Conheça as histórias de Balboni, Hanssen, Nunes de Abreu e Reyes, mortos entre 1969 e 1972

As quatro cadeiras vazias em destaque no auditório Prof. Francisco Romeu Landi representavam, respectivamente, Lauriberto José Reyes, Luiz Fogaça Balboni, Manoel José Mendes Nunes Abreu e Olavo Hanssen. No dia 28 de março, os estudantes foram homenageados como parte da iniciativa Diplomação da Resistência, que pretende conceder diplomas honoríficos aos alunos que foram assassinados pela ditadura militar (1964-1985) antes que pudessem concluir suas graduações.
Após a apresentação da mesa, composta por representantes de diversas esferas da Universidade, a cerimônia começou com a transmissão de um vídeo produzido pela Escola Politécnica no qual os irmãos dos estudantes falam sobre suas presenças e, especialmente, suas ausências.
Os diplomados
Lauriberto ingressou na Universidade em 1965, ano em que se tornou diretor cultural do Conjunto Residencial da USP (CRUSP). Participou ativamente de movimentos políticos e estudantis como o Movimento de Libertação Popular (Molipo) e, em 1968, fez parte da direção executiva da União Nacional dos Estudantes (UNE). O jovem foi morto em fevereiro de 1972, após emboscada realizada por agentes do Estado.
Regina Reyes, sua irmã, reconta uma crônica escrita pelo irmão para o jornal do colégio no qual estudou durante a adolescência, que criticava o apedrejamento de um jovem negro ocorrido numa universidade nos Estados Unidos. “O texto dizia: ‘prove-me que este é o país mais civilizado do mundo, onde esse tipo de coisa acontece’. Este é só um exemplo para dizer que a questão social sempre foi muito forte para ele”, contou. Com o diploma de Lauriberto em mãos, ela encerrou dizendo que “a memória não morrerá”.
Já Luiz, carinhosamente chamado de Zizo pelos familiares e amigos, ingressou na USP em 1966. Ele militou inicialmente na Ala Vermelha do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) em 1968 e, por divergências ideológicas, deixou o movimento e se engajou na luta armada através da Ação Libertadora Nacional (ALN). Em setembro de 1969, foi vítima de uma emboscada orquestrada por delegados do Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS) e faleceu no dia seguinte.
“Aqueles generais poderosos devem muito à nossa sociedade. Interromperam o futuro brilhante de um jovem de apenas 24 anos, que este ano completaria 80. Onde ele estaria hoje?”, disse Vital Fogaça Balboni, irmão de Luiz, durante seu discurso.
Em 1998, o Governo Federal pagou à família Balboni uma indenização de R$120.000,00 pela morte do estudante. A quantia foi investida no Parque do Zizo, área de preservação de mais de 300 hectares de Mata Atlântica intocada. Nas palavras de Vital, “o maior legado do Zizo fica para a posteridade. Uma floresta inteira para homenagear a sua vida, que não foi em vão!”.
Em julho de 1954, a família de Manoel chegou ao Brasil, fugindo da ditadura do português Salazar. O jovem iniciou sua militância em movimentos estudantis ainda no colegial e, depois de entrar na Universidade, iniciou sua trajetória na luta armada também na ALN. Em setembro de 1971, aos 21 anos de idade, o militante foi assassinado por agentes do Estado.
“Agora, um sonho que estava suspenso se realiza. Isso, para a minha família, tem um valor muito grande. Os ancestrais se alegram, ficam felizes, quando vamos além e realizamos nossos sonhos”, disse Maria da Graça.
Em 1960, Olavo ingressou na Universidade e passou a fazer parte do Grêmio Politécnico no ano seguinte. Durante a passagem pelo Grêmio, o jovem conheceu e se filiou ao Partido Operário Revolucionário Trotskista (PORT). No dia 1º de maio de 1970, Olavo e outras 18 pessoas foram presas e levadas ao DEOPS. O jovem foi declarado morto dias depois. “Eu fico pensando que, apesar de tudo, a gente tem que se dar por satisfeito por ter conseguido resgatar o corpo. Teve tanta gente que não conseguiu resgatar seus mortos”, disse Alice Hanssen, irmã de Olavo.
De acordo com ela, “esses quatro jovens entraram [na Universidade] pensando no próprio futuro, mas acabaram fazendo algo muito maior, porque não fizeram por eles, fizeram pelos outros”.
USP revisita seu passado
De acordo com a Comissão Nacional da Verdade (CNV), cerca de 434 pessoas morreram ou desapareceram durante a ditadura, 47 delas faziam parte da USP. Os 39 alunos, seis professores e dois funcionários representam quase 11% das vítimas, segundo a Comissão da Verdade.
Em 2022, a pesquisadora Márcia Bassetto Paes, doutora em em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, defendeu sua tese de doutorado “Arquivo da sala ao lado: catálogo da correspondência entre a Universidade de São Paulo e os órgãos de segurança (1967-1989)”. Nela, cataloga os documentos que foram recebidos entre 1972 e 1982 pela Assessoria Especial de Segurança e Informação (Aesi).
Na prática, a Aesi funcionava – clandestinamente – como uma aliada à ditadura, vigiando a Universidade e repassando informações ao órgão de inteligência Serviço Nacional de Informação (SNI).
A emissão de diplomas honoríficos através da Diplomação da Resistência está em conformidade com as recomendações feitas pela Comissão da Verdade da USP em relatório publicado em 2018, também está alinhada com o relatório da Comissão Nacional da Verdade, cuja recomendação 28 trata-se da “preservação da memória das graves violações de direitos humanos”.