Vida universitária promove readaptação de alunos de fora da capital paulista

Ao mudar-se para São Paulo, estudantes de outras cidades, estados e países, enfrentam choque cultural e dificuldades na grande metrópole

A Universidade de São Paulo é uma das mais conhecidas da América Latina. Com quase cem anos de existência, a procura pelos seus cursos de graduação, mestrado e doutorado é muito grande e traz pessoas de outras cidades, estados e até países. Abalados pela completa mudança de rotina, os alunos precisam se adaptar rapidamente a uma cultura distinta, uma geografia nova, uma língua ou um linguajar diferentes e diversos aspectos que até então eram irrelevantes para seu cotidiano. A USP muda vidas todos os anos e essa é uma responsabilidade grande, e que poderia ir além do fornecimento de uma matrícula.

Vindo de longe

Samuel Guitti é ingressante da graduação no Instituto de Psicologia (IP) em 2015 e durante toda a sua vida morou no estado do Mato Grosso do Sul, com excessão do primeiro semestre de 2014, quando cursou direito também na USP, antes de descobrir que gostava mais de estudar a mente do que as leis. Quando questionado quanto às mudanças que São Paulo trouxe para sua rotina, brinca: “ainda preciso comprar um guarda-chuva!”. Apesar de considerar o tempo entre a divulgação do resultado da FUVEST e o início das aulas curto, Samuel teve sorte ao procurar moradia. Contando com a ajuda de uma amiga de sua mãe no início e com várias indicações de campo-grandenses que já passaram pela mesma situação, hoje o estudante já conseguiu alugar um quarto em um apartamento e vive com o apoio financeiro dos pais. Segundo ele, o que o deixou mais impressionado dentro da universidade foi “a diversidade das pessoas e a facilidade com que elas lidam com as diferenças. Em geral, é um ambiente bem aceptivo, em comparação com o interior do Brasil, com um movimento estudantil ativo e programas culturais variados”.

Erika Guetti Suca, aluna de doutorado do Instituto de Matemática e Estatística (IME), concorda com Samuel: “Aqui tem todos os tipos de raça e diversidade de brasileiros. No início eu não percebia o sotaque deles, passei a perceber com o tempo. Eu tinha o costume de ver só um tipo de pessoa, sempre parecidas comigo, porque meu país não é tão misturado quanto aqui”. Nascida na cidade de Arequipa, no Peru, a estudante veio para a USP há cinco anos, para fazer mestrado. Agora, no doutorado, Erika já está com certa estabilidade, mas explica as dificuldades do início de sua nova vida na USP: “o mais difícil é juntar o dinheiro para comprar a passagem e sobreviver nos primeiros meses”. Ela viveu com suas economias até ganhar uma ajuda financeira de um projeto privado de seu orientador, porque logo que chegou ao Brasil não conseguiu uma bolsa de estudos do instituto, uma vez que o número de bolsas é bem menor do que o de alunos.

O anuário estatístico mais recente, divulgado pela reitoria em 2014 com dados de 2013 apontam que, no IME, existem 315 bolsas para 760 alunos, enquanto na USP inteira, são 13.392 bolsas, para 34.588 alunos. Arrumar moradia também não foi muito fácil para Erika. Por não conhecer nada sobre o Brasil, a peruana demorou um bom tempo até conseguir um apartamento. Este é um problema para muitos alunos da universidade. O anuário estatístico revela, por exemplo, que em 2013 foram disponibilizadas apenas 1692 vagas no CRUSP (Conjunto Residencial da USP). Hoje, Erika mora no CRUSP (Conjunto Residencial da USP), mas até conquistar a vaga, teve que conseguir com amigos já experientes informações como quais documentos seriam mais úteis, quando se inscrever e a melhor forma de adquirir um lugar para morar. Segundo ela, é difícil lidar com essas burocracias quando não se tem domínio da língua e há dificuldade em compreender trâmites específicos, o que acontece com muitos alunos estrangeiros, que são um número considerável. Em 2013, a Pós-Graduação contava com 1587 estudantes de outros países.

(Arte: Laura Viana)
(Arte: Laura Viana)
Do interior para a cidade grande

Não são só estrangeiros que vêm para USP e enfrentam problemas com moradia. Renato Lima faz engenharia civil na Poli, e se encaixa em um perfil que pode ser facilmente encontrado pela USP. É do interior de São Paulo, de Guaratinguetá, e teve que se adaptar à rotina e ao estresse da cidade grande enfrentando também os desafios de morar sozinho. Renato vive hoje com mais quatro amigos, com quem divide as despesas do apartamento. Para ele, que tem uma rotina de estudos puxada, ainda não é possível arrumar um estágio para ajudar nas despesas. “Meus pais me ajudam, pagam o aluguel e condomínio pra mim, e mandam um pouco de dinheiro. Eu quero muito ajudar eles, mas por enquanto ainda não dá”. O estudante conta que morar longe dos pais e dividir a moradia é uma situação que leva tempo para se adaptar, mas que acaba sendo um aprendizado. “O ruim de dividir apartamento é aprender a conviver com outros costumes e com o modo que os outros foram criados. Mas com o tempo você se acostuma, e vê que é muito bom morar com colegas. Muito melhor do que morar sozinho.” Para ele, a maior dificuldade de se viver longe dos pais é lidar com as tarefas da casa, ainda mais quando se tem que dividi-las com os colegas. Ele conta que o que mais estranhou em São Paulo foi o trânsito. “Eu moro do lado da USP mas demoro meia hora pra chegar na faculdade. No interior não existe isso, em dez minutos eu atravessava a cidade inteira.” A história de Renato é um reflexo do que muitos jovens já viveram e ainda viverão ao ingressarem na universidade. Uma mudança de vida, de costumes e pensamentos. São Paulo pode parecer assustadora para quem é de fora, mas quem um dia vive nela, também aprende a gostar e reconhecer seus encantos. Quando questionado sobre o que mais sente falta no interior, a resposta de Renato é previsível: a calma. “Aqui é tudo muito agitado, do meu prédio eu fico ouvindo até tarde carros passando na rua, buzinas, ambulâncias. Lá não tinha isso, era tudo calmo”. São Paulo realmente nunca descansa. Para aqueles que um dia sonharam e conseguiram entrar na Universidade de São Paulo, se adaptar ao ritmo da cidade é mais um dos desafios. Nesse sentido, uma atenção especial aos alunos de fora do município e mais efetiva no que diz respeito a moradia é imprescindível.

Por: Amanda Manara e Jullyanna Salles