“Falhamos em não ensinar e viver uma cultura preventiva na Universidade”

Para Lorena Barberia, cientista política e analista de políticas públicas na crise de covid-19, resposta da instituição às pandemias ainda tende a ser emergencial em caso de nova pandemia

Lorena Guadalupe Barberia, professora entrevistada, posando na Biblioteca Brasiliana

Por Giovanna Castro e Jean Silva*

“No caso da USP, deveríamos pensar em qual será o nosso plano como Universidade para a próxima emergência. Precisaríamos estar discutindo isso agora”, afirma. Confira abaixo os principais trechos da entrevista ao JC:

JC: Durante a pandemia, um dos muitos desafios era lidar com o ambiente de desinformação. Cinco anos após o começo da pandemia, quais marcas essas situações deixaram no Brasil?

Lorena: Mesmo após cinco anos, nós, como sociedade, ainda não produzimos realmente uma avaliação das lições aprendidas. Para diferentes grupos, há diferentes interpretações de quais foram os aprendizados. O problema é que nós não temos uma leitura muito clara, porque foi um momento muito complexo e longo.

É importante nesse marco dos cinco anos lembrar que é uma obrigação nossa – por todas as pessoas que faleceram, por todas as pessoas que adoeceram –, fazer esse exercício de avaliar o que deu certo e o que não deu certo. Mas nossa sociedade não está fazendo essa avaliação. Precisamos lembrá-la de que, se não refletirmos, estaremos em uma situação mais vulnerável para a próxima [pandemia], que com certeza virá.

JC: O Brasil perdeu mais de 700 mil vidas durante a pandemia. Como essa perda humana ainda afeta o país?

Lorena: Precisamos pensar nas crianças e adolescentes cujos pais e avós morreram durante a pandemia.

Essa é uma questão importante que mostra a magnitude dessa crise: a das gerações que perderam o cuidador principal, ou que estão sem cuidadores hoje.

No caso dos órfãos, o grupo Rede de Pesquisa Solidária rastreou as leis. Até houve uma discussão em especial sobre o cuidado dos órfãos da pandemia, mas esses projetos de lei nunca saíram do papel. Deixamos muitas cicatrizes abertas, porque não fizemos a reparação que precisávamos fazer.

JC: Quais foram os efeitos do pós-pandemia sentidos que perduram em instituições como a USP?

Lorena: No Hospital Universitário da USP, os professores, residentes, e pessoas que estavam no atendimento, foram os responsáveis por internar e cuidar de uma grande parcela de pessoas infectadas. Tivemos uma atuação muito importante em pesquisas e em ajudar a tomada de decisão. Fomos muito estratégicos. 

Falhamos em não viver uma conduta preventiva na Universidade. Precisaríamos incentivar um cuidado diferenciado sobre o outro e pensar em alternativas para que alunos infectados, por quaisquer doenças transmissíveis, não percam as aulas. Para que eles continuem aprendendo, mas evitem transmitir doenças.

É muito mais fácil você mobilizar todo mundo diante de uma crise se você está o tempo todo preparando seus alunos para isso. O problema é que não estamos fazendo isso dentro da USP. 

JC: A pandemia de covid-19 alterou a resposta de líderes globais diante de novas crises sanitárias? Como o Brasil está se preparando?

Lorena: Os governos estão fazendo planos de emergência. Estão procurando formar equipes multissetoriais, unindo a economia e a agricultura, por exemplo. Para estarmos melhor preparados para o futuro, precisamos ter diálogos em conjunto com várias áreas, que estão mais cientes hoje dessa necessidade de estar conversando.

No caso da USP, deveríamos pensar em qual será o nosso plano como Universidade para a próxima emergência. Precisaríamos estar discutindo isso agora.

O que acontece em um momento de emergência? O que se pode fazer presencialmente? O que se pode fazer de forma híbrida? Isso não está claro. Quais são as áreas da universidade que são áreas de linha de frente? Quais não são?

JC: Um relatório das Nações Unidas, elaborado em 2021, pontuou que, no cenário pós-pandêmico, haveria um aumento de 10% no número de pessoas que precisariam de assistência social. Como a pandemia acentuou as desigualdades sociais que já existiam?

Lorena: Em países desenvolvidos, nós vemos que houve uma mudança radical pós-pandemia para o trabalho híbrido. Ele se tornou muito mais frequente para uma certa classe de trabalhadores. 

Mas o que precisamos lembrar é que, no caso de países como o Brasil, a parcela da população que faz esse tipo de trabalho e que pode ter esse tipo de conduta é uma muito minoritária na nossa sociedade. 

Esse legado preocupa porque, à medida que a sociedade entrou desigual e saiu mais desigual. Isso significa que há um consenso mais frágil de como enfrentar a próxima.

Biografia:

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a covid-19 como pandemia. No dia seguinte, morreu a primeira pessoa vítima da doença no Brasil. Foi nesse contexto que a mexicana Lorena Guadalupe Barberia, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), começou a coordenar a Rede de Pesquisa Solidária, uma iniciativa com mais de 100 pesquisadores preocupados em analisar as políticas públicas feitas em resposta às crises desencadeadas pela pandemia. 

Lorena é pesquisadora do Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais (NECI) da USP e do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público (CEPESP) da Fundação Getúlio Vargas, ela concluiu a graduação em economia e espanhol pela Universidade da Califórnia, tornou-se mestra em Políticas Públicas pela Escola de Governança John F. Kennedy da Universidade de Harvard e titulou-se doutora pela Fundação Getúlio Vargas em Administração Pública e Governo.

*Com edição de Jean Silva