A greve vista por vizinhos e prestadores de serviço

As mobilizações de funcionários, professores e alunos mexem com o cotidiano de quem mora ao redor da USP ou ganha a vida no campus

Ivonete Soares, Maria Aparecida Alves e Francisco José Espínola Neto (Fotos: Bruna Nobrega)

Bruna Nobrega

“Os feriados estão no nosso calendário, então é algo que a gente aprendeu, com o tempo, a controlar, mas a greve é imprevisível.” Foi assim que Ivonete Soares descreveu a forma como tenta lidar com a greve dentro da USP. Há vinte e sete anos, ela é dona dos restaurantes Soares & Soares, que ficam no CEPE e no departamento de História, mas está prestes a deixar de vez o campus.

“Quando tem greve a universidade esvazia. O faturamento é zero e com a crise fica ainda mais complicado, porque você continua pagando aluguel e funcionários do mesmo jeito, mas com quase nada de movimento”, explica. Como o valor do aluguel é inalterável – “a direção da faculdade até entende nossa dificuldade, mas a reitoria não aceita abaixar o valor” -, a redução de gastos vai para a folha de pagamentos. A proprietária tem funcionários cujos contratos seriam renovados em 15 de julho, mas isso não ocorrerá. “Em 2016, inclusive, precisei dispensar muita gente”, conta.

Os alunos compõem quase 99% do público-alvo do restaurante, segundo Ivonete. O que deixa as coisas ainda mais delicadas é que, por contrato, os restaurantes têm que ficar abertos de domingo a domingo – mesmo quando o campus esteja vazio. “Se chegar um cliente e o restaurante estiver fechado, ele pode me denunciar e eu corro risco judicial por ter descumprido minha parte.”

No campo alimentício, as coisas são um pouco mais tranquilas para Maria Aparecida Alves. Junto com Arnaldo e Alex, marido e filho, ela divide o comando do Big Dog, antigo carrinho e atual container de lanches que fica estacionado perto da Biblioteca Brasiliana. Por não estar dentro de alguma faculdade ou departamento, o restaurante pode contar com clientes que vêm de fora da USP.

“Quando cai o movimento aqui dentro, vem mais gente de fora, daí uma coisa compensa a outra”, explica Dona Cida. Mas ela também sente quando a universidade está esvaziada em período letivo. “A gente vende menos, mas vende. Em todos esses anos, eu nunca vim trabalhar e falei ‘hoje não valeu a pena financeiramente’.”

Mas os vendedores de comida não são os únicos no ambiente universitário. Francisco José Espínola Neto é motorista de ônibus na zona Oeste há vinte anos e sempre estaciona no pátio do campus, perto da Portaria 2. Atualmente, ele dirige a linha 7411, circular entre a Cidade Universitária e a Praça da Sé e, por isso, está na Universidade quase todos os dias.

“Essa linha começa a pegar alunos a partir da Avenida Paulista, mais ou menos. Mas ela sempre anda mais vazia do que cheia”, explica Neto. Durante os períodos de greve, então, o movimento cai quase pela metade, segundo o motorista. “Já até pensaram em cortá-la por causa da quantidade de passageiros, mas não conseguem porque ela atende a Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco.”

Apesar do movimento baixo, a mobilização do campus que mais afeta o motorista são os “trancaços”. “Quando eles fecham a entrada da USP, a gente tem que improvisar. Às vezes, o pessoal acaba desembarcando na porta, mas a gente também tem autorização para mudar o caminho, caso as outras portarias estejam abertas.”

Quando apenas a Portaria 1 está fechada, o motorista conta que pode escolher dois desvios: pela Marginal para o P2, ou pela Avenida Corifeu de Azevedo Marques, para entrar pelo Portão 3. “O próprio sistema do ônibus já manda o sinal que está fechado, então você mesmo define o caminho”, explica.

Os seguranças que trabalham nas três portarias da universidade também têm contato direto com os trancaços, apesar de não poderem fazer muita coisa quando isso acontece. “O nosso único trabalho nesses casos é não deixar o ambiente ser depredado. Fora isso, a gente fica afastado”, explica Manoel Lima, que trabalha há três anos no P1.

Acompanhando de perto, ele entende a mobilização das pessoas, mas é cético: “normalmente não dá em nada”. Assim como Manoel, Dona Cida, do Big Dog, reconhece as reivindicações. “Acho que quem está fazendo a greve tá vendo o melhor pra eles. Pra mim só afeta nesse sentido de menos clientes, mas já passei por tantas que acabei me acostumando”, explica.

Ivonete, do Soares & Soares, tem uma perspectiva um pouco diferente sobre o assunto. “Eu acho que a reivindicação é justa, mas existem outras formas. Fazer greve pro campus ficar vazio? O pessoal tinha que estar aqui brigando, lutando, entende?”. Ivonete é taxativa: “Eu acredito numa greve em que as pessoas venham e participem. Eu seria a primeira a participar, inclusive. O que acontece, pra mim, é a tal greve de pijama, porque ninguém vem.”