O Conselho Gestor do Campus aprovou a atuação ostensiva da PM no Campus em conjunto com a Guarda Universitária. Apesar da decisão, tomada em reunião emergencial dois dias após a morte do estudante da FEA, Felipe Paiva, a Polícia Militar já tinha autorização legal para entrar no campus. De acordo com a própria PM, “Não há necessidade de mandado, justamente por se tratar de local público, e estar amparada em suas prerrogativas constitucionais”.
Segundo a jurista Odete Medauar, “o fato da USP ser uma autarquia não impede que PM entre lá”. A USP se enquadra como uma autarquia universitária, ou seja, possui autonomia administrativa, de gestão financeira e patrimonial e para exercer suas finalidades específicas.
De acordo com o estatuto da USP, enquanto universidade pública, ela deve se reger pelos princípios de liberdade de expressão, ensino e pesquisa e estar sempre aberta a todas as correntes de pensamento. “Se essa especificidade não é violentada pela presença dos policiais, eu não vejo problema nenhum” afirma o professor do departamento de História da USP, Shozo Motoyama. “Em um período de exceção, de regime militar, evidentemente a gente tem que lutar pela autonomia. Nós estamos, na teoria pelo menos, no estado democrático, em princípio então nós temos meios legais de fazer frente ao autoritarismo que se quer impor aqui”.
De acordo com a jurista Janaina Paschoal, a entrada da PM é uma situação política muito mais do que jurídica. A pesquisadora da relação entre a polícia e a universidade, Glaucíria Mota Brasil, coloca que “as relações sempre foram tensas entre a polícia e as universidades brasileiras quer pela história de participação das polícias na repressão dos movimentos populares e sociais, quer pela participação em torturas e assassinatos em opositores da ditadura militar, que muitas vezes eram das Universidades”.
O receio em relação à PM aumenta diante de recentes casos de repressão violenta como os registrados durante a chamada “Marcha da Maconha”, ou no protesto contra o aumento da passagem de ônibus, em fevereiro deste ano.
Segundo a assessoria de imprensa da Polícia Militar, “a atuação policial atende a um dos principais atributos que atestam a qualidade da Democracia, que é o primado da lei. Logo, a PM é um instrumento de defesa da democracia e também de garantia da liberdade de expressão”.
Por aí
No Chile, a situação é semelhante. A presença da polícia é tida como negativa e sua presença não é bem vinda dado o passado recente do país. “Se os estudantes protestam e ficam dentro da universidade, a polícia só entra com autorização do reitor. Isso em situações extremas”, contou o chileno Michael Flores.
Já na Europa Ocidental, a polícia não se faz presente nos campi e a discussão inexiste. Os menores índices de violência e uma relação mais próxima entre forças de segurança e sociedade diminuem as desconfianças. Mesmo assim, se a polícia for necessária, ela exercerá suas funções normalmente. “Caso a polícia faça algo de errado, a máfia nos protege”, brincou o estudante da Universidade de Palermo, Federico Orlando. Vale lembrar que grande parte das universidades do Velho Continente contam com câmeras de vigilância e campi mais povoados e iluminados.
Jeanne Clery Act
“Na Irlanda é muito mais relaxado do que aqui”, comparou a americana Kim Kuncinskas. Formada pela American University em Washington D.C. e mestra pela Universidade de Dublin, a americana explicou a função da polícia universitária presente nos campi norte-americanos.
“Ela atua em casos menores, para ajudar alguém com um carro quebrado ou que sofreu um acidente. Ela também dispersa festas e apreende drogas. Telefones de emergência estão espalhados por todo o campus e rondas são freqüentes. Caso algo mais grave ocorra, a polícia trabalha em coordenação com a segurança da escola”, explicou.
A melhora da segurança em universidades americanas se deve principalmente ao Jeanne Clery Act. A lei federal sancionada em 1990 vale para universidades públicas e privadas e define diretrizes de segurança para os campi.
Além de estipular como os crimes devem ser registrados, ela obriga a divulgação de um relatório anual que compreende a segurança na universidade nos últimos três anos, o acesso público aos últimos chamados no campus e a emissão de alertas pelo departamento de segurança para a comunidade universitária em caso de necessidade.
A lei representa um marco, já que é a primeira ação a reconhecer problemas de segurança no ensino superior.O ato foi elaborado em resposta à morte de Jeanne Clery, estuprada e assassinada no campus de sua escola em 1986.
Caso seja violado, o departamento de educação americano deve multar em no mínimo 27 mil dólares a instituição transgressora.
O massacre de 2007 na universidade Virginia Tech, no qual 32 pessoas foram assassinadas, resultou em uma multa de 55 mil dólares à instituição por violações no código. O mais grave diz respeito à demora de mais de duas horas para a emissão de um alerta sobre um assassino.
As raízes da proibição
A tradição da polícia não estar presente em universidades tem sua origem na Idade Média, quando elas se resumiam a alunos que se reuniam espontaneamente e chamavam professores. Com o tempo, essa forma de organização foi crescendo até se tornar a instituição importante que é hoje, mas manteve a lógica inicial de que todos eram iguais e cidadãos. Os problemas poderiam ser resolvidos de forma racional, não havendo a necessidade de uma autoridade ou força externa para arbitrar as discussões de forma violenta ou opressiva.