Violência em São Paulo traz insegurança dentro e nos arredores da USP

No campus do Butantã há registro de menos infrações na pandemia, mas casos voltaram a aumentar com o fim do isolamento

Guilherme Ribeiro/Jornal do Campus

Por Bruna Correia, Filipe Moraes e Jean Silva*

“Foram chutes e socos com soco-inglês. Eu não sabia que podia ficar com galos por tanto tempo. Fiquei por uns três meses”, relata Douglas Renato, recém-graduado em Letras na FFLCH, que reagiu a um assalto na Vila Indiana ao voltar do trabalho. Situações de violência no entorno da USP são comumente relatadas em grupos de Whatsapp, com até mesmo invasão a casas. Douglas conta que o estresse pós-trauma do assalto permaneceu durantes meses após a violência, mantendo precauções extremas e um comportamento – em suas palavras –  “paranóico”, além de todo o sofrimento causado pela perda de diversos itens de alto valor sentimental e comercial. 

Esse caso ilustra um panorama de como a insegurança nos arredores dos campi vem violentando a comunidade universitária. A violência na cidade de São Paulo cresce anualmente. e na USP, também. Dados mostram que dentro do campus os índices de violência – assalto a mão armada, furto, violência de gênero, agressões – voltaram a aumentar para os níveis pré-pandêmicos.

Para Renato Alves, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), os problemas com violência urbana da cidade não poupam a USP. Embora o campus tenha características próprias, ele está inserido na malha urbana da capital e, por isso, compartilha dos mesmos desafios enfrentados em outras regiões da cidade. Ele reforça que a USP está totalmente inserida na dinâmica urbana.

 “A USP é parte da cidade. É um espaço de circulação. Muita gente corta caminho por aqui para evitar o trânsito da Marginal, por exemplo. Mesmo que a gente esteja falando de coisas diferentes, como a violência urbana, em geral, existe uma incidência maior em locais de grande circulação de pessoas”, diz. “Onde há escolas, faculdades, você geralmente encontra mais casos de furto ou roubo. E isso também vale para os campi — a USP não está isenta disso.”

Segundo o pesquisador, é importante distinguir os episódios que ocorrem dentro do campus daqueles que acontecem nos arredores. “Uma coisa é um crime que ocorre dentro da universidade, outra é algo que acontece fora, mas que ainda assim afeta a comunidade universitária”. Para ele, não é possível criar uma fronteira nítida entre o que acontece “na USP” e o que acontece “na cidade”. “Não dá para separar o campus da cidade de maneira nenhuma. Estamos inseridos nesse contexto urbano, e os problemas da cidade, de alguma forma, também nos afetam”.

O JC apurou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), que as unidades da EACH e da SanFran somaram menos de 20 ocorrências, sem nenhum registro de assédio sexual ou violência de gênero.

Para o sociólogo Marcos César Alvarez, professor Livre Docente no Departamento de Sociologia da USP e coordenador do NEV-USP, esses números devem ser avaliados com cautela. “Na área da segurança, os dados sempre precisam ser avaliados de forma crítica, considerando-se como foi feita a apuração, a questão da subnotificação, os períodos de comparação e muitas outras questões”, afirma.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que as forças de segurança seguem atuando de forma integrada para reforçar a proteção da população e reduzir índices criminais. Segundo a SSP, o trabalho conjunto das polícias Civil e Militar contribuiu para uma redução de 13,35% nos roubos em geral no primeiro trimestre de 2025. No período, mais de 12 mil infratores foram detidos.

A Polícia Militar realiza operações contínuas nos arredores da USP, com patrulhamento estratégico em áreas de maior incidência de delitos, pontos fixos de viaturas e abordagens, especialmente de motociclistas. A secretaria destacou ainda a parceria com a Guarda Universitária, que aciona a polícia em situações emergenciais, e o Programa Vizinhança Solidária, que busca aproximar as forças de segurança da comunidade universitária. Apesar dessas reduções alegadas, o problema continua sendo estrutural. 

“Se as pessoas tivessem condições mais dignas, já ajudaria a amenizar essas coisas. Se não tivéssemos uma cultura de mercado que visa mercadoria como uma cultura de ser, que você para ser precisa ter coisas. Como todo ser humano você quer ser alguém no mundo. Você entra, sem generalizar, e pega essas coisas do modo que as opções de escolha permitem”, conta Douglas. Mesmo assim, o beletrista ressalta a necessidade das ações alegadas pela USP e pelas polícias, mas essas são pouco percebidas na prática pelos estudantes entrevistados com os relatos completos em Podcast.

 “A expansão das dinâmicas de mercado, e com elas o individualismo, levariam à dissociação dos valores tradicionais e poderiam estimular novas formas de desagregação social e violência. O problema deste tipo de visão é que pode levar a concepções punitivistas, supostas alternativas à ‘desordem social’”, aponta o sociólogo.

Por outro lado, Alvarez acredita que a desigualdade é um caminho mais promissor para entender as raízes da violência no Brasil, já que o sistema de justiça pode acabar reproduzindo essas desigualdades, dificultando o acesso e sendo seletivo. “É por aí que devemos pensar soluções mais eficazes para enfrentar a violência em sociedades como a brasileira”.

*Com edição de Tatiana Couto e Yasmin Teixeira