Especialistas da Universidade defendem regulamentação e fiscalização de consumo e venda de bebidas alcóolicas no campus
Toda sexta-feira, as festas adentram a madrugada na Cidade Universitária, regadas a muitas doses destiladas e latas de cerveja. Mas uma nova lei, sancionada pelo governador José Serra em maio, pode mudar a situação. Se as universidades estaduais forem incluídas na lei, o que ainda está em estudo, a Coordenadoria do Campus (antiga Prefeitura) afirma que seguirá a legislação.
De acordo com pesquisas realizadas em 2001 por Vladimir de Andrade Stempliuk, doutor pela Faculdade de Medicina (FMUSP), 91,9% dos estudantes da USP já haviam consumido álcool na vida, e 82,3% nos últimos 12 meses. Para atualizar os dados, a mestranda Gabriela Arantes Wagner, também da FMUSP, está desenvolvendo uma nova pesquisa sobre o consumo de álcool e drogas na Universidade.
Gabriela acredita que o universitário da USP não destoa do padrão nacional de experimentação de bebidas alcoólicas. Dados do “I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira”, divulgados em 2007 pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), apontam que o jovem brasileiro, em geral, inicia o consumo experimental aos 14,6 anos, e o regular, aos 15, 9 – portanto, antes de ingressarem na universidade. Por isso, Gabriela defende que a proibição da venda de álcool no campus não reprime a fase de experimentação, comum ao desenvolvimento juvenil.
O psiquiatra José Luiz Pacheco, do Hospital Universitário, concorda com Gabriela. Ele acrescenta ainda que “na universidade existem elementos que facilitam o acesso a bebidas alcoólicas, como a liberdade conquistada com a chegada à maioridade”. Outro problema que agrava o consumo entre os universitários, segundo Pacheco, é que “ocorreu uma banalização do álcool como fator de socialização”.
Assim, a cultura alcoólica atual se pauta, em parte, pela falta de bom senso. É o que acrescenta o psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, também da FMUSP e coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea). “Os nomes de algumas festas e o sistema open bar já sugerem que o jovem deve beber em excesso para aproveitar o momento”, afirma ele, que, no entanto, não condena o consumo moderado de álcool em festas. Para ele, o estudante deve “saber distinguir o local e o momento”. O inadequado é “consumi-lo repetidamente durante o período de aulas”.
Tanto Andrade como Pacheco concordam que, mais que regulamentar ou proibir a venda de álcool no campus, é necessária uma campanha de conscientização. Andrade defende a realização de debates para que a comunidade universitária se manifeste”. Já Pacheco sugere sistemas de prevenção, como as campanhas sobre os malefícios do cigarro.
Apesar de não eliminar a pressão social que estimula o jovem a beber, Gabriela Wagner acredita que, ao aderir à lei, a Universidade está “fazendo seu papel na educação e prevenção de comportamentos de risco entre seus alunos”. Ela também defende que a restrição no campus pode auxiliar na prevenção de dependência e comportamentos de risco relacionados ao consumo de álcool – entre eles, envolvimento em brigas e sexo desprotegido, conforme enumera Arthur de Andrade, orientador de Gabriela.
Segundo Pacheco, depois de festas realizadas dentro do campus, o Hospital Universitário recebe um número maior de estudantes em emergências relacionadas ao consumo excessivo de álcool, como vítimas acidentes de trânsito e brigas.
Festas na USP
Desde o ano passado, as diretorias da Faculdade de Administração, Economia e Ciências Contábeis (FEA) e a Escola Politécnica (Poli) proibiram a realização de festas nas unidades.
“Festas são eventos complexos, do ponto de vista social”, opina o professor Carlos Azzoni, diretor da FEA e sucessor da gestão que proibiu as festas. “Há várias dimensões para preocupação, entre elas a segurança dos participantes, um item crítico, dada a configuração do campus, principalmente à noite”. Segundo ele, no ano passado, “havia problemas de depredação e furtos nos dias seguintes às festas”.
Já o professor Ivan Sandoval Falleiros, diretor da Poli, explica que as dependências da faculdade foram projetadas para ensino e pesquisa. “Não há condições de atender serviços e públicos típicos de festas”. Ele relata que “em dias de festas houve acidentes e danos a propriedades da Poli, embora em número pequeno em relação ao perigo potencial”. Para Falleiros, o consumo de álcool diminui o nível de sentimento de responsabilidade.
Depois da proibição, as festas da Poli passaram a acontecer no Velódromo do Cepeusp. Em novembro de 2008, no “Fórum Permanente Sobre Espaço Público: A USP e a especificidade de seus campi”, foi discutida e apresentada em relatório a construção de um espaço destinado à realização de festas e eventos, com capacidade para mil a duas mil pessoas. A diretora de Relações Institucionais da Coordenadoria do Campus, Cristina Guarnieri, explica que, agora, o projeto tem que passar pelo Conselho Gestor da Universidade.