Amores Urbanos, longa com direção de Vera Egito, que teve estreia nos cinemas na última semana, relata a vida de três personagens: Diego (Thiago Pethit), Júlia (Maria Laura Nogueira) e Micaela (Renata Gaspar), que passam pelas crises existenciais de ter 30 anos. Júlia se depara com o fato de estar nessa idade e ter e poucas resoluções tomadas, aliado à cobrança dos pais que a questionam sobre o trabalho e a vida que leva sem estar casada e realizada profissionalmente. Afinal, quem poderia não estar realizado aos 30?
Entre brinquedos, medos e vontade de crescer, descobrimos, ainda crianças, que a escola vai nos permitir o tão sonhado “ser grande” e que vai nos ensinar todas aquelas coisas que os adultos sabem fazer. E isso não para nunca. Entramos no primário sonhando com o colégio e no colégio sonhando com algo um tanto maior: a nossa vida inteira.
Quando pisamos no ensino médio, temos duas certezas: a de que ele termina no vestibular e a de que temos que fazer uma escolha. Aos dezessete anos, alguém nos chega e pergunta “o que você vai ser?”, sem o uso do ‘quando crescer’ – já que temos que ser encarados como gente grande – e sem tantos incentivos se a resposta for algo como“astronauta” ou “pescador”. Seja pelos pais, amigos, professores ou pelo coordenador da escola, que conta com sua aprovação para uma nova foto bonita na fachada para alavancar os índices da unidade, a universidade passa a ser a nossa nova meta a ser perseguida com todas as forças.
A adolescência é marcada como um dos períodos de mais transformações na vida de um indivíduo. É nela que surgem as chamadas “descobertas”, sejam sexuais, emocionais ou até mesmo as de de autoconhecimento. E, nesse período, o que não poderia faltar é pressão, aliada ao fato de escolher um futuro. De acordo com dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), a ansiedade é um dos maiores fatores a proporcionar o desenvolvimento da depressão, doença que atinge cerca de 21% dos jovens brasileiros segundo o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), divulgado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em 2014.
Diante da nova terra prometida a qual somos condicionados a acreditar como o ideal para nossas vidas, encontramos uma barreira que precisa de mais que boas estratégias para ser superada: o vestibular. Suportamos horas de estudos, mais ansiedade, problemas comportamentais, crises de nervosismo e dificuldades econômicas para atingirmos o que sempre nos foi sonhado – nosso lugar no mundo, que só seria permitido com o ingresso em uma grande universidade.
Carregamos conosco uma série de aspirações as quais nos foram implantadas por nossos pais. A geração deles foi uma das primeiras a enfrentar novas realidades político-sociais no Brasil. É claro que nós seríamos os responsáveis por carregar também o sonho deixado de lado em alguns casos. Afinal, eles fizeram de tudo para que estivéssemos aqui hoje realizados, felizes e ainda mais sonhadores, prontos para mudar o mundo e sermos incríveis como sempre nos disseram que seríamos; mas – algumas vezes – não nos falaram que iríamos cair, errar e, ou ainda pior, não nos avisaram que poderíamos errar.
Micaela tenta ajudar Júlia a reconhecer que também pode admitir o fracasso. Mais uma vez, a personagem é reflexo de uma postura que estamos condicionados: a de não reconhecer nossas fraquezas e o rótulo da felicidade. Aos 30, Júlia percebeu que não era feliz no curso em que havia escolhido, no trabalho e em seus relacionamentos.
Seja geração Y ou Z, nós fizemos – ou fomos obrigados a fazer – escolhas muito cedo, sem a mínima consciência do que poderia acontecer. De acordo com o Censo da Educação Superior, divulgado pelo Ministério da Educação, os dados comparativos entre os anos de 2012 e 2013 já mostraram uma redução no número de estudantes que concluíram o ensino superior. Mesmo com os registros de aumento de ingressantes no ensino superior, 40% dos alunos que se matriculam em universidade públicas desistem do curso que escolheram antes de o terminarem. O número é de 30% nas instituições privadas. Em uma base próxima, cinco dos sessenta ingressantes em Jornalismo na USP no ano de 2014 se afastaram do curso.
A terra prometida não se faz como sempre sonhamos que seria. Chegamos, depois de muito esforço, à universidade e encontramos problemas os quais nunca pensaríamos que nos atingiriam. Disciplinas sem muito contexto, professores que não nos respondem ou que tratam a docência como mais um passo de seu projeto de pesquisa. Encontramos problemas estruturais, realidades desiguais e algumas pessoas que passam pelos mesmos questionamentos que nós. Damos de cara com questões que pensávamos que nunca entrariam na terra do conhecimento, como o machismo, o racismo e a LGBTfobia.
A universidade, que deveria ser a porta para a realização do nosso conhecimento, ou a ponte para a nossa vida dos sonhos (como nos ensinaram), pode se tornar a parte mais difícil que todas as outras. A diferença dos outros estágios é que, na faculdade, você é adulto e você está sozinho. É preciso crescer, opinar, tomar posição e seguir mesmo que a gente não tenha muita certeza do caminho estamos levando. Não é difícil encontrar um universitário que tem como maior desejo terminar o quanto antes a faculdade. Mas não era esse o período tão esperado?
O trabalho passa a se tornar mais um dos desejos que precisam ser alcançados a todo custo. Desde cedo, os estágios nas faculdades nos são dados como frutos que “vão fazer você crescer na vida” ou “vão fazer você gostar um pouco mais do que estuda”, e, assim, entramos em um ciclo que, dessa vez, é mais difícil de terminar. Começamos a encarar o trabalho do mesmo modo que nossos pais e nossas vidas passam a ser campos que semeiam ao redor dele. O problema vem quando os anos passam.
É mais fácil aceitar. Crescemos, estudamos, vamos para a faculdade, trabalhamos, casamos, temos filhos e o final a gente vai descobrindo conforme vai vivendo. Mas vai ser bom, vai ser bonito – eles disseram. Fomos criados para ser assim, seguir a linha tênue da evolução moderna e, é claro, estamos proibidos de manifestar frustrações, inquietações e fraquezas. Por que estaríamos tristes? Se temos tudo e vivemos o que todo mundo sempre sonhou, devíamos ser mais gratos.
O filme Amores Urbanos é um bom projetor de observações sobre como as decisões que tomamos, ou já tomaram por nós, podem nos tornar e sobre como – se esse é o papel social que nos foi dado – podemos mudá-lo. O filósofo alemão Jürgen Habermas considera que o futuro da sociedade moderna depende da crítica coletiva sobre suas próprias tradições. Para ele, só é possível prosseguir com o fortalecimento da sociedade se esta for capaz de julgar as próprias tradições que segue e é esse o estágio em que chegamos agora.
Estamos longe de interromper todas as idealizações que nos foram feitas, uma vez que carregamos grandes laços afetivos a todas elas. Mas precisamos questionar nossas mais recentes tradições. Não deve nem pode ser normal decidir uma vida inteira aos dezessete anos, sofrer com crises de ansiedade por ter medo do futuro ou ser feito para nunca estar pronto para cair. Escolher uma vida, um caminho a se seguir deve ser maior que as barreiras sociais, econômicas e sanguíneas. O caminho, sem dúvidas, não deve ser feito sozinho, mas é preciso que se tenha espaço dentro das casas, escolas e universidades.
Talvez não sejamos tão capazes de fazermos mudanças tão bruscas na nossa vida hoje, podemos mudar a forma com que elas podem terminar, mas já estamos em uma linha que seguimos. Nossa obrigação, assim como Habermas propõe, deve ser questionar a validade dessas ações que até hoje são reproduzidas e repensar a forma com que lidamos com o futuro. Quem sabe não somos nós a geração que vai ao invés de perguntar aos nossos filhos “o que você vai ser quando crescer?”, dizer “olha todas as coisas que você pode ser quando crescer, mas não precisa ter pressa”. Vivemos tudo de um modo acelerado, porque assim nos foi dito que seria, mas esquecemos que não vamos ter dezessete anos outra vez. A certeza que tiramos disso tudo é que não vale a pena escravizar a vida por conta do futuro.