Para pesquisadores, regulação não é censura

Projeto de regulação econômica midiática seria necessário para promover pluralidade e regionalização da comunicação

O programa da presidente Dilma Rousseff para reeleição, que será protocolado até sábado no Tribunal Superior Eleitorial (TSE) não incluirá a proposta de regulação da mídia, como era defendido pelo PT (Partido dos Trabalhadores). A proposta havia  gerado descontentamento por parte de representantes midiáticos e de partidos de oposição. Oposicionistas chegaram a encarar tal regulação como ato de censura à imprensa. Para pesquisadores e comunicadores sociais, no entanto, a regulação da mídia é essencial para a sociedade e a democratização do meios de comunicação.

A regulação havia sido incluída no programa do PT para a releição da presidente. Em seu mandato, Dilma já havia engavetado a proposta de regulação elaborada pelo ex-ministro Franklin Martins no governo Lula, que defendia a normatização do setor de radiodifusão, ocupado por grupos empresarias e famílias que dominam o espectro eletromagnético. (Veja tabela na página anterior)

“A proposta da Dilma infelizmente não consta mais. Os veículos de comunicação sempre descaracterizam qualquer tentativa de debate de democratização da mídia estrategicamente como censura”, considera o editor da revista Fórum e professor da Faculdade Cásper Líbero, Renato Rovai. Para ele, a regulação dos meios de comunicação é a principal regulação que deve ser realizada no Brasil ao lado da reforma política. “Sem ela não há como efetivar mudanças em outras áreas do país, porque qualquer debate da sociedade passa pela mídia”.

Interesses privados

A regulação de conteúdo da mídia promove ações determinadas pela Constituição. A recusa pública da presidente a esse tipo de controle faz com que ela se defenda no jogo político. “A sociedade civil reivindica há muito tempo que a democracia agregue uma comunicação mais democrática”, diz Pedro Ekman, coordenador do Coletivo Intervozes. “Os governos não enfrentaram essa questão, ou porque não quiseram, ou porque se recusaram a enfrentar os meios de comunicação privados”. De acordo com o pesquisador, o medo governamental de entrar em atrito com as grandes empresas de comunicação, que condenam a regulação, não promove o debate, o que alimenta a visão de que regulamentar é o mesmo que censurar.

A censura é o argumento utilizado pelas empresas de comunicação que não querem ver o “mercado” regulado, é o que acredita Ekman. Para o pesquisador, essas empresas acabam convencendo a sociedade, vendendo um discurso de que a regulação seria censura. “Para elas, um mercado sem regulação é melhor para os interesses privados delas, porque elas podem se regular como quiserem e não precisam ter nenhuma baliza do interesse público regulando seus interesses privados”, avalia.

Para Ekman, dada a concentração e monopólios dos grupos de comunicação no país, a regulação midiática proporcionaria pluralidade de veículos e ideias. “Regular o mercado e o conteúdo é promover a democracia. É promover a diversidade, promover a liberdade, e não o contrário, como o mercado insiste em dizer”, enfatiza.

“Se a concepção das leis de regulamentação da mídia fosse pautada visando a qualidade e a idoneidade das mensagens propagadas pelos meios de comunicação, de modo que eles servissem como instrumento de informação social (pilar estruturante da mídia), os benefícios seriam imensos”, avalia a estrategista digital e professora universitária da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), Daniela Rodrigues.  Contudo, para ela, é natural que haja um pavor por parte da população ao ver esse tema em discussão, em vista das inúmeras denúncias pelo país de favorecimento de grupos quando se trata de “projetos de lei para regulamentação de qualquer coisa”.

Daniela lembra que essa mesma questão foi fortemente explorada durante a votação do Marco Civil da Internet: “Milhares de mensagens no Twitter e no Facebook falavam de ‘censura’, da volta da ditadura enquanto que, ao menos nos termos que foi aprovado, o Marco passa longe do controle sobre o que se posta”, explica.

Regulação não é novidade

A presidente Dilma Rouseff, ao anteriormente apresentar posicionamentos favorável  à regulação da mídia em seu plano de governo, deixou claro que esperava realizar uma fiscalização econômica do meio, e não pretendia influenciar no conteúdo transmitido pelas emissoras. Porém, normatizar o conteúdo, além de promover a diversidade, é algo já realizado em certos pontos da mídia para garantir direitos aos cidadãos.

Um exemplo é a classificação indicativa de programas. Informar ao público as idades adequadas para cada tipo de conteúdo, e transmití-los em diferentes horários, é uma espécie de regulação da programação a partir de sua temática. Porém, ao invés de cercear a liberdade de expressão, ela garante às crianças o direito à infância. “A própria ONU considera que a defesa da infância não pode ser considerada um ataque à liberdade de expressão”, afirma Ekman.

Embora o debate pareça recente no Brasil, vários são os países que há anos regulamentaram seus meios de comunicação. Isso não é característica apenas de países comunistas, como muitos alegam. A regulação já é realidade nos Estados Unidos e em países da Europa, como lembra Rovai. Pela não normatização do setor, o Brasil está se tornando uma exceção não só entre as grandes democracias do mundo, mas até mesmo na América Latina. Por aqui, Venezuela, Argentina, Equador e Uruguai ao menos já repensaram a legislação do setor.

A legislação brasileira que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) é extremamente ultrapassada, datada da década de 60, criada na época em que o videotaipe era uma inovação, e já não acompanha mais as mudanças do setor e da sociedade.  “A nossa legislação é de 62, é quase pré-televisão”, finaliza Rovai.