Mesmo com verba, sem voluntários não há pesquisa

Encontrar pessoas dispostas a colaborar com investigações científicas constitui desafio para pesquisadores

Por Luciana Cardoso

Foto: Júlia Mayumi

Nos murais da USP, não é difícil encontrar avisos recrutando participantes para pesquisas desenvolvidas na Universidade. As exigências para envolver pessoas em experimentos científicos ficaram mais rígidas e o JC foi conferir como isso acontece na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE).

No Brasil, os voluntários não podem receber remuneração. Todos os estudos com seres humanos e animais devem ser vinculados a um Comitê de Ética, que aprova ou não o projeto. Em qualquer pesquisa, seja em forma de questionário ou experimentos mais invasivos, a aprovação pelo Comitê é prerrogativa para o início do estudo.

O processo de submissão é criterioso e demorado, mas imprescindível para que a pesquisa tenha respaldo legal. Antes do Conselho de Ética, o projeto de pesquisa é submetido à avaliação do departamento ao qual o orientador está vinculado. Aprovado nas duas instâncias, a proposta volta para o orientador e o aluno poder iniciar a pesquisa.

Da curiosidade ao voluntariado

Foi pelo WhatsApp que Yuri Zveibil soube da pesquisa e se voluntariou. Seu treinador de atletismo repassou o flyer do recrutamento, Yuri se interessou e entrou em contato com a pesquisadora.

A curiosidade para entender os parâmetros físicos do seu corpo o levou a participar da pesquisa de Gislaine Souza. “Me interessa saber se a cafeína faz ou não efeito em mim, já que sempre consumo antes das competições”.

Em termos legais, ele assinou um termo de voluntariado, que detalha todos os procedimentos que ocorrerão em cada encontro, assim como a preparação necessária em todas as etapas.

“A pesquisadora sempre foi bem franca comigo e me detalhou tudo que aconteceria em cada um dos encontros e todo o procedimento. Desde o começo senti segurança e me empenhei para colaborar com a pesquisa.”

Sem voluntário, sem pesquisa

A técnica do Laboratório de Biomecânica da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), Jaqueline Albuquerque, ressalta que o voluntário é imprescindível. No laboratório do qual faz parte, pesquisas recrutam diversas pessoas, de atletas a portadores de problemas de saúde para compreender, por exemplo, o movimento humano.

“Define-se o perfil dos participantes, que deve atender às especificações da pesquisa, dependendo do protocolo que será analisado após as coletas de dados”, conta Jaqueline. Recrutamento seleção dos voluntários são feitos através de cartazes dentro da própria EEFE e pontos específicos onde há chances de encontrar o perfil desejado. Se a pesquisa procura voluntários portadores de doenças cardíacas, os cartazes são colocados em hospitais. Redes sociais e o boca-a-boca são outras formas eficientes.

Comunicando-se

São esses meios que Gislaine Souza utiliza para recrutar voluntários para sua pesquisa. Membra do Grupo de Estudos em Desempenho Aeróbio (GEDAE-USP), a doutoranda quer identificar os efeitos da cafeína durante o exercício. Para isso, precisa recrutar 15 homens fisicamente ativos, com idade entre 18 e 40 anos.

Sob orientação do professor Rômulo Bertuzzi, Gislaine conseguiu concluir o experimento com seis voluntários. Por ser uma pesquisa com vários procedimentos, sendo seis encontros que  incluem três biópsias, a doutoranda precisar recrutar aos poucos.

O comprometimento do voluntário é fundamental para o andamento da pesquisa, que envolve preparação 24 horas antes e durante o experimento, além do período de recuperação das biópsias. Até agora, apenas dois participantes desistiram. “Mesmo que a conversa seja clara e detalhada, assim como o termo de voluntariado, às vezes o procedimento não é como o participante esperava, gerando a desistência”, lamenta.

As pesquisadoras ouvidas pela reportagem do JC concordam que as principais limitações são as desistências e a falta de disponibilidade e compatibilidade de horários para realizar os procedimentos, além dos recursos financeiros.

No caso da pesquisa de Gislaine, esses desafios podem comprometer até mesmo seu calendário de trabalho. O custo é alto, exige materiais cirúrgicos.

Especial Edição 500

Esporte: ensino, pesquisa e extensão

Por Luciana Cardoso

JC 93 – Abril/1990

Em 1990, na edição  93, o Jornal do Campus publicou a reportagem “Deficientes e exercícios físicos, um desafio para pesquisadores”. Enquanto no exterior existiam universidades voltadas para pesquisa de Atividade Física Adaptada, levantamento mostrava que apenas 8 de 95 universidades brasileiras estavam ligadas ao tema.

Na Universidade de São Paulo não era diferente: havia apenas um semestre para o estudo desse campo de trabalho que abrange atividade dos portadores de distúrbios emocionais, deficiência física, mental, auditiva, visual e de saúde.

Quando voltamos às páginas de esportes de anos atrás, percebemos que as matérias estavam mais voltadas à prática do esporte do que às pesquisas e projetos desenvolvidos pela Escola de Educação Física e Esportes. Mas nela houve projetos de extensão que possibilitam deficientes (físicos e intelectuais) praticarem esportes, como natação e futebol.
Em pesquisa nos arquivos do JC, encontramos também matérias sobre a importância da atividade física para deficientes, como projetos de extensão coordenados por docentes da EEFE. Nesse sentido, em maio de 2015 reportamos os desafios burocráticos e econômicos enfrentados pelo projeto Natação Inclusiva. O Curso existe desde 1995 e era coordenado pela professora Elisabeth de Mattos. Na ocasião, a reitoria não respondeu ao JC.

Projetos como estes colaboram não apenas para a saúde e qualidade de vida dos alunos participantes, mas é uma boa oportunidade dos graduandos da EEFE praticarem o que é ensinado em sala de aula através de uma monitoria ou estágio.

Dois anos depois, em dezembro de 2017, o projeto foi novamente pauta do jornal e, dessa vez, pela ameaça de fechamento. Com a aposentadoria de Elisabeth, departamento e diretoria começaram articulações para suspensão das aulas. No entanto, a mobilização dos alunos e da comunidade, inclusive junto ao Ministério Público, garantiram a continuidade. Nesta edição 500, decidimos voltar o olhar para a EEFE para além da prática esportiva: tratamos de voluntários para pesquisas científicas.