Orlando Silva foi o mais recente alvo da crise dos ministérios; para analistas, a troca de nomes não implica em mudança real no governo
Em seus primeiros dez meses de governo, a presidente Dilma Rousseff perdeu seis ministros e trocou dois de lugar. Com exceção de Nelson Jobim, que deixou a Defesa em agosto, os ex-ministros das outras cinco pastas caíram após a imprensa denunciar esquemas de corrupção. As demissões e substituições na Esplanada abrem espaço para um debate sobre o sistema de aliança partidária no Brasil.
A “faxina da Dilma” tem raízes no governo anterior. “Lula via os ministros fazendo coisas erradas e nunca disse nada. Ao contrário, agia com permissividade. A atual crise é resultado de um passivo de oito anos acumulado. A Esplanada [dos Ministérios] tornou-se uma usina prestes a explodir a qualquer momento”, diz Dora Kramer, comentarista de política do Estado de São Paulo.
Aparelhamento
Para Maria do Socorro Braga, professora de ciência política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), “a atuação da presidente tem que ser avaliada dentro de um sistema maior, que é o presidencialismo de coalizão”.
Essa coalizão, também chamada de aparelhamento de Estado, é formada por vários partidos ainda na época das eleições. Para lançar Dilma como candidata à Presidência, o PT fez alianças com PMDB, PCdoB, PDT, PR, PRB e PTB. O resultado é que, depois do apoio nas eleições, os ministérios são entregues a essas legendas. A decisão de um nome fica a cargo da cúpula dos partidos, o que gera questionamentos sobre o mérito dos escolhidos.
“Tanto os ministros como os secretários são cargos nomeados, baseados em outros critérios que não a técnica ou a capacidade para o cargo. Esses cargos acabam sendo muito políticos”, explica Maria do Socorro.
Para ela, os escândalos de corrupção trazem à tona a discussão sobre a capacidade dos ministros em atuar nas pastas às quais foram designados. “Mas a gente acaba não relacionando o ocupante do cargo à questão partidária. A gente sabe que o problema está aí: quem acaba avaliando a formação necessária, a integridade e as questões morais é o partido”, completa a professora.
“As nomeações são feitas sem triagem, conforme o que for política e partidariamente mais conveniente”, diz Dora. A heterogeneidade dos partidos no presidencialismo de coalizão “acaba causando constrangimento para a presidente ou para o funcionamento desse governo”, avalia Maria do Socorro.
Para Dora, porém, é possível escapar dos efeitos colaterais do aparelhamento de Estado. “Dá para formar uma base aliada sem cair num vale-tudo. É necessário estabelecer critérios. Só que isso dá trabalho. E não é o que está sendo feito”. Ela argumenta que a queda de ministros chega a ser irrelevante. “O que importa é como será daqui pra frente, pois as trocas até então não representam mudança alguma, uma vez que os cargos são entregues aos mesmos partidos. São trocas de seis por meia-dúzia, que não resolvem a administração”, analisa.
Maria do Socorro concorda que é necessário ir além. “De alguma forma, [a presidente Dilma] tem que reorganizar esses ministérios e fazer uma reforma ministerial mais consistente, ao invés de [tentar resolver] toda hora casos que aparecem aqui e ali”.
Corrupção
Os casos de corrupção que levaram às demissões dos ministros criam uma imagem negativa dos partidos políticos no Brasil. “Cria-se o descrédito em setores da classe política, o que é ruim para uma democracia representativa”, diz Maria do Socorro.
No entanto, segundo pesquisa Datafolha de agosto, a aprovação ao governo de Dilma se manteve estável, sendo considerado ótimo ou bom por 48% dos brasileiros. De acordo com o professor Floriano de Azevedo Marques Neto, do departamento de Direito de Estado da Faculdade de Direito, isso se deve a dois fatores. “Primeiro, a população em geral tem uma percepção da questão ética diferente da que tem a classe média urbana, considerando emprego, renda e serviços públicos mais importantes na aprovação do governante. Segundo, possivelmente a população pesa não o fato de haver denúncias, mas a reação da presidente aos eventos nos ministérios – talvez até em contraste com uma certa leniência do governo anterior”, diz.
Para Marques Neto, a corrupção não é restrita ao Brasil, mas está em quase todos os países, como França, Alemanha, Japão, EUA, Noruega e Itália. No Brasil, há agravantes porque a sociedade brasileira tem pouca autonomia, ou seja é extremamente dependente do Estado. “No processo histórico [do Brasil], desde a colônia, o aparelho do Estado antecedeu a organização da sociedade. O Estado português criou a sociedade e não o contrário”, explica. Além disso, para o professor, há no país uma cultura patrimonialista, o que explica a “tendência de apropriação da função pública por quem a exerce”.
Mídia
Dos seis ministros que deixaram a Esplanada desde o começo do ano, cinco foram alvo de denúncias na mídia impressa ou eletrônica, envolvendo esquemas de corrupção e suspeitas de enriquecimento ilícito: Antônio Palocci, Alfredo Nascimento, Wagner Rossi, Pedro Novais e Orlando Silva. Nelson Jobim deixou o cargo após fazer declarações incômodas a membros do governo em entrevista à revista Piauí.
Para Dora Kramer, a mídia recebeu papel de destaque na crise dos ministérios “Desde a redemocratização e da garantia da liberdade de imprensa, ela [a imprensa] tem realizado seu papel de denúncia de forma coerente”, diz.
Maria do Socorro concorda com a função denuncista dos meios de comunicação, mas alerta que “é importante ter a transparência. Mas também é importante ter certo cuidado, porque depois que as denúncias são feitas é um estrago, a integridade da pessoa é afetada”.
Ministros fora do jogo
Antônio Palocci (PT) – Casa Civil
Denúncia: Folha de S. Paulo
Acusação: Aumento de 20 vezes no patrimônio do ministro em quatro anos. Palocci negou as acusações e enviou esclarecimentos à Procuradoria Geral da República. O procurador-geral Roberto Gurgel arquivou as denúncias.
Tempo até a queda: 15/05 – 07/06
Substituição: Gleisi Hoffmann (PT)
Alfredo Nascimento (PR) – Transportes
Denúncia: Veja e O Globo
Acusação: Superfaturamento de mais de R$ 78 milhões no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), cobrança de propina em obras da pasta, aumento de 86.500% no patrimônio do filho do ministro. Quase 30 pessoas foram detidas ou afastadas.
Tempo até a queda: 02/07 – 06/07
Substituição: Paulo S. Passos (PR)
Nelson Jobim (PMDB) – Defesa
Sem denúncias de corrupção ou irregularidade.
Motivo: Declarou voto em José Serra (PSDB); chamou Ideli Salvatti (PT), ministra das Relações Institucionais, de “fraquinha” e acusou a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann (PT), de “nem sequer conhecer Brasília”.
Tempo até a queda: 01/08 – 04/08
Substituição: Celso Amorim (PT)
Wagner Rossi (PMDB) – Agricultura
Denúncia: Veja
Acusação: Desvio de dinheiro público; relações suspeitas entre o ministério e lobista; viajar em jatinhos particulares. A Polícia Federal indiciou Wagner Rossi aos crimes de peculato, formação de quadrilha e fraude em licitações.
Tempo até a queda: 30/07 – 17/08
Substituição: Mendes Ribeiro Filho (PMDB)
Pedro Novais (PMDB) – Turismo
Denúncia: Folha de S. Paulo
Acusação: Operação da PF prendeu mais de 30 pessoas ligadas ao ministério; a mulher do ministro utilizava irregularmente um funcionário da Câmara dos Deputados como motorista particular; a governanta pessoal de Novais recebia salário da Câmara.
Tempo até a queda: 13/09 – 14/09
Substituição: Gastão Vieira (PMDB)
Orlando Silva (PCdoB) – Esportes
Denúncia: Veja, Folha de S. Paulo e Fantástico
Acusação: Recebia dinheiro desviado do programa Segundo Tempo – que repassa verbas a ONGs para incentivar a prática de esportes entre os jovens; esquema de benefícios e desvio de recursos de ONGs.
Tempo até a queda: 15/10 – 26/10
Substituição: Aldo Rebelo (PCdoB)
Substituição
Com a queda de Antônio Palocci, que deixou o Ministério da Casa Civil em junho, o ministro Luiz Sergio (PT), das Relações Institucionais – a segunda pasta mais forte do governo –, ficou enfraquecido. Para evitar que o ministro entregasse o cargo, como foi cogitado, a presidente Dilma Rousseff fez uma troca entre os cargos de Luiz Sérgio e Ideli Salvatti (PT), então ministra da Pesca.
Mais ministérios na corda bamba
Gleisi Hoffmann (PT) e Paulo Bernardo (PT) | Casa Civil e Comunicações
A revista Época acusou Gleisi Hoffmann e seu marido, Paulo Bernardo de utilizar avião particular de uma empresa que doou dinheiro para a campanha de Gleisi ao Senado. A mesma empresa foi incluída no PAC quando Bernardo era ministro do Planejamento de Lula.
Ana de Hollanda | Cultura
Medidas polêmicas da ministra, envolvendo os direitos autorais e a distribuição de recursos pela Lei Rouanet, enfraqueceram sua imagem. Em maio, Ana teve que devolver diárias de hotel no Rio de Janeiro, pagas pelo ministério. Com a saída de Orlando Silva dos Esportes, cogitou-se também a demissão da ministra.
Mário Negromonte (PP) | Cidades
Em julho, as revistas Veja e Isto É denunciaram a distribuição de verbas irregulares para obras e empreiteiras e pagamento de propina. Em outubro, o Fantástico revelou um esquema de corrupção no programa “Minha casa, minha vida”, que fica sob responsabilidade da pasta de Negromonte.
Carlos Lupi (PDT) | Trabalho
Desde a votação do aumento do salário mínimo, em fevereiro, Lupi perdeu apoio dentro de seu partido e é pressionado pela incapacidade em manter a base aliada unida a favor do governo.
Afonso Florence (PT) e Izabella Teixeira | Desenvolvimento Agrário e Meio Ambiente
Em julho, o Fantástico mostrou que terras destinadas à reforma agrária eram vendidas ou tinham suas reservas florestais destruídas por madeireiros. Os dois ministros prestaram esclarecimentos ao Congresso e a relação de Florence com o MST se fragilizou – o movimento chegou a pedir a demissão do ministro. O Incra disse que as acusações serão investigadas.