De procissão a base artística, os alunos de Artes Cênicas e Visuais também marcam presença nas atividades do calendário de greve
Diante da tropa de choque que atuava na reintegração de posse da reitoria, estudantes ergueram livros, declamaram poemas, levaram flores e tocaram instrumentos musicais. Nos atos e assembleias das semanas seguintes, saíram em coro segurando cartazes e fazendo performances. A arte, enfim, também se manifestou nesses dias agitados na USP.
A greve em cena
“A gente estuda muito a questão da presença de palco e é sem cabimento você discuti-la em classe e não no entorno”, comenta Pepi Oliveira, aluno do 2º ano do curso da Artes Cênicas da ECA. “Começamos a discutir em assembleia o que seriam ‘artistas em greve’, e pensamos no conceito de ‘greve ativa’, o que pode parecer estranho porque greve é sempre algo ativo”.
A partir dessa discussão, os alunos de Artes Cênicas escreveram uma carta aos professores, na qual diziam que estavam rompendo com a burocracia do curso. Com isso, o processo artístico dos alunos teria continuidade, mas sem avaliações por nota.
O Ato no Centro
Uma das maneiras encontradas por esses alunos para aplicar o conceito de “greve ativa” foi a realização de uma performance no ato no Largo São Francisco, em 10 de novembro.
Diante das faixas que questionavam a presença da Polícia Militar no campus, era possível observar uma procissão fúnebre. “Tínhamos um caixão, estávamos todos vestidos de branco e usávamos maquiagem branca, lembrando zumbis ou mortos-vivos”, comenta Daniel Andrade, aluno do 6º ano de Artes Cênicas. Segundo os participantes, a ideia era representar a morte da democracia, e a opção pelas roupas brancas evitou que fossem utilizadas camisetas de partidos. “A ideia era mostrar que somos estudantes”, esclarece Pepi.
A procissão também trouxe cartazes, cada qual com uma das 18 estrelas que estão no brasão da PM. Essas estrelas representam os marcos históricos da Corporação, como a Campanha de Canudos de 1897 e o Golpe Militar de 1964. Em determinados momentos, a procissão deitava-se na rua e erguia o caixão, no qual lia-se “aos mortos pela PM”.
Rosa contra o Choque
Outra manifestação artística tem colorido a USP de rosa choque. O Tanq_ Rosa Choq_ surgiu em 2009 no departamento de Artes Visuais da ECA e está engajado nas mobilizações atuais. A proposta é “articular outra abertura de atuação no corpo universitário, escancarando todo poderio imagético e simbólico das forças brutas policiais contrapondo com inteligência, sensibilidade e amor”, explica Paulo Fávero.
O Tanq_ esteve presente tanto no ato pró-PM realizado na Praça do Relógio, no dia 1º de novembro, quanto na ocupação da reitoria. Durante a reintegração de posse, o Tanq_ foi apreendido pela polícia e um de seus criadores, Danilo Bezerra, que não participava da ocupação, mas filmava a ação, foi preso. “É um sequestro de um símbolo”, disse Paulo a respeito da apreensão.
Desde então, o movimento tem crescido. Agora, além do Tanq_, há a Tropa Rosa Choq_ e a Assembleia Geral dos Estudantes, realizada na FAU, aprovou a instalação de uma Base Móvel Artística em resposta à instalação da base da PM no Campus. A Base funcionará como um palco para construção coletiva dos estudantes.
Para Paulo, apesar de as manifestações artísticas quase não aparecerem porque “ficam perdidas na retórica do dito movimento estudantil e nas imagens sensacionalistas às quais a imprensa prefere dar destaque”, são importantes porque “sempre podem contribuir para complexificar o escopo de relações no quadro simplista de verdades apresentadas”.
A Arte como diálogo
Os alunos que participaram dessas diferentes manifestações artísticas reforçam a explicação de que essa movimentação não é vazia e que há um esforço contínuo de aliar o discurso artístico ao discurso político. “O artístico chama a atenção e mostra que há alguma coisa ali que é metafórica e traz um olhar crítico”, esclarece Daniel. “Funciona, até mesmo, como uma forma de ganhar apoio popular, porque é uma forma de manifestação pacífica.” A tropa do Tanq_ vê esses “disparos estéticos” como um modo de congregar as pessoas para vivenciarem o “jogo das contradições”.
Pepi reforça ainda a necessidade de que seja dada uma nova “roupagem” para essas manifestações, para que chamem a atenção. Ele conta que as faixas que mostravam as estrelas da PM foram feitas fora da USP, no vão do MASP. “As pessoas chegavam pra perguntar o que era aquilo e, então, a gente começava o diálogo sobre o que estava acontecendo na Universidade. O mais importante não é definir se isso é ou não Arte, mas verificar que de fato chamam a atenção”.