O Quoeficiente de Inteligência pode afetar o dia-a-dia e relacionar-se à síndromes e transtornos
Diversas pessoas se divertem fazendo testes online que prometem medir suas inteligências, os famosos “testes de QI”. Contudo, dificilmente esses questionários possuem alguma relevância quando o assunto é estimar a capacidade cognitiva de alguém. Por mais que pareça algo simples, os números resultantes de um teste de verdade – que podem ser considerados acima da média ou muito abaixo dela – estão relacionados à síndromes e transtornos, inclusive afetando a vida prática da pessoa.
O Quoeficiente de Inteligência é uma interpretação matemática para mostrar o desempenho em testes de inteligência, ou seja, conjuntos de questões que avaliam a capacidade de resolução de problemas. Rodolfo Ambiel, doutor em psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco, explica: “ É uma estimativa da habilidade cognitiva de uma pessoa, expressada por um valor, padronizado a partir da relação com a idade da pessoa avaliada, em geral variando de 50 a 150, com média em 100 e desvio padrão de 15”.
Esse índice foi criado no começo do século XX para relatar os resultados de uma versão do teste de inteligência pioneiro na história da psicologia, o Stanford-Binet. Esse teste se baseia em perguntas acadêmicas que necessitam de lógica e atenção, medindo a capacidade de leitura, escrita e matemática de quem o faz. “A necessidade de se criar um índice padronizado, ou seja, que pudesse expressar igualmente a habilidade cognitiva independente da idade, se deu por conta das diferenças de desenvolvimento cognitivo de crianças ao longo da infância.”, acrescenta Rodolfo.
Para medir esse desenvolvimento, a idade mental do indivíduo costumava ser dividida pela idade cronológica, e depois multiplicada por 100. A idade mental era aferida por testes de inteligência enquanto a idade cronológica era a idade real da criança. A multiplicação por 100 tinha como finalidade retirar números decimais provenientes da divisão. Nelimar Ribeiro de Castro, Mestre e Doutor em Avaliação Psicológica, também pela Universidade São Francisco, explica: “o QI transforma as pontuações de um teste para uma escala na qual o número 100 é sempre o ponto médio. QIs acima de 100 indicam desempenho acima da média, e abaixo de 100 desempenhos abaixo da média”.
Testes Online
Os testes online que prometem estimar o QI exigem um certo cuidado. “Na grande maioria das vezes, os testes de internet que prometem avaliar o QI das pessoas não passam de uma brincadeira feita por quem não tem a menor ideia do que seja psicologia, avaliação psicológica e mesmo o QI. Em geral, são de senso comum, não têm qualquer base conceitual ou científica que sustente as interpretações que sugere. Portanto, definitivamente, testes de QI que podem ser facilmente acessados e respondidos pela internet não são absolutamente confiáveis ou eficazes”, explica Rodolfo.
No Brasil, a legislação e a normatização do Conselho Federal de Psicologia asseguram que apenas psicólogos podem adquirir, aplicar e fazer uso dos resultados de testes psicológicos e de inteligência. O ideal é procurar um psicólogo formado e registrado para aplicar esse tipo de procedimento. “O Conselho Federal de Psicologia certifica os testes psicológicos, não somente os de inteligência, determinando se apresentam critérios de qualidade mínimos para a utilização. Os testes que não recebem esta certificação não devem ser considerados”, explica Nelimar Ribeiro.
Transtornos e síndromes
Algumas síndromes estão relacionadas à QIs muito altos ou muito baixos, levando também em consideração outros fatores externos. Priscilla Rodrigues, doutora em Psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco, explica: “relacionadas a um QI baixo temos todas as síndromes que afetam a parte cognitiva do desenvolvimento. Algumas são extremamente raras, como as síndromes de Patau e Edwards, outras são mais comuns, como a Síndrome de Down. No entanto o rebaixamento cognitivo não está relacionado necessariamente a uma síndrome genética, e pode levar ao desenvolvimento de doenças decorrentes da falta de cuidados próprios, tais como higiene, alimentação adequada e balanceada, entre outros”. As síndromes de Patau e Edwards estão relacionadas com má formação do coração da criança e também atraso mental.
Geralmente associamos pessoas com QIs mais elevados a um bom desenvolvimento e uma vida de notoriedade social, mas elas também enfrentam complicações. “Um QI elevado significa enxergar o mundo com outros olhos e formar outras relações que a maioria das pessoas não conseguem atingir rapidamente. A pessoa pode ter dificuldade de adaptação, sendo mais reclusa, e interagindo pouco com o ambiente, pois esse é muito simplório, pouco desafiador. Sendo assim, essa pessoa também fica exposta a situações como abuso de substâncias, comportamentos anti-sociais, transtornos psíquicos, como esquizofrenia ou paranóia”, explica Priscilla. Um bom exemplo de indivíduo com o QI elevado é o personagem Sheldon, do seriado americano The Big Bang Theory, que possui grande dificuldade de entender as relações sociais estabelecidas pela sociedade.
QI na vida prática Estudos em diversos países, inclusive no Brasil, mostram que pessoas que têm QIs altos tendem a apresentar melhores desempenhos escolares, acadêmicos e no trabalho. Um QI maior ou menor vai influenciar na capacidade de adaptação adequada ao meio em que o indivíduo está inserido e o quão rápido ele é capaz de aprender novas tarefas, se necessário. Contudo, ter um QI alto ou baixo não é mera questão de sorte. “Além das questões genéticas que podem favorecer o desenvolvimento das habilidades, como por exemplo ter nascido com o aparato biológico cerebral sem malformações, o meio ambiente e o aspecto social tem um peso bastante relevante. Por exemplo, os anos de escolaridade de uma pessoa tendem a influenciar diretamente seu desenvolvimento cognitivo. Também a exposição a ambientes ricos em recursos, como a disponibilidade de livros e presença parental e/ou familiar profícua em estimulação cognitiva, em geral ajudam bastante no desenvolvimento das crianças”, explica Rodolfo.
Algumas escolas ainda rotulam crianças de acordo com seus QIs, o que é negativo para o desenvolvimento da criança e do adolescente. “Atualmente no Brasil temos testes psicológicos adaptados para a população brasileira e com qualidade psicométrica para a aferição da inteligência. Cada um possui sua especificidade: testes não-verbais com tarefas de raciocínio lógico, testes em que o conhecimento formal e escolar são aferido e os que verificam áreas específicas da inteligência, tais como raciocínio verbal, numérico, espacial, entre outros”, comenta Priscilla. Além disso, diversos pesquisadores discordam desse método de aferição de inteligência -através de um quoeficiente – como mostra a matéria da página 10, na editoria de Universidade dessa edição.
Por Mariana Miranda