Durante os dos últimos anos, os campeonatos universitários de e-sports foram a diversão da comunidade uspiana. No entanto, com o retorno ao presencial cada vez mais perto, deve-se pensar em alternativas para manter esse sucesso
por Rebeca Alencar
Arte: Mateus Dias
Valorant, Fifa, Free Fire, Just Dance, League of Legends… com certeza você já ouviu falar de algum desses nomes. Todos eles se tratam de e-sports (sigla para esportes eletrônicos, em português), que têm se tornado cada vez mais populares nos últimos anos. Essa popularidade criou base para que surgissem ligas profissionais e campeonatos grandiosos ao redor do mundo, e no ambiente universitário ganharam espaço nas competições esportivas.
Algumas dessas competições, como o JUCA (Jogos Universitários de Comunicação e Artes) e BIFE, apostaram na prática dos e-sports durante a pandemia, em que os jogos presenciais estavam impossibilitados de serem executados. Após dois anos, com as campanhas de vacinação surtindo efeito, cada dia que passa aumenta a certeza de que eventos como esses poderão voltar a ser realizados presencialmente.
No entanto, essa possibilidade implica em consequências negativas para a manutenção dos e-sports no esporte universitário? Nesta matéria do JC, entenda melhor como se deu a ascensão e as perspectivas para o futuro dessa modalidade nas competições estudantis.
A chegada dos e-sports nos campeonatos universitários
Ludmilla Souza, integrante da diretoria de esportes do BIFE (uma das competições internas da Universidade de São Paulo) conta que esse campeonato foi um dos primeiros a trazer os e-sports para a comunidade universitária. Em 2018 começou a ser trabalhada como uma modalidade demonstrativa, ou seja, que não era obrigatória nos jogos, mas já contava com a dedicação dos organizadores para que fosse oferecida tanto aos atletas quanto aos torcedores da melhor forma possível. Além de videogames específicos e computadores preparados para as partidas, uma arena a parte também era providenciada para os torneios.
Campeonato de e-sports no BIFE 2019. Foto: Reprodução/Ecatlética
Contudo, a oficialização se deu em março de 2020, quando a pandemia acelerou em São Paulo, e tornou as medidas de isolamento social inevitáveis. Frente a esse cenário, Ludmilla afirma que embora a decisão de cancelar a edição anual do BIFE tenha sido a correta, o evento fez falta na diversão dos estudantes. “Ao longo do ano, principalmente quando as datas que eram para ser das competições estavam próximas, vi muita gente lamentando e lembrando que naquele dia, provavelmente estaria fazendo alguma coisa no BIFE”, relata.
João Lucas Fehler, estudante da Escola de Comunicações e Artes e Diretor de Modalidade da ECA Lions, time de e-sports do instituto, concorda com a afirmação da diretora, principalmente levando em consideração as integrações das festas. “Querendo ou não, nem todo mundo que vai para os campeonatos vai para jogar, independente de serem esportes eletrônicos ou tradicionais. Então, a diversão da parte mais social acaba incentivando a galera a torcer e animar os times”, comenta.
João ingressou na ECA como estudante em 2020, mas antes disso já era praticante dos e-sports. “Uma das minhas metas era jogar League of Legends com o pessoal da faculdade. Não sabia se a ECA tinha uma equipe específica, mas se tivesse eu gostaria de entrar”, lembra. Após descobrir a existência da ECA Lions, demorou um pouco para entrar oficialmente no time. Porém, o lançamento do jogo Valorant alguns meses depois ainda no ano passado foi o incentivo que faltava para ele se estabelecer — uma vez que os outros integrantes também estavam empolgados com a novidade.
Enquanto João finalmente realizava seu objetivo de fazer parte de uma equipe de e-sports universitária, Ludmilla relata que a comissão organizadora do BIFE estava repleta de incertezas. Mesmo com o cancelamento das atividades acadêmicas presenciais, o planejamento do evento permaneceu em dia até maio de 2020, quando tiveram a certeza de que o campeonato não poderia ser realizado. “Nós nos desanimamos porque é óbvio que entramos querendo fazer o evento acontecer do jeito que é planejado, mas foi uma queda de expectativa, então não tinha muito o que fazer”, comenta.
Das arenas para as telas
Mesmo com a manutenção dessas perspectivas positivas para o ano de 2021, os responsáveis pela organização não queriam que a memória do BIFE fosse perdida pela comunidade universitária que o frequentava. Frente a isso, Ludmilla diz que a equipe passou a investir mais em conteúdo para redes sociais, mas os entusiastas de e-sports que compunham a organização pensaram em ir além disso, para algo em que o entretenimento e a diversão fossem assegurados: uma versão virtual do evento, o e-BIFE.
Assim, os esportes eletrônicos — que até então tinham apenas uma modalidade — ganharam espaço para um evento dedicado exclusivamente a eles. A iniciativa surgiu do empenho em manter um espaço de entretenimento para os jovens em um momento tão difícil, somada a tentativa de manter o campeonato presente e dar continuidade ao recente protagonismo dos e-sports. A organizadora conta que a adaptação impôs algumas limitações à modalidade, uma vez que jogos como Just Dance, por exemplo, demandam consoles diferentes dos convencionais e isso poderia impedir a participação de alguns jogadores, mas conseguiram chegar a um formato final satisfatório.
Final de Valorant entre o IME e ECA, no e-BIFE deste ano. Foto: Divulgação/BIFE
“Eu achei a iniciativa de criar jogos universitários online muito proveitosa, principalmente para manter o espírito competitivo das atléticas vivo”, opina João. Ludmilla, por sua vez, conta que a recepção positiva do diretor de modalidade da ECA Lions não foi a única. “Acredito que foi porque já tínhamos os e-sports antes e porque ainda era aquela fase em que todo mundo estava em casa e muitos começaram a jogar”, comenta a organizadora. Ainda sobre isso, ela afirma que esses movimentos emplacaram a fundação de novas equipes e para as que já existiam, foi um incentivo para se estruturarem melhor.
Assim, após dois anos tendo bons resultados como modalidade demonstrativa, o primeiro ano como oficial — mesmo com o cenário pandêmico — foi um sucesso para os e-sports no BIFE, que somou mais de 1,5 mil seguidores na Twitch, plataforma de streaming onde os jogos foram transmitidos.
“Estudantes de institutos que não participam do nosso campeonato acompanharam e até gente de fora da USP, que nem sabia o que era o BIFE, assistiram as disputas”, lembra Ludmilla. O retorno positivo foi o que motivou a equipe a repeti-lo em 2021, pois os jogos presenciais, mais uma vez, foram impossibilitados de acontecerem. Outras competições como Bichusp, destinada a integração dos calouros, e JUCA, também fizeram o mesmo.
Mas a respeito do engajamento e torcida, João ressalta que, embora tenha sido contagiante e surpreendente, ainda não se compara ao dos jogos tradicionais. “Nem todo mundo gosta de assistir e não tem aquela interação social. Cada um torce da sua casa, então é uma torcida meio fria, mas muito importante”. Dessa forma, com uma perspectiva de retorno às arenas e quadras cada vez mais próxima em 2022, será que o sucesso das competições de e-sports em campeonatos universitários irá se manter?
Próximos passos dos e-sports na USP
Em resposta a questão, Ludmilla conta que as expectativas da organização do BIFE são bastante positivas. “Não acho que [o engajamento] corre risco de diminuir, acho que a tendência é só aumentar, porque essa cultura de e-sports está vindo muito forte dentro da USP“, justifica. Ela ainda ressalta que novos formatos estão em discussão pela comissão organizadora e essa também é uma das preocupações de João, opinando claramente que os eventos online já não divertem tanto os estudantes quanto antes.
“Ninguém aguenta mais a pandemia e eu sinto que eventos online estão sendo saturados, seja festas ou competições. Tenho a impressão de que a galera estava mais engajada ano passado do que agora em 2021 por ter mais disposição para isso”, afirma. Por outro lado, ele acredita que isso não significa o fim dos e-sports, e demonstra muito interesse e curiosidade em conhecer as competições presenciais. “Ouvi falar que era cada um no seu computador, mas todos estavam próximos e comemoravam juntos. Quero muito que isso seja real e ver os e-sports crescendo” completa.
Tanto João quanto Ludmilla citam a USP Chronos, liga de esportes eletrônicos criada pela comunidade uspiana que está em ascensão. “É um time fundamental para ter todos os outros micro times de cada instituto crescendo”, ressalta o diretor da ECA Lions. Iniciativas como essas demonstram o empenho do corpo discente em expandir ainda mais a popularidade desta modalidade em meio à comunidade universitária, sugerindo que mesmo com os campeonatos de e-sports na USP sujeitos à remodelações, todas elas serão com o objetivo que tanto os seus torcedores quanto atletas as aproveitem da melhor forma possível.