Professores da USP analisam estrutura das instituições brasileiras para explicar a crise do Senado
Desde fevereiro, uma série de denúncias contra parlamentares coloca em xeque o Poder Legislativo no Brasil. Escândalos como o dos 663 atos secretos e da distribuição de passagens aéreas compradas com verba pública levam um terço dos brasileiros a crer que não precisam do Congresso Nacional, segundo o Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs), da USP.
Aparentemente, o Congresso também não precisa dos brasileiros. Sérgio Moraes (PTB) disse que está “se lixando para a opinião pública” e o Conselho de Ética arquivou investigações parlamentares pelas quais a vontade pública muito ansiava.
Por que a relação entre o Congresso Nacional e a sociedade brasileira se desgastou tanto?
Problema histórico
Para Cristiane Kerches da Silva Leite, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), a degradação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal é um processo histórico que passa tanto pela cultura política e institucional do país como pelo desafio de representar uma sociedade e um território tão desiguais.
Segundo ela, o Brasil optou pelo modelo de democracia dos Estados Unidos, em que o Legislativo é dividido em duas Casas com o objetivo de garantir a representação tanto da diversidade de interesses e valores da população, através da Câmara dos Deputados; como da diversidade federativa, através do Senado.
Assim, os deputados brasileiros são eleitos proporcionalmente à população de seu Estado ou do Distrito Federal, enquanto os senadores são sempre três por unidade federativa.
No entanto, para instalar a democracia no Brasil, “partimos de um poder nacional constituído centralmente, num território enorme em que também se constituíram fortes poderes locais, de caráter não republicano”, diz Kerches. A professora explica que o coronelismo, baseado no mandonismo das elites rurais, marcou fortemente o desenvolvimento das nossas instituições.
Cultura democrática
Contudo, o professor da Faculdade de Direito, Elival Ramos da Silva, acredita que o Brasil esteja superando a herança coronelista graças à consolidação progressiva da cultura democrática. “A democracia não se implanta socialmente de maneira uniforme. Há segmentos da sociedade que são mais democráticos do que outros”, afirma. Ele aponta como sintoma dessa desigualdade o deslocamento da candidatura do senador José Sarney (PMDB) do Maranhão para o Amapá. De acordo com Silva, a figura aristocrática do senador não se sustenta mais nas eleições do Maranhão, onde hoje existe um maior amadurecimento democrático da população.
Sistema controverso
Para o professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenador do NUPPs, José Álvares Moisés, o limite a que chegou a relação entre o Poder Legislativo e a sociedade deve-se a um componente mais recente: o presidencialismo de coalizão.
Desde 1985, nenhum partido que elegeu o presidente da República teve mais de 20% de representação no Congresso Nacional. Como é necessário haver mais de metade dos votos para se aprovar uma proposta, os partidos formam coalizões para colocar suas políticas em prática.
“Na estrutura do presidencialismo de coalizão, quando se forma a coalizão dominante, ela não apenas tem maioria do Plenário, da Câmara ou do Senado para votar, mas ela também tem força suficiente para indicar as mesas da Câmara, do Senado e suas presidências”, explica Moisés.
Essa maioria de parlamentares alinhados ao governo passa a funcionar, nas palavras do professor, como “um bloco que decide sem ouvir os outros”, agindo com uma arbitrariedade “quase ditatorial”. Isso pode inibir a ação da oposição e da divergência, além de comprometer a qualidade da democracia.
Correção política
A sociedade tem a seu alcance mecanismos para interferir em instituições democráticas como o Congresso, que, segundo Kerches, “estão com um bom nível de publicização de suas ações”. Como exemplo, ela cita os mecanismos da Internet, do orçamento participativo, dos conselhos sobre políticas públicas e das emendas populares, todos ao alcance do cidadão.
O voto, entretanto, continua a ser o elemento-chave para a qualidade da democracia. Na opinião do professor Moisés, ele é uma arma de correção política que, regulando a reeleição dos políticos, ratifica ou rejeita sua postura democrática. Seja ela de representar – ou desprezar – a vontade do povo.