Se o lixo pudesse, diria: “não me esqueça num canto qualquer”

Se você tem objetos eletrônicos para descartar, a USP pode recebê-los

Por Júlia Mayumi

O Cedir fica próximo ao Instituto de
Relações Internacionais. Foto: Ariédhine Carvalho

Eu já estava cansado. Fazia anos que era enrolado de qualquer jeito e largado no fundo de uma mochila escura. E ainda me culpavam por ficar emaranhado – se me arrumassem direito, eu não ficaria assim, nenhum fone de ouvido gosta disso. O descaso e as novidades tecnológicas me fizeram envelhecer mais rápido e então fui levado até o Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (CEDIR) da USP. Eu, que passei anos embalando mentes com os acordes de Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, pensei que assistiria meu fim em silêncio.

O galpão para onde me levaram fica atrás do Instituto de Relações Internacionais (IRI), e não é muito grande. Colocaram-me em uma caixa cheia de fones de ouvido que, como eu, calaram-se, mas aqui, com certeza, não morrerão, pois o lixo é recebido, separado e reutilizado. Aliás, não sou lixo, nunca fui, nem serei.

Arte: Daniel Medina

Meus companheiros eletrônicos foram trazidos por alunos e não-alunos da USP. Eles foram entregues a um funcionário. Empresas também trazem companheiros para cá, mas precisam agendar a entrega, o volume pode ser grande, o pessoal precisa se preparar.

Quanto aos materiais eletrônicos descartados pela USP, devem todos vir para o CEDIR mediante baixa patrimonial feita pelas unidades, um processo bastante burocrático.

Aqui dentro, é tudo muito organizado. Monitores, teclados, impressoras e até disquetes são separados em estantes e grandes caixas. O pessoal arruma o que ainda pode ser reutilizado, e o material é doado para ONGs parceiras e até mesmo emprestado para alunos. O tempo roda num instante, e nas rodas dos corações é preciso ajudar sempre que possível.

Nós, aparelhos eletrônicos, somos muito bem tratados, é como se fosse um centro de reabilitação. Para aqueles que, como eu, não podem mais trabalhar, a aposentadoria chega nos carros de duas empresas que vêm fazer a coleta e o descarte adequado.

Há quase dez anos, esse pessoal chega semanalmente para nos buscar e continuarmos nossa jornada. Isso é bom, porque o galpão fica sempre organizado e nunca tem muito material. Há bastante espaço os humanos circularem.

Os que trabalham aqui, aliás, são muito gentis e recebem os alunos com um sorriso no rosto. Eu tenho trauma de bebidas quentes, porque uma vez derrubaram em mim e quase morri, mas aposto que essas pessoas adorariam ser chamadas para um café e seriam ótimas companhias.

Escondidos

Quase ninguém sabe que o CEDIR existe, mas ele é muito importante. Peças eletrônicas contém substâncias tóxicas que podem contaminar o solo e causar danos à saúde humana, como mercúrio, cádmio e chumbo.

Por isso, é óbvio que precisamos ir para locais apropriados. Um relatório lançado pela Associação Internacional de Resíduos Sólidos mostrou que, em 2016, foram geradas 44,7 milhões de toneladas de lixo eletrônico. Eu sei disso porque não ouvia só música, mas também notícias.

Se eu estou triste? Um pouco. O que é uma vida sem música? Sem podcasts? Sem áudios do WhatsApp? Mas eu fico feliz de estar indo para o lugar correto. Há muitos como eu fazendo bagunça por aí, eu não quero ser responsável pela poluição do planeta.

Então, se você tiver um computador, um celular ou alguém como eu, um fone de ouvido, traz pra cá. Se estiver funcionando, vai ter quem aproveite; se não, você ajuda o planeta um pouquinho.

Também pode ligar pra cá de segunda a sexta, em horário comercial, no telefone (11) 3091-8238. Ou pode vir diretamente à avenida Prof. Lúcio Martins Rodrigues, Tv. 4, 396.

Se você passar aqui ainda nessa semana, pode ter a sorte de me encontrar. Mas venha quando puder – afinal, apesar de você, amanhã há de ser outro dia. Alguém pode ter me levado pra ver a banda passar, cantando coisas de amor.

Especial Edição 500

Lixo na USP já foi problema ambiental

Por Rebecca Gompertz

JC 73 – Outubro/1986

Em 1988, o Jornal do Campus publicou matéria denunciando a situação precária do “lixão” da Universidade. Localizado junto ao portão que dava para a rua Francisco dos Santos, o lixão não causava problemas só pelo acúmulo de dejetos: a queima dos materiais preocupava – e até mesmo adoecia – os moradores da região.

A matéria do JC esclarecia que os funcionários da USP não tinham autorização da Prefeitura do Campus nem para atear fogo, nem para descartar nada além de entulhos de reformas, restos de grama e galhos ensacados. A coleta de lixo, à época, era realizada por duas empresas: a Enterpa, responsável pelo material comum depositado nas lixeiras, e a VegaSopave, responsável pelo lixo hospitalar.

E não foi a única pauta sobre lixo no Jornal do Campus. Ao longo das décadas, abordamos o assunto diversas vezes, e questionamos desde o armazenamento arriscado de tambores de ascarel (substância cancerígena) para descarte, até os perigos do lixo atômico gerado pelo IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), em uma matéria brilhantemente intitulada “Olhai os resíduos do Campus”.

Saindo de dentro da Universidade, vale o destaque para a edição suplementar do JC de outubro de 1991, que pautava a questão social dos trabalhadores do lixão do Porto de Areia.

Hoje, o mundo e a USP avançaram na questão do lixo: não só a reciclagem se tornou comum, como foram tomados passos pensando no destino de um novo tipo de lixo: a Universidade tornou-se pioneira na coleta do lixo eletrônico, recebendo inclusive material externo para descarte. Confira na matéria ao lado a história de um fone de ouvido descartado e saiba mais sobre o Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (Cedir).