Sebos atraem por obras raras e acessíveis

Quem já almoçou no bandejão central durante a semana certamente se deparou com um armário de metal à entrada do restaurante e repleto de livros. As obras são dos mais variados gêneros: de O Diário de Bridget Jones em espanhol a dicionários de dinamarquês-francês e tcheco-iugoslavo, passando por acadêmicos, alguns infantis e romances famosos como O Caçador de Pipas. Por R$0,05 a página – tabela estabelecida como uma tentativa de combate à fotocópia – as pessoas podem levar qualquer um deles para casa.

Estudante compra livros aqui para levar à Angola (foto: Jéssika Morandi)
Estudante compra livros aqui para levar à Angola (foto: Jéssika Morandi)

O dono é Raul Amaro Piegas, que está com o sebo na USP há 25 anos. No início, ele ficava instalado em uma ambulância velha estacionada na frente da Reitoria, a “ambooklance”. A ideia é disseminar a cultura letrada de forma livre e democrática: “Estamos passando por um período de exceção, em que a Universidade perdeu o seu caráter de universidade. Catracas são instaladas e, aos poucos, o espaço público vem se tornando privado. Isso aqui é um espaço livre de Cultura”, explica Raul, que também empresta, doa e troca obras literárias.

O angolano Inocêncio Zimba, aluno da pós-graduação do IME, está há seis meses no Brasil e já adquiriu 60 obras literárias, entre novas e usadas. A aquisição de livros leva-o a gastar até R$400 por mês. Duas malas de 30kg cada, repletas de livros, serão sua bagagem na visita à Angola no próximo mês. O presente é para seu irmão, Osvaldo Zimba, que entrou na faculdade este ano em seu país. “Na Angola dependemos muito da importação de livros, então lá é bastante difícil ter acesso a eles. Aqui tem para todo mundo”, conta Inocêncio, que pensa em trazer o irmão também para estudar no Brasil.

Se depender de “Seu Raul”, o sebo continuará atraindo amantes da literatura de todo o tipo e estará lá na hora do almoço, de segunda a sexta-feira, acompanhando a movimentação no bandejão central. Questionado sobre sua profissão, já que o sebo não garante seu sustento, ele diz: “Sou meu próprio médico, meu mecânico, meu psicólogo…”.

Por entre as Letras

Renato Rodrigues administra há oito anos o sebo que fica entre os prédios das faculdades de Letras e Ciências Sociais, fruto da iniciativa de três alunos da USP na década de 80. Eles começaram a expor seus próprios livros para os demais estudantes e, hoje, os dois ex-alunos e o pós-graduando da USP contam com a ajuda de Renato para atender ao público, de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 20h30. Professores, alunos e funcionários frequentam o local, considerado uma alternativa para encontrar tanto obras raras quanto comuns por um preço mais acessível, que fica entre R$5 e R$30, dependendo do livro.

Renato trabalha no sebo e estuda para vestibular (foto: Jéssika Morandi)
Renato trabalha no sebo e estuda para vestibular (foto: Jéssika Morandi)

“Os professores aqui cobram um nível maior de leitura, saber uma língua estrangeira. Eles são frequentadores assíduos e, às vezes, eles mesmos indicam o sebo para os alunos na hora de adquirir um livro que será usado nas aulas”, diz Renato sobre o movimento do local. Mário Rafael Fukue, aluno do 1º ano de Letras, recorreu a Renato na procura do livro Introdução à Linguística, utilizado em seu curso. “Sempre passo por aqui para ver se tem os livros que preciso. Neste caso, como não pretendo ir para a área de lingüística, não vale tanto a pena para mim comprar um novo”, afirma. O sebo contava com alguns exemplares da obra no começo do semestre, mas todos foram vendidos rapidamente.

Além de ganhar 20% de comissão, Renato também tem seu espaço de exposição no sebo. Ele adquiriu recentemente 300 livros que pertenciam a Luiz Baggio Neto, editor, tradutor e ex-aluno de Letras da USP – falecido em novembro do ano passado –, que construiu uma ampla biblioteca pessoal especializada em Letras e línguas. A maioria dos volumes já foi vendida. O professor de Letras Marcus Mazzari, que levou as obras a Renato – junto com o também docente Murilo Marcondes de Moura –, aproveitou a ocasião para doar alguns de seus livros ao sebo.

A paixão pela literatura despertou em Renato a vontade de cursar Letras na USP. Ele chegou à 2ª fase no vestibular de 2012 e pretende revezar o trabalho no sebo com outro funcionário no próximo semestre para poder se dedicar mais aos estudos.