Busp gera transtorno para terceirizados

Sem ônibus circular gratuito e vale transporte, funcionários terceirizados pretendem vir trabalhar a pé; novo circular gera incertezas entre uspianos
Os circulares antigos param de funcionar em abril, mas o trajeto e frequência do Circular Cultural ainda não foram divulgados (foto: Carolina Santa Rosa)
Os circulares antigos param de funcionar em abril, mas o trajeto e frequência do Circular Cultural ainda não foram divulgados (foto: Carolina Santa Rosa)

Vera Lúcia Rodrigues é funcionária terceirizada de limpeza da empresa  HigiLimp e  há dez anos trabalha  na USP. Ela mora na comunidade São Remo desde 1994, e como usava o antigo ônibus circular para vir trabalhar nunca recebeu vale-transporte da empresa.

Além de Lúcia, muitos moradores da São Remo, mesmo sem nenhum vínculo formal com a universidade, utilizavam o circular para ir até a escola e postos de saúde na região do Butantã.

Glória Maria Oliveira, que também é funcionária na mesma empresa e moradora da comunidade vive a mesma situação. Segundo ela, a maioria dos funcionários da HigiLimp moram na São Remo e também não recebem vale transporte. “Agora vou ter que sair todo dia mais cedo e vir a pé no sol, procurando as sombra das árvores, por mais de 45 minutos.”, declarou Glória, que inicia o expediente ao meio-dia e trabalha de segunda a sábado. “O jeito é ir e voltar a pé, ou não dá para pagar as contas”, concordou Vera, e ironizou: “É como se a USP fosse uma festa, e com esse novo ônibus só entra quem tem o convite, que é esse cartão. A terceirizada só é convidada pra vir retirar o lixo a pé”.

Segundo o Sindicato dos Funcionários (Sintusp), as empresas contratadas pela USP não pagam vale transporte, justamente com a justificativa de que os funcionários poderiam utilizar o circular. “O vale-transporte é obrigação das empresas que os contratam, nenhuma delas dá. A USP também não cobra, contrata as empresas e não se preocupa com os funcionários”, disse Neli Wada, representante do Sintusp. O Jornal do Campus tentou contatar a HigiLimp para esclarecimentos, mas não obteve resposta.

Para Neli, esse faz parte de um processo de terceirização da universidade é uma política de desarticulação da mobilização sindical, porque os motoristas do circular eram organizados, sempre aderiam às mobilizações e paralisavam o serviço. “Também é uma política discriminatória, porque o dinheiro público está sendo usado para o benefício de apenas alguns”, completou ela.

O que diz a lei?

Segundo a Lei nº 7.418, de 1985, Vale Transporte é o benefício concedido ao trabalhador para utilização efetiva em despesas de deslocamento da residência para o trabalho e vice-versa. É considerado deslocamento a soma dos segmentos componentes da viagem do beneficiário, por um ou mais meios de transporte, entre sua residência e o local de trabalho. Entretanto, não existe determinação legal de distância mínima para que seja obrigatório o fornecimento do Vale-Transporte, então, se o  empregado utiliza transporte coletivo, por menor que seja a distância, o empregador será obrigado a fornecê-los.

Alguns juristas, entretanto, entendem como distancia mínima aproximadamente, um quilômetro da empresa, ou três pontos de ônibus.

Sem o circular gratuito, Vera Lúcia e Glória Maria tem direito a receber vale transporte segundo ambas interpretações da lei, uma vez que sempre utilizavam o circular para se locomover por uma distancia superior a 1km ou 3 pontos de ônibus do portão de pedestres da São Remo até o trabalho.

Circular Cultural

Em defesa, a assessoria de imprensa da reitoria alegou que os funcionários terceirizados e comunidade externa poderão fazer uso dos Circulares Culturais, que permanecerão gratuitos. Entretanto, os itinerários e horários de funcionamento dessa nova linha, que deve entrar em funcionamento a partir de abril, ainda não foram divulgados.

Enquanto isso, aqueles que não receberam o Busp permanecem usando o circular convencional, que funcionará até o fim desse mês. Conforme a reitoria, alguns dos antigos circulares serão disponibilizados para Lorena e São Carlos para fazer o transporte dos usuários daqueles campi, e os antigos motoristas serão realocados para o Circular Cultural.

O Circular Cultural é resultado de um projeto da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária com a parceria da Prefeitura USP Capital. Seu itinerário cobrirá pontos que exibam mostras, recitais, apresentações, congressos e demais atividades culturais. “Desconfio um pouco da proposta do Circular Cultural, se ele não passar com frequência e percorrer todo campus, quem realmente precisar se locomover e não tiver o Busp vai ter que pagar os R$ 3,00”, opinou Ingrid Nakamura, estudante de Engenharia Química.

Estudantes

Ingrid mora há três anos próximo ao portão 3 da USP, que dá acesso a Avenida Corifeu de Azevedo Marques, e utilizava diariamente o ônibus circular para ir às aulas. Ela avalia como positivo o novo circular, em funcionamento desde 27 de fevereiro, que teve seu itinerário estendido até o metrô :  “Para mim,  individualmente, foi bom. Só achei a medida meio ditatorial. De repente a gente recebe um email falando que vai mudar tudo”.

Antes Ingrid costumava esperar 20 minutos no ponto de ônibus para voltar para casa. Hoje ela espera apenas cerca de cinco minutos. A nova linha do circular tem um maior número de carros e os ônibus passam em intervalos menores, funcionam aos finais de semana e também durante a madrugada.

Muitos estudantes que moram longe da USP também pegam o novo circular no ponto do metrô Butantã para chegar até o campus, o que tem gerado longas filas e ônibus lotados. “Quando o ônibus passa no ponto da saída do trem, as pessoas já não conseguem entrar e tem que pegar o circular normal, que não passa no metrô e vem mais vazio”, observou Ingrid ao pegar o ônibus às 7h30.

Mesmo se beneficiando da mudança, ela se mantém crítica: “Acho que essa mudança foi uma tentativa da reitoria de agradando alguns, impedindo que as pessoas de fora tenham tanto acesso à USP. Mas ela é pública, não é porque eu passei na Fuvest que eu tenho mais direito de circular aqui do que um morador da São Remo, ou alguém que quer fazer cooper”.

A mudança, também mudou o cotidiano dos moradores do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp). Danilo de Oliveira, estudante de Biologia que mora há um ano no Crusp conta que antes os alunos tinham que sair a pé do campus aos finais de semana, porque o circular não funcionava e os ônibus regulares são proibidos de entrar na Cidade Universitária a partir das 14h de sábado. “Se o novo ônibus realmente cumprir a promessa de circular com mais frequência nos fins de semana, ele vai mudar bastante a vida dos moradores do Crusp, mas ele ainda demora uns 25 minutos para passar”, disse o estudante.

Apesar dos benefícios, Danilo pondera a mudança, que para ele, privilegiou um grupo, privando outro setor de ter acesso ao serviço. “Apesar do novo circular atender uma reivindicação antiga dos estudantes, ele ignora os funcionários terceirizados, os moradores da São Remo, os pacientes do Hospital Universitário e os pais dos alunos da Escola de Aplicação, que antigamente, mesmo com todos os aspectos negativos do circular, também podiam usá-lo gratuitamente”, opinou ele.

Orçamento

A reitoria informou que a USP fechou um contrato anual com a SPtrans que vai custar  cerca de R$ 7,5 milhões para a Universidade, mas todo valor arrecadado com passageiros, que pagam normalmente suas passagens, serão abatidos do pagamento do valor contratado. De acordo com a Coordenadoria do Campus da Capital (Cocesp), responsável pelo transporte no campus, o contrato com a SPtrans significou uma economia, já que em 2011 foram gastos 8,5milhões – R$ 1 milhão a mais – com os antigos ônibus e suas manutenções.

Segundo informações de Adriana Cruz, assessora de imprensa da reitoria, o valor do contrato é discriminado nos gastos referentes ao setor  “Coordenadorias”. Na Tabela H, da Coordenadoria de Administração Geral (Codage) sobre o orçamento de 2012, esse setor engloba todos os campi da USP – inclusive os do interior – mesmo o novo serviço do circular sendo uma exclusividade do campus da capital.

Rei das Batidas

Há poucas décadas, os ônibus circulares saiam dos limites da Cidade Universitária, iam até o bar Rei das Batidas, e eram gratuitos.

“Se a USP tem dinheiro sobrando para fazer obras e comprar tapete de R$ 7 mil, acho seria possível retomar esse projeto e levar o circular até o metrô gratuitamente. Mas o reitor quer ter o controle de quem entra e sai”, argumentou Danilo de Oliveira, estudante de Biologia. De acordo com a reitoria, atualmente seria impossível retomar esse projeto porque há uma restrição para a circulação de ônibus urbanos nas vias do Município.

O garçom Osmar Afrísio dos Santos, do Rei das Batidas, ainda tem as memórias frescas da época em que o circular passeava fora do campus.

“Em 1973, quando comecei a trabalhar aqui no Rei das Batidas, o circular ia até ali na frente. Era comum as pessoas chegarem aqui de manhã e encherem o bar. Embriagadas, pegavam o circular aqui em frente e iam para a USP. Com o fechamento da USP em  1989 , o ponto do ônibus entrou para a Cidade Universitária ”, lembra ele.

Foi graças a esse trajeto do circular, que o Rei das Batidas se tornou uma tradição para os frequentadores da USP. Mais histórias daquela época estão disponíveis nos livros publicados por Osmar: “Sem Rei,Nem Bar, Somente Osmar”, “Copos na mão, ideias em vão” e “Batidas: nossas vidas”.

Hoje, Osmar conta que a situação do bar mudou: “Quando o ponto saiu daqui, teve uma grande diminuição do número de estudantes. Antes vinha muita gente, mas agora, mesmo com o metrô, os grupos que vinham a pé até aqui são bem raros”, lamentou.