Alunos mantêm rádio livre apesar do risco de serem presos

Estudantes da FFLCH mantêm, há cerca de 10 anos, uma rádio instalada dentro do prédio da Faculdade. Os alunos já foram alvo de denúncia por três vezes – em 2004, em 2006 e neste ano – mas a rádio continua funcionando. No dia 31 de outubro, o repórter Agostinho Teixeira noticiou, pela Rádio Bandeirantes, que apesar da existência de uma comissão de alunos e professores com o objetivo de estudar o caso, até agora nada foi feito. Segundo a Reitoria, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) já a notificou sobre a irregularidade. A Polícia Federal poderá confiscar os equipamentos assim que a justiça autorizar a ação.

O Grupo Bandeirantes já havia denunciado a Rádio Várzea, no ano de 2006, devido a uma interferência durante a transmissão do jogo entre Corinthians e Palmeiras. “A galera que fazia parte da rádio na época ocupou a frequência deles e leu o manifesto contra o monopólio da comunicação no Brasil. Isso foi no domingo; na segunda-feira a polícia já estava aqui, às 9h da manhã, e apreendeu o transmissor”, conta um dos integrantes da Rádio.

Segundo Agostinho Teixeira, a denúncia deste ano não foi causada por interferência. “Com a invasão da reitoria, a USP voltou a ser tema de debate. Um dos nossos ouvintes mandou um email sobre a rádio e eu confirmei que ela continuava transmitindo”.

Ilegal ou incômodo?

“Antes da denúncia, neste semestre, a gente começou a ficar mais esperto porque a rádio Muda [da Unicamp] e a rádio Pulga [da UFRJ] foram invadidas pela Polícia Federal”, diz o integrante da Várzea. “A princípio, a Polícia Federal já está com mandato, e a qualquer momento pode vir aqui”, completa.

Para os membros da Rádio, a denúncia foi feita porque as rádios livres incomodam os grandes grupos de comunicação. “O Grupo do João Saad [Bandeirantes] detém oito rádios [no estado de São Paulo]. Nós falamos sobre o que incomoda a grande mídia, que é colocar para as pessoas comuns que elas podem fazer sua própria rádio, tocar seu próprio som”, afirmam.

Já o repórter da Bandeirantes, acredita que “o atingido sempre tenta desqualificar a denúncia. Mas nós não podemos defender o que está à margem da lei. As rádios piratas causam danos, podem interferir em aviões e na comunicação da polícia”. Ele ainda completa que “a questão dos interesses econômicos do grupo Bandeirantes, com perdão da palavra, é uma bobagem. Nós não nos pautamos por outros interesses, estamos preocupados com o que preocupa a população”. Para Teixeira, os alunos estão ocupando um lugar público como se fosse privado. “A Reitoria sabe disso e vai permitir que continue acontecendo? Isso é um espaço público. Um pequeno grupo vai decidir o que fazer com ele?”, questiona.

Consequências

Segundo os membros da Várzea, depois de 2007, houve um recrudescimento do apoio dos professores e da direção em relação à rádio. “Eles tiveram que responder para a Polícia Federal por causa da denúncia de 2006. Não teve nenhum processo, mas fica aquele medo de ser responsabilizado. Nós queremos ter uma conversa com a direção e explicar que eles não podem ser indiciados criminalmente por causa disso”, contam. Além disso, afirmam que é muito difícil que eles próprios sejam presos: “A legislação permite que você apreenda os equipamentos, mas conseguir prender uma pessoa e julgá-la é muito difícil, só se nos pegassem durante uma transmissão”.

Everaldo Gomes, gerente regional da Anatel em São Paulo, porém, afirma que se a direção da Faculdade for conivente, e não tomar nenhuma medida restritiva, pode ser indiciada. “Se está dentro da sua casa, como você não tem responsabilidade sobre isso?”, questiona. Quanto aos estudantes, afirma que eles também podem ser penalizados mesmo que não sejam pegos em flagrante. “Após investigação, se for comprovado o envolvimento com a rádio, eles podem ser condenados da mesma forma”.

Derrubam aviões?

O gerente da Anatel afirma que as rádios piratas podem atrapalhar a transmissão entre aeronaves e controle de voo. “Elas podem provocar, dependendo da potência do transmissor, interferências na comunicação durante as diferentes fases do voo”.

“Perto de aeroportos é possível haver interferência mesmo. Mas são casos muito pontuais”, explica Luiz Santoro, professor de Radiojornalismo na ECA. “Não é possível que isso aconteça dentro da USP, só se a potência do transmissor for muito grande. O que acontece é que a rádio pirata pode atrapalhar o sinal de outras rádios na região em volta da Universidade”.

Segundo os alunos da FFLCH, a Várzea não tem longo alcance: “Nossa rádio deve alcançar uns 3km, no máximo 5km. Nós não queremos alcançar Buenos Aires. Queremos que existam várias rádios livres até Buenos Aires, porque a rádio tem um certo sentido com as pessoas que moram e estudam perto dela, para que possam ir até lá fazer seu próprio programa”. O repórter da Bandeirantes contra-argumenta que, independentemente da interferência causada pela rádio, trata-se de algo ilícito. “Podemos até discutir se a legislação deve mudar, mas algo ilegal é inconcebível, principalmente dentro da USP. Esses alunos poderiam formar um grupo e pleitear uma rádio comunitária dentro da lei”, afirma.

Os alunos afirmam que não pretendem legalizar a Rádio. “Somos contrários à legislação do país. Ela ainda cerceia muito, coloca todas as rádios comunitárias no mesmo espectro de frequência e com alcance máximo de cerca de 1,5 km. Isso prejudica a pluralidade que existe na sociedade para se produzir informação e trocar ideias”, afirmam. “Com a potência que nós temos não derrubamos avião, mas nem que fosse aviãozinho de brinquedo sobrevoando a FFLCH. Então, qual é o mal que a gente faz? O mal de questionar, só”, completa um dos alunos.

Santoro acredita que os alunos têm todo o direito de se expressar, mas que a luta das rádios livres precisa ser mais articulada. “Esse movimento deveria ser usado para contestar, mas dando sentido a essa contestação, de uma forma que essa visão de mundo seja presente nos nossos meios de comunicação. Nós acabamos não escutando essas rádios porque não sabemos o que estão transmitindo, sua articulação é muito frágil”, diz.

Rádio Várzea funciona em um espaço ocupado; por isso, a porta está sempre aberta (foto: Renata Hirota)
Rádio Várzea funciona em um espaço ocupado; por isso, a porta está sempre aberta (foto: Renata Hirota)