Mais de 50 novos parlamentares passam a decidir o orçamento das três universidades estaduais

Por Caio Mattos
Nestas eleições, em que foram eleitos os 94 deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), houve semelhança com a situação federal: ascensão de conservadores nos costumes e de liberais econômicos. A presença majoritária do PSL na Alesp, com 15 parlamentares, aumenta o receio nas universidades estaduais.
No que se refere aos recursos recebidos pelas três universidades públicas paulistas, a função da Alesp é propor emendas ao orçamento na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual. Ambas são de iniciativa do Executivo, mas devem ser aprovadas pelo Legislativo.
Ano passado, relembra Denise Ribeiro, jornalista da CBN com experiência em cobertura na Alesp, tornou-se obrigatória a execução das emendas parlamentares aprovadas pelo Legislativo. Essa obrigatoriedade torna mais efetiva a participação dos deputados na destinação dos recursos às universidades.
O cientista político Cicero Araujo resume: “o governo estadual apenas transfere os recursos, e os órgãos das universidades, principalmente os Conselhos Universitários e as Reitorias, repartem-nos entre si e decidem seu uso”. Araujo ressalta que, por ser constitucional, a autonomia universitária só é restringida se ferir a Constituição.
Déficit das universidades
A situação de déficit que as universidades enfrentam está muito relacionada às despesas com folha de pagamento. Na USP, os dados deste ano apontam que elas consomem mais de 90% dos recursos.
Dois deputados estaduais eleitos têm propostas diferentes para o problema de caixa. Carlos Giannazi (PSOL) defende o reajuste da quota-parte do ICMS para até 11%; Daniel José (NOVO) propõe auditoria para fiscalizar a gestão.
Sobre a folha de pagamento, Giannazi alerta que a insuficiência financeira decorrente das aposentadorias têm sido custeada com a quota-parte de 9,57% do ICMS, contrariando a lei complementar 1010/2007. O Estado de São Paulo deve ser responsável pelo pagamento das aposentadorias, e não as universidades.
Para o deputado Daniel José, um problema importante é a “estabilidade ampla e irrestrita do funcionalismo público”. Ele a compara com o sistema americano de tenure, no qual, descreve, o docente precisa provar merecimento para adquirir estabilidade.
Enquanto o deputado do PSOL não especifica a fonte de recursos estaduais para pagamento das aposentadorias, o representante do NOVO critica a estabilidade do funcionário sem citar o estágio probatório de três anos obrigatório para efetivação em todas as universidades públicas paulistas.
O cientista político Cicero Araujo, professor titular da FFLCH, traz para o debate a questão da baixa representatividade de funcionários e docentes não-titulares nos órgãos universitários deliberativos, responsáveis pela destinação dos gastos.
“Se agravar a situação financeira, haverá pressão de dentro dos órgãos universitários a favor da cobrança e, ao mesmo tempo, resistência”, tornando a questão mais complexa, complementa Araujo.

Cobrança de mensalidade
O deputado Daniel José apresenta um plano que, acredita, tem “muito a se debater”. Ele pretende propor a cobrança de mensalidade progressiva de alunos cuja família tenha renda per capita de, pelo menos, R$ 1.500. À princípio, o fator econômico seria o único critério.
Com isso, o deputado eleito acredita arrecadar, pelo menos, R$ 700 mi, valor pequeno diante do orçamento bilionário das universidades estaduais paulistas. Em 2016, no orçamento da USP, isso teria coberto FFLCH, Poli e a Faculdade de Medicina de Riberão Preto juntas, mas apenas isso. O destino dos recursos seria principalmente a educação de base, faixa educacional pela qual mais se interessa o deputado do NOVO.
O cientista político Cicero Araujo vê como inviável a promulgação de uma lei sobre cobrança de mensalidade incentivada apenas pelo Legislativo. Trata-se de matéria de competência exclusiva do Executivo, que dita sobre a arrecadação do governo. Deputados podem realocar recursos do orçamento, “admitidos apenas os provenientes de anulação de (outra) despesa”, segundo as Constituições Estadual e Federal.
“Eles podem até apresentar proposta de mensalidade, mas a gente entra com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade”, antecipa Giannazi, que garante postura “resistente” diante de uma legislatura “muito pior”.
Perspectivas políticas
Historicamente, o governador tem facilidade de formar e controlar a maioria na Alesp. Denise Ribeiro, jornalista da CBN, concorda com o fato do Legislativo ter sido “muito pautado pelo Palácio dos Bandeirantes” nos últimos anos, mas acredita que a força do executivo deve diminuir.
Giannazi, que começará seu quarto mandato na Alesp, ainda vislumbra o predomínio do fisiologismo, pois o governador sempre poderá compor maioria se lotear cargos e, no próximo mandato, entrar em acordo com o PSL.
Para combatê-los, Giannazi tentará montar uma oposição de até 20 deputados, aliando principalmente seu partido a PT, PCdoB e REDE.
O deputado e o cientista político concordam que um eventual mandato de Doria seria nocivo às universidades estaduais. Seu plano de governo nem cita “universidade”, lembra a jornalista Denise Ribeiro.
Um governo França, obsessivo pela Univesp, aparenta representar a manutenção do cenário de progresso gradual das parcerias público-privadas e de inocuidade no resto.
No centro da inércia prevista, independentemente do governador, estarão o Hospital Universitário, os museus e os “serviços de extensão”. Permanecerão ignorados se relegados à competência exclusiva das universidades estaduais paulistas, mesmo envolvendo saúde e cultura. Nesse sentido, a autonomia universitária lhes parece interessante.
Pauta absurda entre seriedades
Como prevê o oficial anteprojeto de lei estadual, as diretrizes do Escola Sem Partido se aplicam também às universidades, “respeitada a autonomia”, e aos vestibulares. Assim, o ensino superior está incluso na lei, como consta no site oficial, “contra o abuso da liberdade de ensinar”.
Giannazi e Daniel se mostram críticos do projeto em graus diferentes. Enquanto o primeiro é total opositor, o segundo acredita “não ser uma forma boa de resolver um problema existente”. Fiscalizar a educação como previsto nos anteprojetos seria prejudicial, acredita o deputado eleito pelo NOVO. Ele complementa que “deveria-se debater mais sobre política” a fim de conscientizar.
O teor intelectual da autonomia universitária é o mais tradicional, aponta Araujo. É preciso que fira a Constituição para ser limitada por lei. Se o faz, é por permitir que a preferência ideológica do docente resulte em “doutrinação”. Entretanto, impor uma apresentação didática das “principais versões a respeito da matéria” também implica preferência ideológica, algo muito mais visível em cursos de humanas.
Esta reportagem foi publicada originalmente com o título “Enquanto isso, na Assembleia Legislativa…”
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