O espaço de vivência em 2006

Gilmar Luis Costa, foi aluno de Filosofia e está terminando licenciatura. Ele fez parte de duas gestões do DCE 2005 e 2006 (Travessia e Instinto Coletivo, respectivamente).

A importância dessa entrevista é pelo fato da gestão de 2006 ter começado as negociações da reforma do centro de vivência com a Reitoria. Confira toda a entrevista abaixo.

Como era

Foi em 2006 que teve início o processo da reforma. Aquele espaço estava deteriorado. Tinha a Farmácia – a entrada era interna – e a Edusp, que eram dois espaços com atuação institucional. E funcionava também a APG (Associação de Pós-graduandos) e o DCE (Diretório Central dos Estudantes), não no mesmo lugar que é hoje. Onde está programado atualmente era um espaço de xerox. No prédio também tinham atividades comerciais: restaurante, xerox, vendedores de camisetas, bijuterias, bomboniere e um livreiro; todas as atividades informais, pois não havia contrato ou, se havia um contrato, era muito antigo, que poderia ter sido passado de uma pessoa pra outra.

O restaurante, por exemplo: tinha uma senhora que era dona do restaurante, e ela tentou dar o chapéu nos funcionários. Um dia ela terminou o expediente na sexta-feira e ela programou para retirar o equipamento sem avisar ninguém, eles apareceriam no outro dia para trabalhar e ela já estaria longe. Mas esses funcionários, apoiados por um grupo que discute economia solidária, e eles mesmos começaram a gerir o restaurante.

Evitávamos ficar sozinhos no DCE, pois lá já foi assaltado várias vezes, felizmente, na minha gestão não. Na anterior tinha tido assaltado, na seguinte ele foi assaltado, de as pessoas entrarem lá com diretores do dce, era uma situação bastante desagradável.

Bom, todos os espaços eram precários e pagavam aluguel. Um grupo pagava pro DCE, e outro pra APG. Esses espaços não eram ocupados através de licitação, até porque tanto o DCE quanto a APG, apesar de serem constituídos juridicamente, não tinham autonomia pra fazer licitação. O espaço acabou sendo abandonado aos poucos. O que o DCE tinha era uma concessão do Coseas para explorar o restaurante, isso há muito tempo atrás, e as entidades terceirizaram essa exploração. O contrato de cessão do espaço (termo de cessão) era um termo pro DCE explorar e não proibia terceirização – infelizmente eu não sei onde estão os documentos [como muitos outros, ele provavelmente foi perdido na mudança da sede para os barracões]. Essa era a situação jurídica.

Idéia da reforma

Em 2006, na gestão de Vanderlei Messias como prefeito do campus, e de Melfi como reitor, foi instituído o Conselho do Campus, que buscava resolver problemas mais locais. Nesse conselho havia representantes da reitoria, das unidades e dos estudantes da graduação e pós. E foi nesse conselho que surgiu a idéia de reformar o espaço. Era um acordo comum, pois o prédio estava muito degradado. Para se ter uma noção, não havia banheiro público, fora dentro do restaurante – que as pessoas tinham que atravessar a cozinha para chegar. Aí começaram as discussões para reformar o lugar, foi inclusive criada uma comissão, oficialmente, pela prefeitura do campus, pra cuidar do processo, que envolvia o DCE, a APG, a Prefeitura do Campus e da Coesf. Era paritária, pois tinham dois representantes dos estudantes, e dois representantes institucionais.

Começo da reforma e execução

Gostamos da idéia, não havia uma preocupação para formar uma comissão com maioria, porque, como era paritária, as coisas tinham que ser trabalhadas na base do consenso, não tinha como um lado se impor. A partir disso foram dados alguns passos: foi feito um diagnóstico de como estavam as condições e começou-se a elaborar um projeto.

Um representante da Edusp e um da Farmusp começaram a fazer parte da comissão, porque ela realmente estava funcionando de maneira bastante adequada, e eram parte interessada também. Foi elaborado um projeto de reforma, em que foi discutido quem ficaria em cada lugar, e um cronograma – que não foi cumprido. Nem tanto por uma certa tradição da Universidade de não cumprir os prazos, mas por questões que fogem um pouco à USP. quando estava em reforma, há cerca de um ano atrás, eu vim aqui com uma pessoa da gestão antiga do DCE conversar com o diretor do Coesf. Ele contou que estava atrasando porque a empresa que havia vencido a concorrência não estava recolhendo a contribuição do INSS dos funcionários. Pela legislação a Universidade tinha que acompanhar isso. como ela não estava cumprindo sua parte, a empresa foi desclassificada e tiveram que colocar outra empresa no lugar. Então o processo que deveria demorar aproximadamente um ano, durou mais de dois.

Quando os comerciantes descobriram que o espaço seria reformado, eles pararam de pagar os aluguéis e as entidades estudantis ficaram sem recursos. Mesmo antes, os aluguéis eram pagos de forma muito irregular, por exemplo, o livreiro nunca pagou. Não havia mecanismo jurídico para cobrá-los, e a maioria pagava para não criar atrito. O dce era flexível em sua cobrança, mas conseguia arrecadar em torno de R$4.000 por mês. nos meses de férias, metade.

Volta e legabilidade

Enfim, o processo foi tocado de maneira bastante harmônica com a reitoria, mas havia uma preocupação sobre o que aconteceria quando voltasse. Era uma discussão que a gestão fazia com certa freqüência, mas nunca era elaborada de maneira satisfatória. uma boa parte do financiamento das instituições estudantis é feita a partir da gestão dos espaços, seja formalmente, seja informalmente. Poucas são as que não têm nada, como na USP Leste. Há um problema sobre o que fazer com esses espaços públicos, se são cessões ou não, quais são os critérios para o aluguel de um espaço. Não dá pra você ficar numa gestão só pensando em ganhar dinheiro, senão você não faz nada, tem que ter novas fontes. Mas quais fontes? Não pode ficar a gestão inteira fazendo festa pra ganhar dinheiro.

Os sindicatos, ADUSP e Sintusp, têm suas fontes próprias de financiamento, que são o desconto em folha, Os estudantes não têm como fazer isso. A universidade reconhece o estudante como parte dela, inclusive legalmente, porque os estudantes fazem parte dos conselhos. Também reconhece suas entidades, porque a própria Reitoria reconhece conselheiros eleitos pelo próprio DCE.

Termo

Havia duas questões em pauta: a gestão do espaço e o problema da grana. houve um acordo formal, que foi, até onde eu sei, assinado [segundo a atual gestão do DCE, não foi]. Foi seguido o modelo que havia entre a Escola Politécnica e o Grêmio deles: 70% do aluguel dos espaços pro Grêmio e 30% para a gestão do espaço. O acordo que foi construído era ainda informal. Nesse termo assinado, deveria ser colocado o problema das porcentagens, ele possibilitaria a volta.

Na nossa gestão, não víamos como problema que a gestão do espaço fosse por uma comissão paritária, até porque nós não nos encarávamos na época em condição de auto gerir o espaço, não que esse não seja o caso hoje. até porque no espaço também tinha a farmácia e a Edusp, que são instituições da Universidade. Não podíamos dizer “isso aqui é nosso”, não estávamos preocupados com isso. E também queríamos acabar com o problema da informalidade dos comerciantes. Essa comissão gestora cuidaria da gestão dos espaços, através da concorrência, da exploração comercial e, com os devidos repasses dos valores. Se alguém para de pagar, há mecanismos legais para desalojá-los. não tínhamos mecanismos para fazer isso na informalidade.

Na época não víamos como aquilo poderia ser apenas pelos estudantes ou, no mínimo, tendo uma maioria na gestão. Hoje quer-se a gestão do espaço. Se a assembléia e a gestão agora encaram que existe condição de fazer isso, não vejo problema. não fazia sentido, por exemplo, pedir pra farmusp pagar aluguel. cá entre nós, requer um esforço administrativo extremamente forte pra você gerir um prédio daquele, gerir mesmo, gerir de maneira correta. requer uma estrutura que não se cria da noite pro dia. a universidade já tem essa estrutura, o dce precisaria criar. se é uma discussão que está sendo feita, beleza, o debate precisa ser feito, não vou criticar os caras por conta disso.

Não havia um termo acabado, mas havia rascunhos. O termo assinado foi só na próxima gestão. Havia um termo tratando tanto do espaço quanto do aluguel. Ultimamente a universidade tem funcionado muito por decisões de caráter administrativo e acabam não sendo feitos questionamentos acerca de projetos, por exemplo.

Tive uma conversa com o responsável pela Consultoria Jurídica (CJ) . Segundo ele, o TCE tem feito uma pressão sobre a Universidade para que essa regularize suas atividades juridicamente. Estariam infringindo a lei as unidades que repassam dinheiro para entidades estudantis na forma desses termos. Não haveria amparo jurídico que os espaços da universidade fossem cedidos para as entidades. Na época, eu respondi que esse é um problema muito mais político do que jurídico. Eu tenho absoluta certeza de que a universidade tem amparo jurídico para encarar esse problema, é mais uma questão de reconhecimento do direito às entidades de existirem, de terem seu financiamento, mas juridicamente não há problema.

Nome

No passado não havia nome. Na época, havia-se chegado à conclusão de que se chamaria “espaço de vivência”, mas isso não foi finalizado.

Para as próximas gestões

Deixamos pronto um projeto da planta, foi acertado onde ficaria cada coisa. A farmácia e a Edusp ficariam ali. Mas por mais otimista que fosse a reforma, a farmácia fez questão de continuar funcionando e foi feita uma entrada lateral, direto para fora do prédio, que permitiu a ela funcionar até pouco tempo atrás. Só faltava assinar o termo. O DCE iria sair pelo período da reforma, e o termo era exatamente a garantia do retorno ao seu espaço. Era isso o que se tinha.

Problemas para a Reitoria

Não me parece que ceder o dinheiro do aluguel era o problema. Porque o problema da Reitoria, quando eu comecei a conversar com o professor Vanderlei [prefeito do Campus], na gestão Melfi [reitor], era assim: toda visita que a reitoria recebia, você tem o MAC, um espaço bonito, e do lado você tem uma coisa absolutamente deteriorada, feia, era desagradável andar por ali, era escuro. Tinha tráfico – eles devem ter sumido e mudado de lugar. Havia realmente uma situação desagradável.

Quem ia visitar o museu, não tinha onde tomar um lanche, não tinha onde usar o sanitário. a gente até tinha pensado em fazer uma saída lateral para fazer uma ligação com uma parte do MAC. Depois da primeira fase, que é a reforma do prédio, haveria a reurbanização do entorno, ou seja, fazer uma jardinagem, iluminação, bonitinho, e ali se criaria uma ligação direta, com um espaço pra tomar um lanche, comprar um livro. Se eu não me engano, havia um projeto de reurbanizar essa entrada, construir uma ligação mais harmônica na avenidona etc.

Não sei exatamente agora a polêmica que está pegando porque, se a reitoria aceita o repasse dos recursos, implica o reconhecimento legal, jurídico da entidade (DCE, APG..). Como será feito isso não é o mais importante. Na minha gestão a gente dizia: juridicamente quem faz a arrecadação é a Universidade. Não tinha sentido emitirmos o boleto e o cara pagar o aluguel. Como, pelo acordo, iríamos ter uma comissão gestora, a gente ia ter o aluguel de cada espaço, quanto foi arrecadado para que tivesse controle do repasse. As gestão anteriores chegaram a comentar que a Reitoria chegou a oferecer ao DCE um valor fixo em troca de que a Reitoria retomasse a gestão do espaço e fizesse a reforma.

Restaurante

Aquele é um espaço de trânsito, não é um lugar onde os estudantes ficam. O estudante não come no restaurante, mas no bandejão. Quem usaria historicamente o restaurante seriam os funcionários, mas não o faziam na minha época porque ele já estava deteriorado.

O critério mais democrático para a gestão do espaço público é a concorrência, que não se baseia somente no melhor preço. Conheço casos de concorrências em que foi colocado o preço máxmo de cada item, até porque você precisa atender o público esperado, no caso os funcionários. Uma das cláusulas que elaboramos, por exemplo, seria que não poderia ter fritura, pois isso obrigaria a adaptações na estrutura inviáveis.

O estudante e o espaço de vivência

Nos acordos que iniciamos em 2006, além da preocupação financeira, houve uma preocupação de que aqui seria um espaço em que a Universidade como um todo pudesse usufruir, que um funcionário poderia usufruir, que um visitante pudesse usufruir e que as pessoas que atuavam lá pudessem continuar.

O estudante da USP participa do movimento estudantil através do seu CA. Não dá pra exigir que o estudante da veterinária tenha uma participação efetiva num DCE que fica aqui, não é o público que participa. Por exemplo, o estudante de física participa do CA da Física, o da FFLCH, o da Farmácia etc.

Não dá pra comparar com São Carlos – se fica ao lado do bandejão. historicamente o Caaso criou uma tradição, porque eles nunca tiveram os centrinhos. existe uma tradição do Caaso que não é a do estudante do Butantan.