Não é todo dia que se faz 33

 

 

por Maria Clara Abaurre

Arte: Maria Clara Abaurre

 

Depois de um ano de restrições e medo, ela decidiu comemorar o aniversário de 33 anos com uma festinha para os amigos mais próximos. “Já passou da hora de se lembrarem de mim”, pensou enquanto planejava a festa que sairia nas mais importantes colunas sociais do país. Devo dizer que foi um fracasso. 

O tema tinha até certo potencial: O Universo Paralelo de Bolsonaro, mas os convidados ficaram confusos, era mesmo desnecessário usar máscara? Além disso, não havia muito o que comemorar, ela estava completamente desprestigiada. Com a maior inflação dos últimos anos, milhares de brasileiros passando fome, os biomas do país em chamas e famílias enlutadas pela perda de seus entes queridos para o Coronavírus, o clima não estava para festa.

Ainda assim, ela insistiu em um bolo, em que se lia “Nada não está tão ruim que não possa piorar”. Ela sabia bem disso. Depois de tanta comemoração quando chegou, trazendo direitos, liberdades individuais e refundando a democracia, era difícil acreditar nos discursos de ódio e nos movimentos anti-democráticos dos últimos anos.

Ela se lembrava como se fosse ontem do dia cinco de outubro de 1988, dos discursos fortes e dos momentos de emoção, da população nas ruas e de suas fotos em todos os jornais. “Discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”, disse seu querido Ulysses. Ela se sentia invencível.

E então, movimentos violentos, com discursos inconstitucionais, foram ganhando espaço até que foi eleito para o cargo de presidente um fã do torturador Brilhante Ustra. Ela ficou chocada, detestou o homem defensor do autoritarismo, mas o que poderia fazer? Que os homens a utilizassem! 

Mas nada foi feito. O genocida permanecia no poder e os pedidos de fechamento de instituições e demandas por intervenção militar seguiam, apesar da queda de popularidade do presidente. Então ela decidiu que bastava, faria uma festa tão grandiosa para comemorar seus 33 anos que todos se lembrariam da Constituição Cidadã, seria uma grande alegria novamente e, aos poucos, o país aprenderia a garantir todos os direitos nela previstos.

A Constituição de 88 estava elegante, recebendo os convidados com um amplo sorriso, mas poucos ficaram para comer os famosos brigadeiros. Ela não se sentia mais a luz na noite dos desgraçados. Parecia mais uma vela, com sua luz bruxuleante, lutando para não ser apagada por um sopro qualquer.