Cultura Ambulante na USP

Quem são as pessoas que levam cultura para todos os cantos da universidade?
“Só Lula não comprou”, diz Aderaldo, revisteiro

Aderaldo Ribeiro tem 53 anos, 24 comercializando revistas e assinaturas na USP, tempo pelo qual tem muito orgulho. “Vendo em todo lugar. História, Geografia, Letras, Bandejão, ECA, Química, Física. Sai mais ‘Scientific American’, Carta Capital, todas. Poxa, eu estou na USP, se o pessoal não ler aqui, vai ler onde?”, diz o senhor, que também trabalha na Unicamp e na PUC.

“Trabalhei vendendo assinatura na Folha. Fiquei dez vezes em primeiro lugar, eu era o que mais vendia. Só não fiquei em primeiro lugar o ano inteiro porque um irmão caiu de moto aí em Pirituba e morreu e porque fui para o Nordeste atrás da mulher e dos filhos, que estão lá até hoje. Se estou há vinte e quatro anos aqui, é porque não sou bobo não”, diz Ribeiro.

Ele conta também sua relação com o Partido dos Trabalhadores e políticos célebres. “Vou também aos eventos do PT há mais de vinte anos e já vendi assinatura de revista para o Zé Dirceu, Suplicy, Genoíno, Matilde Ribeiro. Só o Lula não comprou ainda”, completa sorrindo.

Banca de histórias em quadrinhos vende exemplares raros por até R$ 1000 (foto: Yuri Gonzaga)
Banca de histórias em quadrinhos vende exemplares raros por até R$ 1000 (foto: Yuri Gonzaga)
Marcelo, estudante de História e vendedor de quadrinhos

Marcelo diz que trabalha com quadrinhos desde os 18 anos de idade, ou seja, há quatorze anos. Ele explica que o gosto pela coisa vem de família e que vende na USP desde que começou a estudar História na FFLCH, há seis anos.

“Aqui se vende material bem variado porque o público é bem variado, desde Turma da Mônica até quadrinhos eróticos”, explica o vendedor, que diz possuir, entre o que fica exposto e o estoque, algo em torno de 1000 títulos. “Já vendi na Teodoro Sampaio e na Paulista, tenho experiência nisso. Trabalho por email, telefone e tenho até um ‘blog’, o ‘HQQG’”.

Ele explica que acontece de o comprador pechinchar e costumeiramente apelar para uma técnica de compra enganadora. “O cliente tenta desvalorizar ao máximo para diminuir o preço. Às vezes, ele pega um volume grande e coloca um preço que parece alto, mas que, na prática, por unidade fica abaixo do custo do produto. É o cliente-chinês”.

E o que define o valor de um quadrinho? “No meu caso, é uma questão de raridade, onde e a quanto você vai encontrar o produto. Eu tenho uma edição de ‘No Coração da Tempestade’, de Will Eisner, muito rara, numerada, cada livro autografado pelo autor. Estou pedindo 1000 reais nela. E ainda  torço para que não venda, se vender vou ficar triste”, diz Marcelo, que tem material em japonês, chinês, italiano e francês.

Raul Mateus Castel veio ao Brasil há 44 anos e hoje vende livros no prédio da Filosofia e Ciências Sociais (foto: Yuri Gonzaga)
Raul Mateus Castel veio ao Brasil há 44 anos e hoje vende livros no prédio da Filosofia e Ciências Sociais (foto: Yuri Gonzaga)
Raul Castel, um dos primeiros vendedores de livros

Raul Mateus Castel veio das Ilhas Canárias para o Brasil em 1955 e tem 69 anos. Trabalhou com livros como balconista na Editora Brasiliense de 1968 a 1972 e depois passou a vender sozinho. Já está na FFLCH desde 1973, no prédio de Filosofia e Ciências Sociais.

“Nos anos 70, apenas eu vendia livros de filosofia e ciências sociais e havia o Jaime lá na Letras. Naquela época, vendíamos muito mais, os alunos eram mais interessados, havia a esperança de que com o fim da ditadura sairiam livros antes engavetados. Depois houve um processo de diluição da clientela. Começou a aparecer um pessoal que vende livros usados e a Edusp, Editora da USP, nos anos oitenta passou a vender também livros de outras editoras”.

Mas Raul, calmo e um pouco melancólico, também lembra da repressão. “Naquela época eu abri uma livraria, fui complicando o negócio, importando e tal. Quando os livros chegavam da Argentina e da Espanha, eles abriam e apreendiam os pacotes sem dar nenhuma satisfação”.

Raul conta que, com o tempo, a livraria “definhou” e os negócios foram diminuindo. “Quero dizer que fui avançando e depois recuando. A livraria, a distribuidora, a importadora, o negócio foi piorando e eu fui fechando tudo. Agora não tenho nem a firma. Comecei a trabalhar com livros usados também, mas pelo jeito que vão as coisas não vai demorar muito para eu fechar e ficar em casa. Agora, além de tudo, há essas feiras que fazem na História, em que as Editoras vem vender com 50% de desconto. Elas dão 30, 40% para as livrarias e dão 50% para qualquer um que compre aí, sabotando nós que somos clientes dela o ano inteiro”.