Liberdade e ética integram discussão sobre voto obrigatório

A reforma política brasileira é discutida desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. Dentre os pontos levantados, figuram a representação proporcional, o voto distrital e a obrigatoriedade do voto. As propostas, se aprovadas, virariam emendas constitucionais. Até hoje, a mais importante implantada foi a reeleição, em 1997. De acordo com Marcos Paulo Veríssimo, professor da Faculdade de Direito da USP, é um consenso de que está na hora de se fazer uma reforma política no país.

O voto passou a ser obrigatório no Brasil na década de 1930, com o Código Eleitoral de 1932. Virou norma constitucional em 1934. Na época, 70% da população brasileira era rural. A obrigatoriedade visava dar credibilidade ao processo eleitoral, deixando-o mais legítimo, já que a participação era pequena.

Hoje, a maioria da população é urbana. Esse ambiente promove o acesso aos meios de comunicação e o nascimento de debates políticos. Os eleitores estão mais aptos a exercer seu direito espontaneamente. O voto obrigatório é, então, questionado. Já existem cerca de 40 projetos de emenda constitucional (PEC) no Congresso Nacional com a intenção de tornar o voto facultativo.

Voto ético

Segundo Paulo Henrique Soares, no artigo “Vantagens e desvantagens do voto obrigatório e do voto facultativo”, publicado em 2004 na Consultoria Legislativa do Senado Federal, os argumentos a favor do voto facultativo giram em torno, basicamente, da liberdade de escolha. Para Veríssimo, o argumento da liberdade é um pouco fraco. “A participação na vida pública implica uma série de deveres”, diz. A liberdade pública, então, possui um dever incorporado a ela. Com educação política, o voto deixaria de ser uma obrigação puramente legal e passaria a ser ética. O principal argumento seria a melhoria da qualidade das eleições, pois os eleitores votariam de maneira menos aleatória.

A discussão do voto facultativo, no entanto, extrapola a questão da liberdade do eleitor e chega aos partidos políticos. Segundo Veríssimo, a não obrigatoriedade forçaria partidos e políticos a levar o eleitor às urnas para depois defender suas propostas. “O voto facultativo obriga a convencer as pessoas de que votar é importante”, diz.

Já os defensores do voto obrigatório acreditam que ele mantém as classes empobrecidas e minorias dentro das discussões políticas. Para Veríssimo, o senão do voto facultativo é o medo de privilegiar. Em países onde o voto é facultativo, nota-se a relação entre pobreza e abstenção. Essa concentra-se em grupos minoritários ou marginalizados da sociedade. Nos Estados Unidos, por exemplo, a abstenção dos negros é muito maior que a dos brancos. “É possível que aconteça um viés no resultado [com o voto facultativo]”, diz.

O voto obrigatório diminui a abstenção, pois, no Brasil, existem consequências para os ausentes. Quem não justifica sua falta em até 30 dias após a eleição, sofre sanções do Estado até a regularização da situação. Elas variam entre multa de três a dez salários mínimos, impedimento na participação em concurso público e matrícula em instituições de ensino público, dificuldades em fazer identidade e passaporte, entre outras.

A legitimidade da eleição também é um argumento dos defensores da obrigatoriedade, de acordo com o texto de Paulo Henrique Soares. “Quanto mais gente vota, maior a legitimidade do candidato”, diz Veríssimo. No entanto, se o voto facultativo fosse adotado e o comparecimento fosse expressivo, a legitimidade seria ainda maior, pois o fenômeno seria mais espontâneo.

Sociedade dividida

Uma pesquisa realizada pelo Datafolha em maio deste ano revelou eleitores divididos: 48% dos entrevistados são a favor e 48% são contra. Entre os eleitores de 18 a 70 anos, 55% se disse disposto a votar mesmo se o voto não fosse obrigatório. Na pesquisa de dezembro de 2008, 53% foram a favor da obrigatoriedade e 43% foram contrários.


Evolução do voto e das eleições no Brasil republicano