Baterias universitárias da USP enfrentam desafios para manter suas atividades na pandemia sem o apoio da universidade
por Ana Carolina Guerra
Desde a suspensão das aulas presenciais da USP, as baterias universitárias enfrentam dificuldades para manter suas atividades e precisam se reinventar constantemente para continuar. Antes mesmo da pandemia de covid-19, essas entidades já sofriam com empecilhos, como a restrição de locais e horários de ensaio. O que só piorou com a nova situação e a falta de apoio institucional.
Início da quarentena e a retomada das atividades
Em 17 de março de 2020, a USP suspendeu suas atividades presenciais, em razão da pandemia de covid-19. As autoridades da instituição, assim como a maior parte da comunidade universitária, acreditavam que a quarenta duraria algumas semanas. “Acho que como muita gente, pensamos que a suspensão das aulas era algo temporário, que iria demorar quinze dias, não mais do que isso, que depois já retornaria”, conta Mariana Togni, presidente da BaterECA, bateria universitária da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP.
Por causa disso, em um primeiro momento, a maioria das baterias não planejaram realizar seus ensaios no formato online e preferiram esperar o retorno ao presencial. “A gente demorou para estabelecer alguma coisa online, porque de fato a gente demorou a entender que aquilo não era temporário”, explica Togni.
A Rateria, bateria universitária da Escola Politécnica (Poli) da USP, ao contrário dos outros grupos, nos primeiros meses da pandemia, tentou manter suas atividades por meio de vídeos que ensinavam os novos membros a tocar, porém o engajamento foi pouco e a diretoria preferiu acabar com a iniciativa.
Por essas razões, a maior parte das baterias iniciou os ensaios online na metade de 2020, como a BaterECA e a Rateria.
Os ensaios virtuais
Com a retomada dos ensaios, os membros das baterias precisaram adaptar os treinos para o formato virtual. “Pensar em dinâmicas que dariam para fazer para continuar ensinando, assim, pensando que pode ter o delay do vídeo e não daria para todo mundo tocar junto”, expõe Vinicius Moura, ritmista e conselheiro da Bateria S/A, bateria universitária da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP.
Uma das primeiras mudanças foi a frequência e a quantidade dos ensaios. Antes da quarentena, a BaterECA realizava dois ensaios semanais, hoje, eles treinam uma vez a cada quinze dias. A Rateria treinava duas horas por semana e, atualmente, os ensaios são de apenas uma hora. Os treinos também deixaram de ser feitos com toda a bateria, agora, a ensaios separados para cada instrumento.
Outro problema foi a falta de instrumentos, devido às restrições sanitárias, os membros das entidades só puderam buscar os instrumentos na USP na metade de 2021. Além disso, muitos estudantes não estão em São Paulo, por isso não puderam ir à USP pegar os instrumentos. Para sanar isso, os grupos começaram a improvisar com utensílios domésticos para que pudessem continuar a treinar. “A gente acaba improvisando. Então, pro agogô junta quatro colheres e uma baqueta. O chocalho é uma garrafa com arroz dentro”, explica Togni.
Além dos ensaios, as apresentações e as competições também não podem ser realizadas. Por isso, as baterias começaram a divulgar seu trabalho por meio de vídeos. “Temos feito apresentações em formato de vídeo, que tem que sair pelo menos uma ou duas por ano”, fala a presidente da BaterECA.
A Bateria S/A também incorporou os treinos virtuais a rotina dos membros em 2020. Porém, as dificuldades para praticar a distância fizeram com que o Conselho optasse que houvesse encontros dos instrumentos, nos quais os ritmistas estudavam a teórica. “Apresentavam um quiz ou um samba enredo de uma escola de samba e faziam perguntas”, conta Moura.
A suspensão das atividades presenciais ocasionou a saída de muitos calouros da S/A. Por causa disso e pelos empecilhos dos ensaios online, o Conselho decidiu que em 2021 não haveria treinos nem, por consequência, a entrada de novos membros.
A saída dos ritmistas em razão da pandemia também foi sentida em outras baterias, como a BaterEca. “Como no primeiro momento a gente não estava muito bem estruturado, tivemos uma perda de engajamento”, fala a presidente da bateria da ECA, ela também ressaltou que a questão psicológica fez com que percussionistas deixassem a entidade.
A falta de apoio
Além dos problemas causados pela pandemia, as baterias também sofreram com o descaso por parte da USP. Segundo os representantes dessas entidades, em nenhum momento, a universidade ofereceu alguma forma de ajuda ou apoio.
As unidades auxiliaram bem pouco as baterias, na maioria das vezes, apenas permitiram que os membros fossem buscar seus instrumentos. Todavia, as unidades demoravam de dois a três dias para liberar a entrada dos ritmistas, o que prejudicou as baterias em certas ocasiões. Esse foi o caso da BaterECa que para arrecadar fundos na pandemia aluga os seus instrumentos e precisa ter acesso a eles com mais agilidade.
Essa falta de suporte por parte da USP já existia antes da pandemia. Em 2017, a USP publicou a Resolução nº 7443, que restringia os horários e locais dos ensaios, além de exigir a documentação dos estudantes integrantes das baterias. Antes disso, em 2014, os ritmistas foram obrigados a utilizar apenas Raia Olímpica para treinar, porém o espaço era pequeno para alocar todos os grupos. Com a resolução de 2017, os percussionistas passaram a não poder ensaiar na Raia.
Para driblar as restrições, algumas baterias contaram com o apoio das unidades, como a Bateria S/A. A FEA cedeu seu auditório para que seus estudantes pudessem praticar, visto que esse espaço possui tratamento anti ruído, contudo os ensaios só poderiam ser realizados a partir das 23h, ou seja, após o fim das aulas.
Em razão das medidas sanitárias para o combate à pandemia, os representantes das baterias pedem que a USP flexibilize a Resolução nº 7443 no período do retorno ao presencial. Já que os grupos precisarão de mais espaço nos ensaios para evitar aglomerações. Além de que não poderão treinar em espaços fechados, como os auditórios.
A convivência dos alunos
Além de grupos que promovem a cultura e a arte, as baterias também são um espaço de convivência dos estudantes. Mesmo com os esforços dos ritmistas para socializarem virtualmente, essa função das baterias foi afetada pela pandemia. “Tínhamos momentos fora do espaço da entidade. Quando você vai ensaiar com uma pessoa, depois vocês aproveitam e vão bandejar juntos antes da aula. Ou então vocês vão até a cantina e compram alguma coisa. Depois da pandemia, de fato esses momentos se perderam”, conta a presidente da BaterECA.
Para incentivar a convivência dos percussionistas, as baterias criaram grupos de Whatsapp e realizam chamadas de vídeos. A BaterECA faz encontros online para seus membros poderem bater papo e jogarem Among US e Gartic. “A gente tem tentado marcar conversas, que chamamos de restrição de fofoca, que é um horário só pra gente ficar batendo papo e tem alguns jogos. Essas coisas têm sido muito divertido”, diz Togni.
A Bateria S/A não pensou em medidas centralizadas para promover a confraternização dos ritmistas, visto que a maioria dos alunos integrantes da entidade já passaram do segundo ano da graduação, por isso têm uma relação mais próxima. Por causa dessa compatibilidade prévia, os próprios percussionistas naturalmente criaram grupos para conversarem sobre temas de seus interesses, como Big Brother Brasil, cinema e Naruto. “Foi meio que acontecendo sozinho das pessoas continuarem confraternizando entre si”, fala o representante da S/A.
Na Rateria, após os treinos online, os ritmistas possuem um espaço para conversarem e confraternizar. Segundo os representantes da bateria, muitas vezes, a conversa ultrapassa esse tempo e envolve vários assuntos. Para incentivar a aproximação dos membros, a diretoria do grupo realiza, no começo e no meio do ano, uma gincana na qual os percussionistas são divididos em grupos e participam de desafios.
Essas atividades online de confraternização têm sido menos recorrentes e com um tempo menor que a convivência presencial realizada anteriormente. “Trabalho, aula, ensaios e divertimento online também, com isso, as pessoas acabam ficando mais saturadas”, explica Togni, que acrescenta que, por isso, os ritmistas não conseguem ficar muito tempo na frente do computador para confraternizar.
O retorno para o presencial
Como todo o período pandêmico, a retomada das atividades presenciais das baterias também é cercada de incertezas. Alguns grupos, como a BaterECA, ainda não planejam a volta presencial e isso só irá ocorrer após todos estarem vacinados e a quantidade de casos ser baixa no Brasil.
Outras baterias já estão se organizando para a retomada das atividades presenciais. Esse é o caso da Bateria S/A que formou Grupos de Trabalhos (GT) para decidir e planejar a volta. O grupo espera poder retomar o treinos presenciais para torneios ainda este ano, mas não tem uma data certa. Enquanto que os ensaios abertos – que são destinados a todos os estudantes da FEA, em especial aos calouros – acontecerão apenas no ano que vem.
A Rateria pretende voltar quando todos os membros estiverem vacinados. Eles também planejam fazer um sistema de escala para que os ensaios sejam compostos por pequenos grupos.