta para causas sociais. É como sempre brinco: quando quando alguém diz ‘vou plantar uma planta na minha casa para ajudar o meio ambiente’ a pessoa não está ajudando o meio ambiente, ela está plantando uma planta na casa dela. Então essa perda de um lugar político coletivo, que é uma marca do nosso tempo, está presente nesse filme em vários aspectos. Quando trata de questões sobre a saúde, sobre a cidade, que neste caso, está em ruínas. Ele é crítico e ao mesmo tempo um retrato de agora. Do que a gente é, mesmo quando pensa que não é. É um filme muito freudiano, pois há uma metáfora: não se trata exatamente do início do vilão Coringa, mas uma busca da humanidade por sua origem, representada no ápice por esse personagem. Ele não possui nenhuma história, nenhum vínculo. Não tem família, amigos, vida social, nada. Ao mesmo tempo, a figura da mãe ligada a dele o tempo inteiro, essa relação sempre no primeiro plano da narrativa. De repente o pai, representando uma possível redenção, a possibilidade de ser alguém. Então por meio dessa busca o filme representa bastante da natureza humana.”
Rosana de Lima Soares, da Escola de Comunicações e Artes da USP, pesquisadora de linguagem e discurso.
Cruel, mas desperta empatia
“A construção do personagem foi feita de modo bastante interessante pelos criadores, está coerente com a natureza mentirosa e insana do personagem, que sempre inventa uma história nova sobre seu passado. O segundo ponto é que se você pretende construir uma narrativa de sucesso, precisa estabelecer alguma empatia entre a audiência e seu protagonista. E como fazer isso no caso em que o protagonista é um vilão? A fórmula que os criadores encontraram foi de mostrar que ele é um produto dessa combinação de uma possível patologia mental associada aos fatos de sua vida que o encaminharam a ser desse jeito. Assim, temos um personagem que a rigor é um assassino cruel, mas que desperta empatia em boa parte do público. Também contribui significativamente para tal empatia o Coringa ser uma variação do ‘vigilante’; estamos acostumados a ter empatia com o ‘herói vigilante’, desde o cowboy vingador dos velhos faroestes até a versão contemporânea do Batman, mas o ‘vigilante’, assim como todos os demais arquétipos, tem aspectos positivos e negativos. O Coringa seria um exemplo desse vigilante em que predominam os aspectos negativos, enquanto em seu arquirrival, Batman, predominam os positivos. Por isso, Batman e Coringa são duas faces de uma mesma moeda.”
Silvio Anaz, especialista em processos audiovisuais por meio do conceito de imaginário.