Debate: boicote às eleições ajuda na democratização da USP?

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Participar das eleições não é nada efetivo – por Júlia Almeida
Há quase15 anos a mesma coisa acontece – por Rodrigo Souza Neves


Participar das eleições não é nada efetivo

por Júlia Almeida

A USP possui o processo eleitoral mais antidemocrático dentre as Universidades públicas do país. Antes de mais nada, pela limitação na possibilidade de candidatura: somente podem concorrer ao cargo os professores titulares. A votação é igualmente restrita: no primeiro turno, vota menos de 2% da comunidade universitária; no segundo turno, ainda mais restrito, participa menos de 1% dos membros da Universidade. O terceiro turno, por sua vez, é composto por apenas uma pessoa externa à USP – o governador do estado.

Um processo tão fechado tem um objetivo claro: permitir a concentração de todo o poder de decisão e direção da Universidade nas mãos de poucos, ou melhor, do governo estadual, que pode, assim, implementar os seus projetos sem maiores problemas. Aqueles que têm opinião divergente, que acham que a expansão de vagas deve se dar através de cursos com estrutura adequada e qualidade, que o ensino à distância não é nem de longe o melhor modo de abrir novos cursos na USP; que acreditam ser um retrocesso encher o campus com a Tropa de Choque; aqueles que querem participar da decisão sobre os rumos da Universidade não têm a possibilidade de defender suas opiniões nas estruturas decisórias regulares da instituição.

Diante disso, participar das eleições para reitor da USP não é nada efetivo. A votação não abre nenhuma possibilidade de debate e disputa sobre o que é central para a maioria da Universidade – a qualidade das condições de ensino, pesquisa, extensão e trabalho. A maior parte nem pode votar. A melhor maneira, então, de lutar pela democratização é mostrar a toda a sociedade que esse processo não é legítimo, construindo uma alternativa por fora dele e chamando a atenção de todos para esse problema. Não há chance de modificação por dentro do processo. Vamos, então, construir a oposição e a discussão por fora, levantar nossas opiniões, reivindicações, divulgar para pessoas de dentro e fora da USP, construir mobilizações em defesa de nossas pautas e enfrentar o processo se for preciso. O governo e a reitoria já mostraram seus instrumentos quando colocaram a polícia militar no campus. Os estudantes e trabalhadores mostram também os seus: a mobilização direta em defesa de nossas necessidades.

O segundo semestre de 2009 deixa uma lição clara para a comunidade universitária: a reitoria está completamente desligada das necessidades da maioria dos membros da USP. O adiamento do segundo turno das eleições e sua realização fora da Universidade, diante de uma manifestação de estudantes, trabalhadores e movimentos sociais, e principalmente a escolha do segundo nome da lista tríplice pelo governador deixa isso bastante claro: não há disputa nessas eleições e, mais do que isso, há um amplo setor da USP indignado com essa situação.

Continuaremos lutando por democracia e qualidade na USP!

Júlia Almeida é diretora do DCE-Livre da USP -Gestão 2009 “Nada Será Como Antes!”.
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Há quase15 anos a mesma coisa acontece

por Rodrigo Souza Neves

Eis uma pergunta que merece a atenção de todos, especialmente no ano de 2009.

Ao me deparar com essa questão, não pude deixar de reagir como todo historiador deveria, e me senti compelido a estudar o passado das eleições para reitor na USP e analisar todos os documentos que pudesse encontrar sobre o assunto. E o resultado foi surpreendente…

Que essa não é a primeira vez que se realiza um boicote às eleições, não era uma novidade pra mim, visto que ingressei no fatídico ano de 2005, no qual o campus do Butantã estava coberto de cartazes com os dizeres “Quem tem medo de diretas pra reitor?”.

O que me assustou foi constatar que há quase 15 anos a mesma coisa acontece em toda eleição, e até agora, aparentemente, ninguém no movimento estudantil e sindical da USP parece ter chegado à óbvia conclusão de que esse método, que não funcionou nos últimos 15 anos, não passará a funcionar magicamente. Ou então chegaram já a essa conclusão, mas, como frequentemente acontece, não conseguem ou não querem pensar em alternativas de ação plausíveis.

Uma breve pesquisa no site da Adusp pode revelar que já em 1997, data da primeira eleição de reitor de Jacques Marcovitch, as associações “representativas” dos estudantes, professores e funcionários já realizavam boicotes às eleições, sendo esse método repetido em toda eleição de reitor desde então.

Consultando colegas já formados, soube da realização de um boicote em 1995 durante a eleição de Flávio Fava de Moraes.

Estamos prestes a completar 15 anos desde a primeira vez em que pude constatar um boicote às eleições para reitor na USP. E o que se conseguiu de concreto com esses boicotes? Para essa pergunta, não foi difícil achar uma resposta: Nada.

No decorrer dessa uma década e meia em que se realizaram os boicotes, não houve qualquer mudança significativa no regimento eleitoral da USP, comprovando que esse método não funciona.

Pessoalmente, sou contrário ao formato atual de eleições para reitor e, embora o candidato que eu apoiei tenha sido eleito e eu não apóie o projeto de eleições para reitor proposto pelo DCE, Adusp e Sintusp, acredito que a decisão final sobre a escolha do mesmo não deva residir nas mãos do governador do estado, mas sim da comunidade USP, tendo o governador apenas participação limitada no processo.

Que há uma necessidade de reforma no processo de escolha de reitor é inegável, mas a questão é: como conseguir que essa mudança aconteça?

Não tenho a resposta para essa questão, assim como a maioria da comunidade universitária, no entanto sei que é preciso buscar essa resposta e sei que não vamos consegui-la repetindo os erros do passado ou agindo cegamente sem analisar pragmaticamente os resultados.

Rodrigo Souza Neves é co-fundador do CDIE (Comissão de Defesa dos Interesses Estudantis) e membro da chapa “Reconquista”.
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