Iniciativa propõe estágio prévio ao contato do estudante com ratos reais, visando menor estresse e número de cobaias

Por Diego Coppio e Natalia Tiemi*
Futuros veterinários aprendem desde cedo em sala de aula a realizar testes em animais de laboratório, como a coleta e injeção de substâncias em roedores, principalmente. A falta de prática, no entanto, pode comprometer os resultados dos testes: equívocos na hora de segurar o animal ou aplicar uma injeção, por exemplo, podem aumentar os níveis de estresse nos animais e impactar o aprendizado dos estudantes. Na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (FMVZ-USP), pesquisadores do biotério do Departamento de Patologia desenvolveram modelos de roedores de couro e simulações de caudas de ratos para preparar os discentes antes do contato com o ser vivo, evitando danos desnecessários e alterações nos resultados.
“A intenção é chegar mais preparado para realizar uma pesquisa de melhor qualidade, gerando bem-estar para os animais e também para o próprio pesquisador”, explica Dennis Zanatto, técnico de laboratório no biotério, sobre os modelos. Seu interesse pelo tema vem de longe: em entrevista ao JC em 2017, o profissional, então pós-graduando na FMVZ, estava no início de sua pesquisa para diminuir o uso de ratos nas aulas de veterinária por meio de vídeos sobre como realizar os testes nos animais. O projeto se expandiu, ganhou um site com os clipes explicativos e levou à produção dos modelos de simulação patenteados, no último ano.
3RS
As medidas fazem parte de uma tendência internacional quanto ao uso de animais em laboratórios, os 3Rs, do original em inglês para refinar, reduzir e substituir. Segundo Claudia Mori, professora do Departamento de Patologia da FMVZ, o uso de modelos artificiais em uma fase prévia permite um procedimento mais refinado, no qual o pesquisador pode conseguir resultados mais confiáveis com um número reduzido de cobaias.
A professora ainda chamou a atenção para um “quarto R”: a reprodutibilidade. “Quando a metodologia utilizada no experimento não foi bem descrita, muitas vezes outros pesquisadores não conseguem reproduzir”. Essa foi uma preocupação dos pesquisadores ao não colocar restrições nas patentes dos modelos. “É como se fosse uma publicação que as pessoas podem consultar e replicar”, conta Mori.
Outra função da patente, segundo os pesquisadores, está no fomento ao interesse de empresas na ideia para que modelos comerciais possam ser desenvolvidos. Dennis Zanatto explica que o trabalho só é alavancado quando há apoio financeiro. “Essa divulgação é primordial para que a gente tenha relevância”.
Como os modelos funcionam?
A cauda de rato feita de silicone tem um tubo com formato de U com sangue artificial e possibilita a prática da coleta e administração de substâncias. Já o modelo de couro simula todo o corpo do roedor para realizar o treinamento de processos de contenção, posicionamento e injeção intraperitoneal, aplicada na região do abdômen inferior. Os procedimentos são “complexos”, segundo Dennis, que diz não existir opção brasileira além da produzida pelos pesquisadores e as versões importadas são caras para a compra em massa.
Vale lembrar que o uso dos modelos não substitui por completo os animais, mas estabelece uma etapa introdutória no manejo com seres vivos. “É muito difícil mimetizar o organismo e todas as interações que nele ocorrem”, conta a estudante de veterinária na FMVZ, Manoella Bertolo Silva. “Mas essa iniciativa contribui para tornar o processo mais ético e mais seguro tanto para os alunos quanto para os animais”, complementa.
Para Maria Lara Nicolas, também aluna de veterinária, os modelos de fato tornaram a prática com animais mais segura. “Além de deixar o aprendizado mais efetivo, o uso dos modelos reduz o estresse nos animais e dá ao aluno a chance de treinar, errar e corrigir antes de partir para a prática real.”
*Com edição de Sophia Vieira