Novo passe estudantil gera confusão

Mudança surpreende alunos e levanta questões sobre a relação da empresa com uniões estudantis

Anunciada pelo Diário Oficial da Cidade de São Paulo em janeiro de 2015, a mais recente mudança no modelo do Bilhete Único Estudante só chegou a de fato se materializar três meses depois. O aviso, longínquo, não conseguiu impedir que muitos dos cerca de 500 mil cadastrados no sistema fossem pegos de surpresa quando a transição ocorreu, entre o fim do mês de abril e o começo de maio.
O episódio não destoa das dificuldades de que diversos usuários da SPTrans já se queixam há tempos. Interpretações polêmicas que circulam na universidade, no entanto, indicam que a confusão, dessa vez, não se dá só por falhas de comunicação.

(Ilustração: Marina Yukawa)
Confusão que vira regra

Para os usuários, há uma época especialmente propícia aos “desencontros” com a SPTrans: o começo do ano, quando os cartões devem ser renovados. “O site é sempre congestionado, e, se você liga na central ou se vai a um dos postos, a orientação dada é que só se pode renovar o bilhete pela internet”, diz Rodrigo Galvão, estudante da FFLCH. “Enquanto nós ficamos à mercê do site, continuamos pagando o valor inteiro da tarifa”.
Outras épocas, no entanto, não privam os usuários de situações igualmente complicadas. Por ter perdido seu cartão logo após uma recarga, o aluno da ECA Rafael Bahia vem tentando compensar o prejuízo há dois meses. Depois da “difícil” recuperação do cartão, teve de continuar cobrando a empresa. “O saldo veio incompleto, e estou há um mês tentando resolver isso, sendo passado de um atendente para outro e de um posto a outro”, ele conta.
A bola da vez Ao entrar em vigor, a alteração atual fez com que os créditos de todos os cartões em circulação fossem bloqueadas. A recarga pelo preço originalmente cobrado aos estudantes também foi impossibilitada, gerando estranhamento e grande procura por explicações. Juliana Domingos de Lima, aluna da ECA, conta ter ligado para a empresa logo após perceber que sua cota tinha sido desativada. “A atendente não disse que havia um cartão novo que eu tinha que ir buscar”, conta. “Nem ela sabia”.
No site da empresa, tudo estava explicado. “O Bilhete Único Estudante agora faz parte da Carteira Estudantil UNE/UMES”, lê-se. “Em breve, você receberá em sua escola a nova Carteira Estudantil”.
Ao tomarem conhecimento da mudança, os estudantes da USP tiveram que encarar extensas filas formadas diariamente em frente ao prédio do Coseas, desde pouco menos de um mês atras.

Por trás de tudo

Além de falhas na comunicação, há questões maiores confundindo o público. Entre grupos políticos estudantis de São Paulo, circulam histórias sobre a medida da SPTrans junto à UNE (União Nacional dos Estudantes), que se favorece financeiramente da mudança.
Marcela Carbone, integrante da ANEL (Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre) e do DCE da USP, é uma dentre os que veiculam essas histórias. “No começo do ano, A UNE sentou com o Haddad, em nome dos estudantes, e fez um acordo”, alega. Em meio às manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público, em janeiro, a diretoria da entidade teria negociado com o prefeito por uma “trégua”. “‘A gente se retira das mobilizações, da rua, se você der para a gente o monopólio do Bilhete Único’”, sugere a estudante como uma fala da diretoria da união. Membro de um aglomerado de oposição dentro da própria UNE, Pedro Serrano diz que não há provas factuais desse acordo. “Não foi firmado nenhum documento”, explica. “Mas é bastante suspeito que a direção de uma entidade que não mobilizou ninguém, no começo do ano, receba agora um grande favor da prefeitura”.

(Foto: Giovana Feix)

Além das histórias, circulam também críticas a respeito da parceria que existe entre a UNE e a SPTrans. Anterior à mudança no Bilhete Único, ela fica ainda mais estreita agora. “É positivo que as entidades estudantis tenham direito a um financiamento sustentável, a UNE, os DCEs, os centros acadêmicos”, opina Pedro. “Mas as carteirinhas não deveriam ser monopólio da UNE, dirigida por um grupo político determinado”. O monopólio a que ele se refere, na verdade, envolve ainda outras “entidades”.
O Estatuto Nacional da Juventude, publicado no Diário Oficial da União em 2013, muda as regras para obtenção de meia-entrada, propondo o uso de carteirinhas oriundas preferencialmente ou pela Associação Nacional de Pós-Graduandos, ou pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), ou pela UNE. Fazer com que todos os usuários do Bilhete Único Estudante passem a ter a carteirinha dessa entidade está longe de uma medida ideal, segundo Pedro. “Se todos os DCEs e CAs também pudessem ter essa parceria, não seria injusto desta forma”.
O outro lado Até o fechamento desta edição, a SPTrans e a diretoria da UNE não chegaram a responder os questionamentos da reportagem e nem a desmentir estas críticas e acusações. Atendentes da empresa forneceram quatro números de telefone diferentes, antes de finalmente indicar o endereço de e-mail da assessoria de imprensa. Em um dos telefonemas, a funcionária demorou mais de cinco minutos para encontrar o número que acreditava ser apropriado. “Desculpa pela demora”, pediu, “é que hoje o site está meio lento”.

Por Giovana Feix