Recontando histórias de Graciliano Ramos

Sessenta anos após sua morte, escritor é tema de seminário, documentário e da Festa Literária Internacional de Paraty

Ao longo de 2013, o escritor alagoano Graciliano Ramos receberá algumas homenagens em razão dos 60 anos de sua morte, completados no último 20 de março. Nesta data foi realizado pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, que detêm parte do acervo do autor, o seminário “Graciliano Ramos: estilo e permanência”. As homenagens se estendem ao lançamento do documentário “O Universo Graciliano”, de Sylvio Back, e a escolha do autor como tema da 11ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que ocorrerá de 3 a 7 de julho.

O Fundo Graciliano Ramos do IEB conta com cerca de 10 mil documentos, entre manuscritos, correspondências, fotografias, matérias extraídas da imprensa e outros materiais. O acervo foi começado pelo próprio autor e doado à Universidade em 1980, por sua viúva, Heloísa Ramos. Segundo Elisabeth Ramos, neta do autor, além do acervo, “há algumas coisas na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), na Casa Graciliano Ramos em Palmeira dos Índios (AL)  e, poucas coisas, com membros da nossa família”. Dessa forma, os documentos arquivados no IEB são a maior fonte de estudo sobre o autor.

O Autor

A primeira palestra do seminário foi de Alfredo Bosi, crítico literário, professor emérito da USP e membro da Academia Brasileira da Letras. Ele falou sobre Infância, livro de memórias do “Velho Graça” que revela suas primeiras impressões sobre o mundo e sua relação com os pais, marcada por certa brutalidade. Em relação à mãe de Graça, Bosi afirma que, apesar dos constantes “cocorotes” na cabeça do menino, “os raros momentos de intimidade parecem humanizá-la”. Ele ainda afirma que, para o alagoano, a saída do túnel era a palavra escrita: “Só a ficção poderia salvá-lo”.

O escritor Francisco J. C. Dantas também esteve presente no evento para dar um depoimento. Para ele, que vive no interior de Sergipe, os personagens de Graciliano lhe parecem “familiares”. Ele os define como a “personificação de nossa pátria comum”. Dantas ainda define que o universo de Graciliano é marcado pela “linguagem descarnada” e a “simbiose região-vida-obra”.

Bosi atenta para essa influência entre vida e obra: “O episódio do menino que quer saber da mãe o que é que significa a palavra inferno já fora narrado por Graciliano em Vidas Secas, antes da entrar nessas memórias de Infância. Ficamos sabendo o quanto havia de autobiográfico naquelas páginas pungentes em que se mostrava a socialização sertaneja castigando sem piedade a pergunta e a dúvida da criança”.

A Família

Elisabeth Ramos tinha 2 anos de idade quando seu avô faleceu. Ela conta: “como não me lembro dele, sempre adorei ouvir as histórias que meu pai, minha avó e meus tios me contavam a seu respeito. Aliás, até hoje, minha tia Luiza conta casos interessantíssimos”.

Sobre a ligação entre sua vida pessoal e sua obra, ela avalia que: “a sua trajetória de vida e sua visão de mundo estão totalmente inseridas no conjunto da sua obra, desde a infância, até o último livro de memórias sobre a experiência na prisão. Além disso, muitas das suas cartas foram publicadas, e sua leitura atenta nos apresenta particularidades extraordinárias de Graciliano”.

Ela conta que o que a maneira como seu avô mais a influencia é a “postura ética que adoto diante das minhas obrigações. Em segundo lugar, o interesse pela literatura, evidentemente”, já que Elisabeth é professora da Universidade Federal da Bahia, onde ensina disciplinas e faz pesquisas relacionadas às literaturas de língua inglesa e estudos de tradução. “Todos esses interesses, evidentemente, se construíram no rastro da minha formação acadêmica e familiar.”

O ídolo, o político, o ativista

Enquanto trabalhava na versão cinematográfica de seu romance “Angústia”, em Maceió, o cineasta Sylvio Back se deu conta da ausência de películas contando a história de seu “herói”, como se refere a Graciliano. A adaptação acabaria por ser engavetada devido a conflitos por direitos autorais com familiares do escritor, deixando o caminho livre para a realização do documentário “O Universo Graciliano”, baseado na vida do autor.

Desde o início, o cineasta tinha a intenção de retratar o escritor de maneira fiel e profunda, explorando cada aspecto de sua vida e personalidade. “Graciliano Ramos é um personagem que extrapola em todos os sentidos qualquer redução”, declara Back. Por meio de relatos de diversos conhecidos e familiares, o filme mostra desde suas primeiras incursões pelo campo da literatura, sua atuação como prefeito de Palmeira dos Índios, seu envolvimento com o comunismo, sua prisão em Maceió e a deportação em 1936 até sua morte.

Os eventos não seguem a ordem cronológica, adotando uma exposição mais livre dos fatos. Back descreve a obra como um “antidocumentário” inspirado no gênero docudrama, fundindo elementos de ficção e biografia. A intenção é fugir das obviedades da estrutura tradicional do documentário. “Nada de levar o espectador pela mão: ele é sempre mais esperto do que o filme e o diretor juntos! Todo poder à imaginação dele!”, defende. Back é afeito a um certo culto ao mistério e à sutileza cinematográfica. “Defendo um cinema que deve mostrar cada vez menos!”

O documentário estreará no festival É tudo Verdade, nos dias 11 e 12 de abril, mas ainda não tem data prevista para lançamento comercial. Back reclama de uma ênfase excessiva do mercado nacional em produções conservadoras e de entretenimento puro. “Lançar um filme no Brasil, ainda mais em se tratando de um documentário com pegada explicitamente autoral, é tão ou mais complexo do que a realização em si”, reflete. Porém, afirma que as negociações para sua estreia nacional “estão em curso”.