Perdido em Corona Borealis

 

por Caio César Pereira

Foto: Fatih Ekmen/Pexels

 

Data 2020.03 – Dia 16

Aqui é o oficial de comunicações Tristão para a torre de controle de Terra. Dependendo de quando vocês estiverem ouvindo isso, provavelmente estarei longe demais para poder manter contato. A missão do módulo Brasilis, cujo objetivo era buscar em algum lugar entre as estrelas o tal sonhado Progresso, se encontra ameaçada. Claro que colocar a responsabilidade de liderar uma missão tão importante nas mãos de alguém tão despreparado era um risco. Infelizmente, não há nada que não esteja suficientemente ruim que não possa piorar. Há alguns meses, recebemos informações de que uma supernova se encontrava em meio a nossa trajetória de retorno, próximo à constelação de Corona Borealis. As recomendações eram de que optássemos por uma via alternativa, mas o Capitão achou que estavam  superdimensionando o problema e que não deveríamos entrar em histeria. Alguns tripulantes, em um delírio de negação de aceitar os fatos, endossavam as decisões. Acho que o prolongado tempo exposto entre o limite da esperança e do desespero do cosmos os tenha feito esquecer o que é de fato ser humano. Mas, enfim, aparentemente não havia nada com o que se preocupar. Tudo estava sob controle…

Data 2020.06 – Dia 30

Passaram-se alguns meses desde o incidente. A princípio, acreditava que a situação não fosse durar muito, mas, quanto mais o tempo passava, mais eu entendia o quanto ele poderia ser relativo.  O raio de choque da explosão da estrela, além de nos ter tirado da rota, afetou nosso suporte vital e, possivelmente, comprometido nossa reserva de oxigênio. Claro que alguns ainda relutam em admitir o erro, mas outros já viam que tal situação era grave demais para que pudesse ser encoberto ou até mesmo mascarado. Por mais que eu dissesse que tal momento fosse ser fugaz e passageiro, minha mente, em seu íntimo, teimava em dizer exatamente o contrário. Talvez seja a forma de um mecanismo de defesa, visando me preparar para os longos e  angustiantes dias em um cada vez mais solitário e vazio  confinamento interno e externo.

Data 2021.07 – Dia 07

Estou cansado. É engraçado como aparentemente só sentimos falta de algo quando o perdemos. Antes da viagem, eu não via a hora de poder me afastar de todas as misérias e problemas aos quais o noticiário da terra insistia em repetir. Claro, eu estava tentando justificar de alguma forma para mim mesmo que seria mais fácil me alienar e me afastar dos problemas mundanos, do que fazer parte da solução. Eu queria explorar o universo sem perceber que eu poderia fazer isso através de um olhar. Logo, aqui estou eu, em uma busca inquieta de sinais do tal pálido ponto azul à deriva na Via Láctea. Ser otimista é um desafio quando toda a realidade presente te dá motivos para o contrário. Em certos dias, é justamente a razão de minha constante angústia, com o medo de que, talvez, o mundo que eu conhecia tenha se perdido para sempre. Em outros, essa é a luz a qual me forço a seguir em um vazio de escuridão, na esperança de que um dia eu consiga retornar a uma vida, digamos, normal. Sempre fui uma pessoa de certa forma otimista, mas, aqui em cima, mesmo voando, devemos tentar sempre manter os pés no chão.

Data 2020.09 – Dia 28

Não sei a quanto tempo eu não fecho meus olhos. Não consigo dormir. Ao ter que permanecer um longo período confinado em um lugar com o espaço tão vasto, algumas coisas como o viver dormindo e o sonhando acordado vão perdendo o significado. Sem me dar conta, conforme os dias nessa reclusão infinita continuavam, em determinado momento notei que já não sabia mais o que de fato era dia e o que seria a noite. Quando isso aconteceu, deixei de perceber quando o ontem virava hoje, e quando o hoje viraria o tão esperado amanhã. Hoje eu acho que é o aniversário da minha avó. Essa noite eu lembrei de uma música que ela cantou para mim uma vez:

“Se eu pudesse, parava o tempo, não deixava o tempo correr,

Pois o tempo dá medo na gente, faz a gente envelhecer” 

Se eu pudesse, não só parava o tempo, como também faria de tudo para que eu pudesse voltá-lo.

Data 2021.02 – ???

“Alguém está aí? Câmbio! Há um astronauta esperando no céu, alguém me ouve?” Repeti várias vezes. Nada. Para um oficial de comunicação, como eu, é curioso quando conversar deixa de ser uma ocupação ou uma distração, e até mesmo as mais profundas relações podem ser colocadas a prova. Após passar tanto tempo olhando para o vazio frio do espaço, notei que o espaço vazio passou a olhar para mim também e fez eu me perguntar: quem sou eu? Conforme os dias (ou seriam noites?) passam, mais eu me questiono em quem ou no que eu me tornarei ao final disso.  Ao ver  meu reflexo, me pergunto: aquela pessoa do começo ainda existe? Será que se (ou quando) eu conseguir sair dessa, ainda vou lembrar como é se relacionar com um humano ou já passei tanto tempo fora que me tornei alienígena demais para isso?

Data 2021.04

– Controle de Terra para Tristão, você está na escuta?

Data 2021.05 – Dia 01

Seria o espaço realmente a fronteira final? Fiquei me fazendo essa pergunta diversas vezes, tentando de alguma forma entender o seu significado. Talvez, e somente talvez, os elementos que concebem a vida, e os atributos que ocasionam a morte, sejam, de certa forma, parecidos com os conceitos que definem o espaço e o tempo. E sejam os responsáveis por fazer com que nós,  seres com consciência, possamos apreciar o evento da existência. Se assim for, Vó,  tenha força que em breve a Sra. poderá respirar aliviada. Eu estou voltando.