Estudantes relatam insatisfação com alterações em espaços estudantis no campus

Por Bernardo Carabolante e Davi Caldas*
De uma sinuca solitária a salas apertadas, as vivências na USP tiveram seu início como praças de convívio. Mas o passar dos anos trouxe desafios. É o caso da ECA com a Prainha, ou mesmo da Ciências Sociais, da FFLCH, que deve perder dois terços de seu Espaço Verde depois de uma reforma no departamento. Além desses, casos como a Química também chamam a atenção, já que o instituto precisa compartilhar uma vivência com a Farma devido à falta de um espaço em boas condições, ou sem limitações.
A primeira ideia de vivência foi o Biênio da Poli, nos anos 1960, como conta a Superintendência de Espaço Físico (SEF) da USP. As vivências criadas por e para estudantes surgiram principalmente nos anos 1970 e 1980. Com o passar dos anos, as vivências se tornaram mais do que um ambiente de convivência, e passaram a ser espaços de festas, comércio e debate político.
Essas áreas são cada vez mais disputadas na Universidade. Um exemplo é a Prainha ecana, fechada para reformas em 2024. Júlia Urioste, integrante do Centro Acadêmico Lupe Cotrim (Calc), da ECA, comenta: “A alternativa que a ECA deu foi o Quadrado das Artes, mas é diferente, porque a qualidade que a Prainha tinha, o Quadrado não tem”.
Sem banheiros, bebedouros, depósitos ou tomadas, o Quadrado não substitui o papel que a Prainha tinha no estilo de vida ecano. “O Quadrado não é uma vivência, é um local de passagem, diferente da Prainha. Ela é a identidade da ECA”, relata.
Para Victor Eiji, também do CALC, o fim da Prainha cristalizou a falta de interação entre os estudantes, que já vinha sendo afetada com as grades implementadas no local entre 21 de dezembro de 2016 e 2 de janeiro de 2017. “Separar os estudantes é desmobilizar o movimento estudantil. Por exemplo, a ECA foi construída na época da ditadura militar, e ela foi pensada para ser separada, justamente para impedir a mobilização dos estudantes”, complementa.
As vivências são espaços para experiências, porque a universidade não é só estudar. São ambientes que criam histórias
Júlia Urioste
Fora da ECA, o curso de Ciências Sociais apresenta uma questão parecida, já que as reclamações aparecem justamente por conta de uma reforma sendo feita, que irá afetar dois terços da vivência. Na visão de Veronica, do Centro Acadêmico de Ciências Sociais (CeUPES), a construção do novo bloco, apesar de importante, foi uma escolha deliberada para afetar o Espaço Verde.
“Eles poderiam construir esse corredor [que afetará o Espaço Verde] em qualquer outro lugar do prédio. É uma escolha que a diretoria fez, em conjunto com a reitoria, de afetar o nosso espaço de autonomia estudantil.” Entre outros exemplos, a estudante cita o Piso do Museu, da FAU. O Grêmio Estudantil do instituto, via Instagram no final de 2024, manifestou o medo de perder autonomia do local, devido a conflitos com a direção sobre a gestão e cuidado do espaço da lanchonete.
Além das reformas
Maria Raya, presidente do Centro Acadêmico Heinrich Rheinboldt (CEQHR), do IQ, explica que o local de convivência utilizado pelo IQ não é exatamente um “espaço de vivência” de fato, já que o ambiente físico não é disponibilizado. “Nós não temos livre acesso a ele. A chave fica com o pessoal da atlética. Para fazer qualquer tipo de evento, é mais burocrático, porque a sala fica trancada, por motivos de segurança.”
A estudante também informa que, no passado, o Centro Acadêmico tinha alguns outros espaços de integração entre os alunos para além do espaço dividido com a Farma. “Hoje, esses locais também não estão em boas condições, assim como o centro de convivência compartilhado”, afirma.
Na Poli, Maria Luiza Brozios, do Centro Acadêmico da Engenharia Química (AEQ), conta sobre uma gincana que acontece há quase 50 anos na Poli, onde os alunos passam de sexta a terça-feira no instituto. “As madrugadas são passadas dentro da USP e nos espaços dos centros acadêmicos, mas precisamos de ofício para que liberem o acesso aos espaços após as 23h.”
Contudo, ela afirma que o diretor da Poli tem sido rígido para assinar esses ofícios. De acordo com Maria, festas não acontecem em locais comuns da Poli por medo de retaliação, já que os Centros Acadêmicos são ameaçados de sindicância pelo diretor.
Na EACH, Mald, integrante do Centro Acadêmico da unidade, conta que um obstáculo é a manutenção do espaço, que depende do esforço voluntário dos membros de entidades (como o Quati Bandido) para limpar o ambiente e garantir a segurança dos móveis. “Já enfrentamos dificuldade ao realizar eventos como batalhas de rima, que chegaram a gerar ameaças de possível expulsão para os organizadores. Além disso, os veteranos comentam que, antigamente, era possível realizar festas. Hoje em dia, isso não é mais permitido.”
Institutos respondem
A SEF informa que as intercorrências acontecem nas reformas: “É difícil, ou até impossível, garantir os prazos inicialmente contratados.” A FAU entende que o “medo” de perder o espaço é mais um boato do que realidade; o que ocorre são questões técnicas com a lanchonete, que “não afetam a gestão do Piso”.
O IQ explicou que, com respeito aos espaços de vivência, há dois projetos em andamento — o primeiro diz respeito ao novo regimento do Centro de Vivência do Conjunto das Químicas, compartilhado entre os alunos de outras unidades, e o segundo à sua reforma estrutural. “As salas de aula que hoje utilizamos, incluindo o Queijinho, caso não sejam ocupadas para a finalidade de aulas, após a liberação do novo prédio, serão objeto de estudo para novos destinos, incluindo extensão.”
A ECA afirma que, antes da reforma, informou à comunidade que, durante 18 meses, não haveria um espaço de vivência estruturado: “O uso do Quadrado e da Geodésica preocupa do ponto de vista da segurança, pois não possuem a infraestrutura para esse fim”.
Apesar de terem respondido, FFLCH e Poli não abordaram profundamente as questões comentadas pelos Centros Acadêmicos — como a perda de dois terços do Espaço Verde e as possíveis ameaças aos alunos politécnicos, respectivamente. Por conta da alta demanda da diretoria da EACH durante a Semana do Livro, fomos informados que não conseguiríamos obter respostas a tempo do fechamento do Jornal.
*Com edição de Gabriela Barbosa