Para autor de projeto de lei, taxa de inscrição é obstáculo para ingresso nas universidades; especialistas discordam
Recém-aprovado pela Comissão de Finanças e Orçamentos da Assembleia Legislativa de São Paulo, o projeto de lei do deputado estadual Edson Giriboni (PV) pretende unificar os vestibulares das universidades públicas do Estado – USP, Unicamp e Unesp. A justificativa é incluir estudantes que “são reprimidos pela insuficiência de recursos financeiros para efetuarem suas inscrições”.
Atualmente, as três universidades oferecem isenção da taxa de inscrição a candidatos de baixa renda que cursam ou concluíram o Ensino Médio em escolas públicas. Apesar de reduzir três taxas a uma, o projeto não prevê isenção. A proposta aguarda votação em plenário para seguir ao Executivo.
Afrânio Catene, professor de Ensino Superior da Faculdade de Educação (FE) da USP, classifica o projeto como “ingênuo” e descarta o argumento de que a unificação representa inclusão, já que, mesmo o “grande número de isenções de taxa” oferecido pela Fuvest tem sofrido baixa procura.
A Fuvest oferece anualmente 65 mil isenções a candidatos de escolas públicas com renda familiar mensal de até R$ 498. Em 2008, apenas 25.387 vestibulandos a solicitaram. Em 2009, a demanda caiu para 21.918. A mesma queda se verifica na Vunesp e Comvest, responsáveis pelos vestibulares da Unesp e Unicamp (veja gráfico). Também decaiu o comparecimento dos beneficiados às provas. De 21.880 para 18.506, na USP e, de 5.769 para 4.420, na Unicamp, no mesmo período.
Democratizar o acesso
“A pessoa acha que, mesmo com a isenção, suas chances são quase zero”, justifica Catene. Inclusp e Pasusp, programas de inclusão voltados aos estudantes de escola pública, segundo Catene, são apenas “gotas no oceano” quando o assunto é democratizar o acesso à universidade. “O problema é a base.”
José Marcelino, professor da FE de Ribeirão Preto, relaciona a queda de pedidos ao surgimento do Prouni, que oferece bolsas de estudo em faculdades particulares a alunos da rede pública. Para ele, o programa possui “um efeito claramente desmobilizador da procura por vagas públicas”. Marcelino aprova a unificação. Na sua opinião, “ela reduziria três taxas e três momentos de estresse, mas não toca no ponto central para a democratização: a ampliação do número de vagas”.
O deputado admite que falta igualdade de condições entre alunos das escolas públicas e particulares, o que não é tratado pelo projeto. “O objetivo é racionalizar a questão do acesso do vestibulando à universidade. Não se está alterando o número de vagas ou candidatos, embora isso possa mudar a partir do momento em que se cria uma condição mais fácil [de acesso]”, afirmou ao JC.
Segundo Giriboni, o projeto também seria positivo às universidades, que economizariam verbas gastas com as provas. A tese é contestada pelo professor Catene. “Dada a escassez de verba, talvez a pequena taxa cobrada é um dos poucos recursos que as reitorias têm para se sustentar”, diz. Para ele, o projeto “é inviável a curto prazo pelo próprio interesse da universidade”.
O deputado acredita que as universidades acenam positivamente ante à possibilidade de aprovação da lei: as reitorias da USP, da Unicamp e da Unesp o procuraram para uma reunião que deve ocorrer nesta quarta-feira (7) . “O projeto já está atingindo o seu objetivo, uma vez que os três reitores estão se dispondo a conversar.”
Procuradas, as Pró-Reitorias de Graduação das três universidades, responsáveis pelas políticas de ingresso não responderam à reportagem.
“Projeto fere lei de diretrizes e bases”, afirma especialista
Se aprovado, o projeto fere a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e pode ser contestado na Justiça, afirma Eunice Durhan, ex-secretária de Educação Superior do Ministério de Educação. “Dentro da autonomia das universidades está a seleção de alunos. Qualquer perspectiva de lei que mude isso é contrária à LDB”, diz.
Para Durhan, as universidades podem recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a lei. “As universidades não são todas iguais. Elas têm objetivos diferentes”, defende.
As particularidades da seleção também preocupam o vestibulando. Há dois anos no cursinho, Tiago Esteves acha que “a cara de uma faculdade está em seu vestibular”. “A USP cobra muita ‘decoreba’; a Unicamp é mais conceituada. A Unicamp não quer o mesmo tipo de aluno que entra na USP”, afirma.
Para o professor José Marcelino, a unificação representa uma chance de melhorar. “O novo vestibular terá que contemplar as diferentes visões”, sugere. “Podem surgir modos de seleção mais interessantes e uma prova com duração um pouco mais longa, que avalie melhor”.