Esper George Kallas é um dos maiores nomes da luta contra a AIDS no Brasil. Nascido em Itajubá (MG), Kallas se especializou em Infectologia no Hospital do Servidor Público Municipal, em São Paulo, e hoje é professor de Imunologia Clínica e Alergia Faculdade de Medicina da USP. Ele iniciou sua carreira nos anos 90, quando não havia muito a se fazer pela vida dos pacientes. “Naquela época, a gente tratava alguém sabendo que ele ia morrer”.
Um elemento constante nas vidas dos pacientes de Kallas é a discriminação, inclusive no meio médico. “Muitos colegas não gostavam de tratar de pacientes com AIDS”, conta. Além do risco de contaminação, a ideia de “trabalho em vão” era outro fator levantado pelos profissionais. “Havia uma noção de que por mais que você lutasse pela vida de alguém, ele acabaria sucumbindo”.
Entre as histórias que o marcaram, Kallas destaca um paciente negro, gay e soropositivo, que também desenvolveu uma espécie de câncer de pele, que lhe causava lesões bastante aparentes. A principal preocupação da equipe era amenizar a dor do paciente, abandonado até por seus amigos. “O papel principal da Medicina não é curar, é aliviar o sofrimento”, afirma.
O fato de ter atuado desde uma fase tão inicial da epidemia permitiu a Kallas participar de ações decisivas nessa luta. Ele foi um dos desenvolvedores do projeto Iprex (Iniciativa Profilaxis Pre-Exposição). Coordenada por Robert Grant, da universidade da Califórnia, a iniciativa incluiu pesquisadores de oito países e foi pioneira no uso de antirretrovirais na prevenção da doença entre grupos de alto risco. O resultado (42% de decréscimo na frequência de contaminação) rendeu ao estudo o décimo lugar entre as maiores descobertas do ano pelas revistas americanas Nature e Science.
O médico conta como a equipe buscou se aproximar do público interessado para aprender a lidar com ele. “A gente ia a bares e boates gays e fazia nossos encontros dentro de restaurantes gays”. Entre as lições aprendidas, cita: “Travestis não gostam de ser chamados de ‘o travesti’. Eles são uma mulher”. Após o estudo Kallas e sua equipe solicitaram ao Hospital das Clínicas que os pacientes travestis e transgêneros fossem identificados pelo nome social.
Quanto aos rumos da luta contra o HIV, Kallas expressa preocupação com a postura da sociedade. O médico sente falta da ousadia nas políticas públicas brasileiras dos anos 90, que levavam o governo a “não se intimidar com pressões moralistas”. “Na hora em que você começa a dificultar o combate à epidemia de HIV, isso é um retrocesso”, avalia. Preocupa-o igualmente o clima de tranquilidade, enquanto, em 2012, aproximadamente 12 mil pessoas morreram do vírus. “Doze mil pessoas é uma cidade pequena! Estamos tendo esse número de mortes todos os anos. Ainda temos uma situação fora de controle”, diz.
Acima de tudo, Kallas defende a abordagem constante do assunto nos meios de comunicação: “Não existe nada melhor para combater uma crise que a informação”.