Denúncias de assédio sexual na USP evidenciam abusos de poder nas salas

Três meses separam acusações contra docentes em diferentes campi da USP. Para professora da FFLCH, medo de represálias às vítimas impede mais acusações

Foto: Pedro Malta/JC

Texto por Diego Coppio, Natalia Tiemi e Yasmin Teixeira*

Em 13 de dezembro de 2024, o professor associado da Faculdade de Direito (FD) da USP, Alysson Mascaro, foi afastado do seu cargo após uma série de denúncias divulgadas na internet contra o docente. Dez dias antes, o site Intercept Brasil divulgou relatos de alunos e ex-alunos que se declararam vítimas de assédio sexual cometido por Mascaro, com episódios de 2006 até o início de 2024. Beijos forçados e estupro constam nas denúncias da matéria.

O perfil de Mascaro nas redes sociais postou em novembro de 2024, antes da divulgação das denúncias pelo Intercept Brasil, que o docente vinha sendo vítima de crime cibernético e perseguição. Procurada pelo JC, a defesa de Mascaro não retornou até a publicação desta matéria.

Na portaria divulgada no dia do afastamento, a FD afirmou que “há fortes indícios de materialidade dos fatos e que estes envolvem possível enquadramento típico de assédio sexual vertical (cometido por alguém de posição hierárquica superior)”. Após conclusão de uma sindicância interna em janeiro de 2025, a Faculdade enviou um relatório para a Procuradoria-Geral da USP. O JC entrou em contato com a Procuradoria, que indicou contato com a Imprensa da USP. Ela, por fim, repassou a resposta para a FD, a qual apenas afirmou que o processo corre em segredo.

Além deste, casos de assédio fazem-se presentes em outras instituições e campus da USP. Em 28 de fevereiro, o professor José Maurício Rosolen, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP), foi afastado por 180 dias após ser acusado por alunas de assédio sexual. Ao contrário da imagem esperada, casos como esse mostram que o aspecto acadêmico não exclui a possibilidade dessas ocorrências. Universidades, especificamente a Universidade de São Paulo (USP), são cenários nos quais as opressões de gênero e poder se mostram permanentes e, principalmente, estruturais.

Um levantamento realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou que, entre 2021 e 2023, houve um aumento de 44,8% nos processos judiciais sobre assédio sexual em universidades federais, com mais de 360 mil novas ações. Entre 2022 e março de 2024, foram abertos 641 processos, com denúncias em 57 das 69 instituições analisadas. 60% das universidades não apresentavam políticas de combate.

Segundo Viviane Ferreira, professora de Direito Civil na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, a opressão sexual soma-se às hierarquias de poder universitárias. “O lugar do aprendizado, a sala de aula, deveria ser um lugar enxergado com maior respeito por todos os envolvidos. E, infelizmente, não é tratado assim pelos docentes. O abuso desse poder para qualquer tipo de conduta abusiva em relação aos alunos é uma agressão muito grande.”

É essencial que alunos se sintam à vontade para buscar a instituição, tem que haver uma uma estrutura interna para acolher, escutar e encaminhar essas denúncias

Viviane Ferreira professora de Direito Civil na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

Nesse sentido, Heloísa Buarque de Almeida, professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH-USP) e membro do coletivo feminista Rede Não Cala, acredita que o medo da retaliação é um dos principais fatores para a falta de denúncias nas universidades. De acordo com a professora, muitas vítimas optam por não denunciar pela influência do docente no mercado de trabalho ou no ambiente acadêmico.

“O que estamos tentando fazer é convencer [a vítima] de que ela está protegida pelo sistema formal. Esse professor vai ser afastado, não vai mais dar nota, não vai mais orientar. É o que está acontecendo agora com o professor da FD: ele está afastado para que a investigação possa ocorrer. Isso ajuda a diminuir as possibilidades de retaliações”, afirma Almeida.

Na USP, a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) criou em 2024 o Sistema USP de Acolhimento (SUA), com o objetivo de acolher e orientar as vítimas de assédio no processo.

(11) 3091-5001, seg. a sex. (8h às 17h)
sua.prip@usp.br

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Realizada a denúncia, são investigadas a materialidade e a autoria da infração. Caso confirmada, a depender da gravidade, a Procuradoria Geral poderá conduzir uma sindicância punitiva ou um processo administrativo disciplinar (PAD), com pena máxima de demissão ou suspensão.

*Editado por Bruna Correia e Giovanna Castro