Em meio a avanço conservador, cresce não apenas a bancada feminina, mas a feminista
Por Amanda Péchy
Beatriz Sanchez é doutoranda e mestra em Ciência Política e graduada em Relações Internacionais pela USP. É pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política da USP e do Núcleo Democracia e Ação Coletiva do CEBRAP. Se especializa em estudos feministas, representação política e movimentos sociais.
O que o aumento da bancada feminina pode significar para o Brasil?
Passamos de 9% de mulheres na Câmara dos Deputados para 15%. Esse crescimento, ainda que pequeno, representa um avanço importante para a conquista da igualdade de gênero na política. Hoje , mulheres representam 52% do eleitorado, mostrando o quanto ainda somos sub-representadas. O aumento teve relação com a regra que definiu que 30% do fundo eleitoral fosse destinada às candidaturas femininas. As mulheres ainda recebem muito menos dinheiro que os homens para suas campanhas.
Como pode se explicar esse avanço em um cenário de conservadorismo?
Se compararmos com 2014, o PSL, de Bolsonaro, teve um crescimento exponencial. Mesmo sendo um partido conservador, elegeu muitas mulheres. Na Assembléia Legislativa, Janaína Pascoal foi a deputada mais votada na história. Assim, a representação política feminina precisa ser olhada por dois lados. É importante que tenhamos mais mulheres, mas é necessário que defendam pautas de interesse das mulheres. Também houve aumento da bancada feminista, não só feminina, a exemplo de Luiza Erundina, Sâmia Bonfim, Talíria Petrone, Fernanda Melchionne. Vai ser uma legislatura com embate entre a bancada conservadora e progressista.
Como ficam as pautas progressistas a partir de 2019?
Tenho certeza de que essas deputadas federais feministas vão propor legislações que sejam progressistas, só que vão enfrentar muita resistência. Temos diversos exemplos de Projetos de Lei (PLs), como o projeto sobre igualdade de gênero ou sobre ampliação da licença paternidade, que foram arquivados ou não continuaram no plenário. Outro exemplo é a própria participação política das mulheres. Hoje temos uma lei de cotas que reserva candidaturas, mas temos PLs que propõem reserva de cadeiras dentro do parlamento.
Como ficam as pautas regressistas?
Recentemente, presenciamos a aprovação de diversos PLs que afetaram direitos, como PEC do teto de gastos, a reforma trabalhista. Quero ser otimista e acreditar que a mobilização das mulheres e dos movimentos feministas pode barrar a aprovação de PLs como a maior restrição ao aborto. Temos o exemplo do que aconteceu com o PL0569, de Eduardo Cunha, em 2015: a grande mobilização de mulheres, com diversas manifestações de rua e pressão pelas redes sociais, fez com que o projeto parasse de tramitar. Os deputados cederam à pressão do movimento. Se houver uma mobilização grande como essa, é possível barrarmos projetos.
A bancada feminina representa a mulher brasileira?
Representa e não, ao mesmo tempo. Em alguns temas, a bancada feminina foi muito importante para a aprovação de projetos sobre direitos da mulheres. O mais exemplar é a Lei Maria da Penha, fruto da articulação da bancada feminina com o movimento feminista. Outro exemplo é a própria participação política das mulheres. A atual lei de cotas, de 1997, foi fruto dessa articulação da bancada feminina entre todos os partidos. Existem alguns temas mais controversos, como a legalização do aborto, que criam uma divisão dentro da bancada. A ideologia do partido conta mais que o gênero. A bancada feminina representa os interesses das mulheres, com limites ideológicos.
As bancadas temáticas tem aumentado a influência, a feminina também?
Entre as bancadas temáticas, a feminina é uma das mais fortes e mais institucionalizadas, com regimento interno próprio, regras de funcionamento, presidente. Esse alto grau de institucionalização faz com que ela tenha grande influência na tramitação de PLs, apesar de ser numericamente pequena em comparação a outras bancadas suprapartidárias. Desde que as mulheres entraram no parlamento, se organizaram para promover pautas. Um exemplo é a Constituinte, em 1987. Houve uma mobilização das parlamentares, o “lobby do batom”, para fazer com que as demandas das mulheres fossem adotadas pela Constituição. Escreveram uma carta, apresentando diversas reivindicações e 80% delas foram incorporadas.
Esse aumento de mulheres no legislativo é uma tendência?
Desde a adoção da lei de cotas, a porcentagem da candidatura de mulheres vem crescendo significamente. Passamos de um patamar de 10% de candidaturas em 1997 para mais de 30%, agora. Porém, o aumento nas candidaturas não se converte no mesmo aumento de mulheres eleitas, por causa de barreiras como financiamento de campanha e sistema eleitoral de lista aberta, em que os candidatos competem individualmente. Os países com a maior representação feminina são os que adotam lista fechada, com alternância de gênero. Mesmo assim, está aumentando a passos lentos. Não teve nenhum momento desde 1997 em que a bancada feminina diminuiu.