Segundo pesquisadores, deve haver mudanças no treinamento da Polícia Militar e mais articulação com as comunidades de São Paulo.
O recente aumento no número de homicídios, principalmente contra policiais militares, na cidade de São Paulo, tem tido repercussões diversas na mídia sobre suas causas ou formas de combate, que incluiu discussões sobre a eventual intervenção do Exército Brasileiro.
Os pesquisadores Leandro Piquet e Paulo Kuhlmann ivergem sobre as medidas a serem adotadas na justiça e nos presídios, mas concordam em um aspecto: policiais não podem agir como “justiceiros”, à margem da lei. Eles devem ser eficientes, não podendo agir com violência e criar uma cadeia de vinganças, com crime organizado.
O excesso de violência por parte dos policiais pode desencadear uma reação da mesma forma do outro lado. Quando grupos da PM atuam como se fossem “esquadrões da morte”, há uma quebra da hierarquia, pois se posicionam acima do judiciário. A lógica da vingança, nesse caso, acabou generalizando-se e isso é negativo para a segurança pública. Apesar das mortes estarem focadas na relação entre polícia e crime organizado, a população como um todo sofre conseqüências.
Segundo Leandro Piquet, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI-USP) e pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas (NUPPs), “pequenas mudanças no treinamento, nas operações e nas práticas de controle (da polícia militar) podem produzir resultados muito positivos”. Porém, para ele, grandes reformas na estrutura policial demandariam muito tempo, dinheiro e causariam confusão.
De outro lado, Paulo Kuhlmann, professor de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba e doutor pela USP, acredita que mudanças no policiamento e na justiça não são suficientes. “O foco deve estar na reintegração dos criminosos à sociedade, no aumento da paz estrutural: condições sociais, culturais e esportivas nas periferias, por exemplo”, sugere o professor, que julga ser melhor uma polícia articulada com líderes comunitários.
“Considero que agir somente aumentando penitenciárias, tendo a polícia ostensivamente nas regiões perigosas, e sendo rígido no julgamento, não basta”, afirma Kuhlmann, em contraponto às idéias de Piquet. Para este, o fato da população carcerária em São Paulo ter aumentado mais de 170% entre 1995 e 2008 é um indicador da eficiência da justiça criminal.
Políticas públicas que focam na atuação da própria polícia seriam um meio de inibir a violência, segundo o pesquisador do NUPPs. “Algumas políticas como o PROAR (Programa de Acompanhamento de Policiais Militares Envolvidos em Ocorrências de Alto Risco), que afastava de operações de rua os policiais envolvidos em ações violentas e os submetia a um período de readaptação, foram muito bem sucedidos”, constata. “Boas políticas públicas podem mudar a forma como a polícia atua no médio prazo e diminuir o número de não policiais mortos em confrontos”, completa Piquet.
Exército na rua
No dia 2 de novembro, o comandante geral da Polícia Militar no Estado, Roberval Ferreira França, declarou-se contra o uso do exército para combater a violência. “O Estado de São Paulo tem hoje 100 mil policiais militares, tem 30 mil policiais civis, nós somos o maior contingente policial da América Latina, há um grande volume de investimentos em segurança pública no estado”, afirmou o policial.
Kuhlmann, que é especialista em questões dreferentes ao Exército Brasileiro, afirma que faz parte das responsabilidades da instituição auxiliar em casos extremos nas grandes cidades, mas alerta: “A forma que tem ocorrido tem se tornado cada vez mais comum, por meio de convênios com os governadores estaduais, e não em casos excepcionais”.
Ainda sobre a atuação das Forças Armadas em questões civis, existe o fator de, muitas vezes, não existir a lógica do “amigo/inimigo”. Isto é, o Exército é, em geral, treinado para uma situação de guerra que não necessariamente acontece nas grandes cidades. Porém, no Brasil, os militares estão cada vez mais aptos a atuar nessas ocasiões, segundo Kuhlmann. Exiete um setor especializado nesses casos, a Brigada de Garantia da Lei e da Ordem, e a própria Polícia do Exército pode alcançar bons resultados nessa área.
PCC: hoje e 2006
Quando comparados aos casos atuais, os acontecimentos de 2006 foram mais abrangentes e não atingiram apenas a PM, havendo ataques não só a inúmeras bases policiais, como a escolas e outros estabelecimentos civis. Rebeliões nos presídios fizeram parte das atividades criminosas naquele ano, diferente do que está acontecendo hoje.
A principal semelhança emtre os dois períodos de violência está no comando feito pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). Segundo Piquet, a presença do crime organizado nos presídios e secundariamente na sociedade tornou-se um desafio para o sistema de justiça criminal.
“O foco principal em 2006 era o sistema prisional, agora a disputa é nos bairros”, afirma o professor do IRI-USP. Para ele, o problema atual é um reflexo das atitudes tomadas pela Secretaria de Segurança Pública de SP, que concentrou na Polícia Militar a inteligência e o controle do crime organizado.
Piquet afirma que a organização do grupo criminoso é feita de forma descentralizada. As principais lideranças estão nos presídios e indicam as formas de atuação geral do PCC. Porém, ele constata que “ao que tudo indica, há pouca articulação funcional entre os grupos que usam a marca PCC. Cada grupo desempenha aquilo que é possível e conveniente”.