Escritores iniciantes precisam driblar lógica do mercado editorial e buscar público em um país em que apenas metade da população lê
Todo escritor, mesmo entre os mais consagrados, um dia já teve de enfrentar o desafio de publicar seu primeiro livro. Apesar das inovações tecnológicas de hoje, que facilitam a impressão, permanece o desafio da busca por leitores e divulgação da obra.
Com o original de “Poesia ltda” finalizado, Charles Marlon, estudante do 5º ano de Letras, começou a perceber essas dificuldades ao procurar uma editora para submeter a obra. “As editoras grandes já têm escrito no site: não recebemos originais”, conta ele. “Algumas até têm uma proposta de publicar pessoas novas, mas você manda o e-mail e ele desaparece na caixa postal de alguém e você nunca tem retorno”. A exceção foi a editora Patuá, que entrou em contato nas semanas seguintes e demonstrou interesse pela publicação do livro, cujo lançamento ocorreu no dia 17 de junho.
Criada em setembro de 2010, a editora Patuá é voltada especificamente para a publicação de autores iniciantes, em pequenas tiragens de 100 exemplares. Os fundadores são Eduardo Lacerda, formado em Letras pela FFLCH e Aline Rocha, que está no último ano do mesmo curso. “A gente tinha um capital bem pequeno para fazer edição de dois livros. Então durante quase um ano foi assim, a gente lançava duas tiragens e com a venda pagava os próximos dois títulos”, explica Eduardo. Atualmente a editora tem cerca de seis lançamentos mensais.
Diferentemente de algumas propostas editoriais, a Patuá não cobra nada do autor pela publicação, nem exige que ele adquira uma cota mínima de livros. “Mas a gente pede um engajamento no livro, pede para o autor fazer um trabalho de divulgação, porque é interessante para ele também. Acaba sendo um trabalho de parceria, os autores divulgam a editora, a gente divulga o trabalho deles”, afirma Aline.
Plínio Martins Filho, professor do curso de Editoração da ECA e presidente da Edusp, afirma que as editoras menores cumprem o importante papel de lançar escritores iniciantes. “As editoras grandes não lançam autores novos, elas ficam esperando que as pequenas testem e quando ele vinga, o chamam. Então a editora pequena tem esse papel dar diversidade. Porque quantidade o mercado já tem, mas se não tiver diversidade cada vez mais a cultura vai ficar só no best-seller, só no autoajuda”, diz ele.
Precisa-se de leitores
O avanço tecnológico diminui cada vez mais a barreira da impressão de livros. “Quem quer publicar sempre vai achar uma maneira. Hoje em dia não existe mais aquela coisa de dizer que ‘eu tenho um livro excelente mas nenhum editor quer’”, afirma Plínio. Para Eduardo, a maior dificuldade reside em outro extremo do processo editorial: o leitor. “A dificuldade hoje em dia não é a publicação, é ter leitores”, conta.
Para o professor Plínio, o maior obstáculo consiste na falta de hábito de leitura no país. “E criar um hábito de leitura não é uma coisa fácil, tem que existir uma política contínua de investimento. Não é fazer o que o governo faz, comprar livros e distribuir para o leitor sem perguntar se ele quer ou não”, explica.
De acordo com dados do Instituto Pró-Livro de 2012, a média de leitura do brasileiro é de 4 livros por ano, sendo apenas 2 até o fim. O levantamento mostrou também que apenas 50% dos brasileiros são considerados leitores, o que corresponde a cerca de 88 milhões de pessoas.
“É claro que dentre desse universo [88 milhões] existem leitores para mil exemplares”, defende Plínio. “Qualquer assunto, por mais esdrúxulo que seja, tem gente interessada. O problema é como chegar a esse leitor”. Para a consultora literária Laura Bacellar, a lógica do mercado editorial é responsável por grande parte dessa dificuldade. “Quanto mais o mercado pende para a divulgação de apenas uns poucos nomes super conhecidos, tanto menos espaço há para novos escritores, desconhecidos, diferentes”, critica. Para ela, uma atitude pode ser tomada por parte dos leitores: “É preciso que os leitores reajam e comprem livros diferentes, fujam do que todo mundo está lendo e arrisquem o estranho”.
Plínio enfatiza que a história do livro no Brasil é recente, principalmente em comparação com a Europa: temos apenas cerca de 200 anos de leitura. “O mercado editorial aqui teve início junto com outros meios de entretenimento como o rádio e a televisão, e não tivemos um desenvolvimento cultural muito forte, realmente uma cultura do livro”, enfatiza.
Para Eduardo, da editora Patuá, falta engajamento dos próprios autores. “Pelo menos quem já é escritor deveria ser leitor, mas isso não acontece. A gente recebeu em um ano e meio quase 1500 originais e 95% é só ambição de dizer ‘eu sou um escritor, eu tenho um livro publicado’, sem interesse em ver o que os outros estão produzindo”, conta.