Mesmo com pressão, Conselho Universitário (CO) não inclui o tema em sua pauta. Discussão não deliberativa sobre o assunto será realizada pela Reitoria
A Congregação da Faculdade de Direito da USP (FD) aprovou por aclamação, no dia 31 de maio, uma indicação ao Conselho Universitário (CO) de que sejam adotadas cotas étnico-raciais no processo de seleção para a entrada de novos estudantes na universidade.
“Com a declaração da Congregação, pela primeira vez na USP uma unidade em que há grande nível de exclusão racial no ingresso se manifesta por meio de seu órgão máximo no sentido da necessidade de uma política específica para inclusão deste segmento da população”, alega Marcos Orione, professor do curso. Segundo ele, a exclusão racial se dá de uma maneira ainda mais intensa em unidades cujo ingresso é marcado por uma maior disputa – como é o caso da FD.
Apesar de ser uma instituição tradicional – e vista por muitos como conservadora, de acordo com o próprio Orione – a São Francisco já se organizava ao redor do tema havia certo tempo. Ao final de 2007, diversos movimentos sociais ocuparam a faculdade, como parte da Jornada Nacional em Defesa da Educação Pública. O atual reitor da USP, João Grandino Rodas, à época diretor da unidade, convocou a força policial para retirar esses grupos de dentro da FD, gerando uma tensão sobre o assunto dentro da comunidade acadêmica da São Francisco. “A tensão foi resolvida com muita diligência pelo Rodas, que descerrou um quadro em homenagem a Luis Gama (causídico negro, que foi muito maltratado em sua época pela Faculdade) e constituiu a Comissão de Inclusão Social, em fevereiro de 2008”, comenta Marcos Orione.
Ao iniciar seus trabalhos, a Comissão optou por dar vazão justamente ao recorte racial da exclusão sócio-econômica, uma vez que entendia ser esse o principal mal que atingia a USP naquele momento. A partir de então, a comissão passou a se envolver com os temas referentes a esse assunto e, ao final daquele ano, produziu um relatório expondo suas atividades e pedindo que a Congregação da unidade emitisse um parecer favorável às cotas raciais para os órgãos responsáveis na universidade. O assunto foi esquecido, mas com a decisão recente do STF sobre a legalidade das cotas, o debate novamente foi instaurado na FD.
Posição dos estudantes
Em assembleia na FD, realizada pelo Centro Acadêmico XI de Agosto no dia 11 de junho, os estudantes deliberaram serem favoráveis às cotas raciais, com uma votação de 110 a favor e 7 contrários. A assembleia foi precedida por um debate. ”O debate, na minha visão, foi essencial (…) Acho imprescindível que tenhamos tido palestrantes contra e a favor de cotas, pois assim, quem não tem opinião formada pode se decidir; quem a tem, pode, quem sabe, mudar de lado”, alega Renan Perlati, diretor do XI de Agosto.
Apesar de o número de votos favoráveis ter sido muito superior ao de votos contra, a Representante Discente (R.D.) Mariana Teresa Galvão avalia que os estudantes revelaram-se mais conservadores que os professores da Congregação. “Muitos fizeram falas contra as cotas na assembleia, o que não aconteceu na reunião da Congregação”, comenta. Para ela, a adoção das cotas é importante porque, ao mudar o perfil de ingresso na USP, faria com que a universidade repensasse seu próprio currículo. “Ninguém na faculdade pesquisa direitos indígenas, por exemplo, e nós estamos no Brasil. Quando você insere essa população na faculdade, ela vai passar a lutar pelos seus direitos, você dá instrumentos para que ela se organize”.
Agora, os alunos pretendem se movimentar para que outras unidades apoiem as cotas raciais. “Queremos que isso seja aprovado em outras Congregações, o que deve passar também por um trabalho com os alunos”, declara Pedro Martinez, R.D. da São Francisco.
Recentemente, foi criada a Frente Pró-Cotas Raciais na USP, versão uspiana da Frente Pró-Cotas Raciais de SP. “Ela é composta, além do Núcleo de Consciência Negra, pelo DCE e diversos centros acadêmicos, forças políticas e coletivos de estudantes, que vão fazer a luta a nível local”, conta Leandro Salvático, membro do Núcleo de Consciência Negra e R.D. da CO.
A discussão das cotas já está repercutindo no Instituto de Química (IQ). A ideia de que a questão se tornasse pauta do Café ComCiência – reunião em que diferentes lados debatem um assunto do cotidiano – partiu do Centro de Estudos Químicos Heinrich Rheinbold (CEQHR). Na avaliação de Marcela Espósito Baena, membro do CEQHR, o debate foi muito qualificado. “Ainda não sabemos o que faremos com essa pauta, mas é fato que o assunto precisa ser discutido e nossa universidade precisa tomar uma decisão quanto a isso. Nosso objetivo com esta atividade é criar dentro do instituto o hábito de discutir assuntos que não sejam apenas os ligados à ciência, mas que ainda sim estejam ligados ao nosso cotidiano”, declara.
Próximos passos
Depois da aprovação na Congregação da faculdade, o próximo passo é o assunto ser debatido no Conselho Universitário (CO), instância máxima deliberativa na USP. “Acho importantíssimo que agora, as entidades que se manifestaram favoráveis às cotas raciais pressionem os órgãos decisórios da USP para que esse apoio passe do plano de ideias para a prática”, complementa Renan.
Há algumas semanas, a Frente Pró-Cotas Raciais de SP protocolou um ofício solicitando a inclusão deste tópico na pauta da próxima reunião da CO, que será realizada no dia 20 de junho. “Não tivemos resposta até o momento”, afirma Leandro Salvático.
Apesar do indicativo da Congregação da FD e dos esforços da Frente, o assunto não foi inserido na pauta da reunião.”O que está previsto é uma sessão temática sobre esse assunto, para o dia 26 de Junho”, alega Adriana Cruz, assessora de imprensa da Reitoria. Ainda de acordo com a assessoria de imprensa, sessões temáticas são espaços não deliberativos que visam discutir temas de relevância para a universidade. Essa sessão que se realizará no dia 26 abrangerá as atuais estruturas de poder da USP e vai elaborar propostas para serem encaminhadas ao CO futuramente.