Público protagoniza leitura de textos teatrais no TUSP

Ciclo realizado em vários campi da USP promove trocas de experiências entre participantes, oportunidades de contato e envolvimento com obras

Em uma sala no subsolo de um teatro, um grupo de pessoas está reunido. Algumas delas recebem uma numeração que só pode ser colocada no braço esquerdo, uma identificação para definir quem será testemunha de um julgamento. “Ficamos nus e tudo o que ainda nos restava foi levado por eles: relógios, alianças, documentos, fotografias. Em seguida, cada um de nós foi tatuado com um número no antebraço esquerdo”, lê uma delas, que, por acaso, é uma das repórteres desta notícia. O momento descrito, com a declamação da peça “O Interrogatório”, de Peter Weiss, fez parte do Ciclo de Leituras Públicas do Teatro da USP (TUSP), que chega a sua nona edição em cinco dos campi da USP e tem como temática “Realidades Incendiárias”.

Ao contrário do que acontece em apresentações teatrais comuns, os participantes do programa não são meros espectadores. Durante os encontros, são eles que dão o tom à atividade lendo os textos e conduzindo as peças.“Nos textos escolhidos para esse ciclo há um incêndio, real ou subentendido, e um teor devastador”, comenta o ator Otacílio Alacran, mediador das leituras no TUSP São Paulo. A escolha dos temas e textos de cada edição é feita em conjunto por orientadores e mediadores do TUSP nos campi participantes.

Há uma partilha e aproximação das obras teatrais com os participantes e entre o próprio grupo, conta René Piazentin, orientador de arte dramática do TUSP São Paulo, onde o público da ação é composto principalmente pela terceira idade. “[A leitura] não tem como finalidade chegar em um resultado elaborado esteticamente, mas de abrirmos a possibilidade de contato com aquele conteúdo, aquele universo”. É o que também ressalta Francisco Serpa, orientador do TUSP Bauru, no qual grande parte dos frequentadores é da classe artística. “A leitura ajuda a criar um repertório de texto, tanto para quem é artista, quanto para as pessoas em geral”, observa. “Tem gente que nunca tinha visto um texto de teatro”.

Para Dilson Rufino, orientador de arte dramática do TUSP Ribeirão Preto,onde os participantes são majoritariamente os alunos da Universidade, a ação propicia a leitura por prazer. “No dia a dia, os alunos se dedicam mais a leituras técnicas e acadêmicas, já no programa eles tem a oportunidade de ter contato com textos que não leriam devido a vida corrida”, conta.

Para os participantes Carlos Rodriguez e Anette Fuks, fazer a leitura e não apenas ouvi-la é motivador. Foto: Bruna Romão.
Para os participantes Carlos Rodriguez e Anette Fuks, fazer a leitura e não apenas ouvi-la é motivador. Foto: Bruna Romão.
Direção da leitura

As leituras não são feitas sempre da mesma forma, elas envolvem uma dinâmica, pensada pelas equipes artísticas, e que se diferenciam em cada campus. “É uma liberdade que temos a partir do texto para facilitar o diálogo com esse dramaturgo”, explica o mediador Otacílio Alacran. “Às vezes definimos uma leitura simples, com uma troca ou conversa no final, não nos obrigamos a criar uma dinâmica super elaborada porque muitas vezes o foco é o texto”, acrescenta Piazentin.

Como foco do momento, no entanto, a participação das pessoas presentes pode dirigir a leitura a rumos inesperados até mesmo por quem a elaborou. Elcio Silva, responsável pela comunicação do TUSP São Paulo ressalta: “Às vezes a leitura vai se dirigindo de uma forma que se desenvolve por si só”.

Vivendo o texto

A atriz e locutora Cacau Fonseca, 33, participa dos encontros em São Paulo desde 2011. “Aprendo muito com as pessoas que frequentam os encontros, principalmente por se tratar de pessoas mais velhas do que eu e que não são da área teatral”, diz. Para ela, há uma grande riqueza na troca de experiências entre os participantes e a maneira como cada um encara o fazer teatral. “Existe uma comunhão. Teatro é pura troca e ali isso acontece de fato”.

“Com todas as limitações que temos, a experiência de encontrar pessoas e compartilhar é algo que se perde hoje em dia”, ressalta René Piazentin. O orientador acredita que, mais do que apenas o conhecimento dos textos, o contato humano é o que diferencia as leituras públicas. “Muitas vezes você percebe que aquilo tocou e comoveu aquelas pessoas, e que se elas estivessem sozinhas em casa, talvez aquilo não pudesse chegar da mesma forma”.

É justamente essa vivência do texto o que mais cativa os leitores Anette Fuks, 68, e Carlos Rodriguez, 67, que acreditam que ler, mais do que simplesmente ouvir, faz com que os participantes se envolvam com a obra de teatro.“Eu acho muito enriquecedor”, opina Anette, que frequenta teatros e cinemas desde muito jovem e participa da ação desde 2010. “Para mim o que é mais importante é o que o texto representa na atualidade”.
“As segundas aqui no TUSP são muitos agradáveis”, conta Carlos Rodriguez, engenheiro de telecomunicações aposentado, que frequenta o programa desde sua segunda edição, em 2009. “Esse projeto é uma maneira de eu ter contato com obras de qualidade, que normalmente eu não teria a oportunidade de ler”. Ele continua: “É agradável e muito importante para aumentar o ângulo de visão”.

O 9º Ciclo de Leituras Públicas do TUSP acontece até junho em Bauru, Piracicaba, Ribeirão Preto, São Paulo e São Carlos. A programação de cada cidade pode ser conferida no site
www.usp.br/tusp.