Para se encaixar nos parâmetros de sustentabilidade econômico-financeira do projeto, a USP deve contratar 2100 novos professores ou demitir até 6 mil funcionários concursados
Um novo teto de gastos foi estipulado para regrar a vida econômica da Universidade, desta vez, estabelecendo um limite de despesas com o gasto “pessoal”, como os salários de servidores ativos e inativos, pensionistas e outros tipos de remuneração. A medida foi chamada de Parâmetros de Sustentabilidade Econômica e foi apresentada pela Comissão de Orçamento e Patrimônio, acompanhada pela recém criada Procuradoria Geral da USP.
Aprovado pelo Conselho Universitário no dia 7 de março, o parâmetro deve instituir normas que regularizem a situação econômica da Universidade até 2022. A partir de agora, medidas deverão ser tomadas para que cada orçamento anual preveja a diminuição de cinco pontos percentuais por ano nas despesas com o pessoal.
Os recursos repassados à Universidade provém da receita liberada por meio do Tesouro do Estado de São Paulo, que corresponde a aproximadamente 5% do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICMS) arrecadado pelo estado. Além deste, a Universidade possui também a arrecadação de recursos próprios. Os valores somam um montante de cerca de 5 bilhões de reais a serem destinados às diversas áreas da USP.
O principal gasto, segundo as diretrizes orçamentárias para 2017, é com o salário de servidores e docentes. De acordo com as normas do parâmetro, a utilização dos recursos provenientes do Tesouro do Estado com os salários deve evitar ultrapassar a marca dos 80%, o valor considerado saudável para a vida econômica da universidade. O limite total para esta despesa é de 85%. Ao ultrapassar esta marca o documento estabelece que o percentual excedente deverá ser “eliminado” nos próximos oito meses, sem especificar como este processo deve ser feito.
Segundo as diretrizes orçamentárias de 2016, os gastos com pessoal neste ano chegaram a 104,95%, sendo 3,2% a mais que o ano anterior. A proposta é que em 2017 este gasto comprometa 96,5% dos recursos do Tesouro do Estado, gerando uma economia de 8,4% em relação ao ano passado. A diminuição, para este ano, provém principalmente do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV) que desligou 398 funcionários por meio da contrapartida financeira da universidade em troca da demissão voluntária.
Segundo Adalberto Fischmann, presidente da Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP) da USP, a Reitoria não prevê novos programas de incentivo à demissão voluntária, mas afirma que processos terão que ocorrer para que a estes gastos entrem dentro da “normalidade”. “Temos um ajuste que é lento pois ele acontece por meio de demissões voluntárias, falecimentos, doenças, afastamento ou mudanças. É um ajuste de funcionários que depende da vida vegetativa da Universidade”, emendou o presidente ao explicar como as contas serão equilibradas sem causar a demissão de servidores.
Para que o parâmetro entre em vigor na totalidade, também será necessário um ajuste na formação do quadro de funcionários. O documento prevê que 60% dos contratados pela universidade sejam servidores técnicos administrativos e os 40% restantes sejam completados por docentes. Entretanto, os 14.777 funcionários somam 70% do quadro atual. Para isso, seria necessária a contratação de aproximadamente 2100 novos professores.
O parâmetro entretanto prevê que, ultrapassado o limite de 80% com gastos em despesas de pessoal, fica proibido o “provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal de qualquer título”. A contratação só deve ser permitida em caso de reposição decorrente de aposentadoria ou morte de docente.
Para que ocorra o equilíbrio entre o número de funcionários e docentes sem a contratação de novos professores, seria necessária a demissão de cerca de 6 mil servidores técnicos administrativos. Entretanto, Fischmann afirma que a reitoria não visa fazer demissões, mas sim concursos e admissões de novos docentes, assim como a contratação de funcionários para as áreas consideradas deficitárias. “A porta de entrada nós estamos controlando, mas não vamos provocar a saída.”As medidas aprovadas podem ser alteradas conforme forem propostas pelas próximas gestões reitoriais, sendo este o último ano da gestão do reitor Marco Antonio Zago. O presidente da COP diz ainda que isso oferece a possibilidade de alterações de acordo com o nível de arrecadação de recursos nos próximos anos, além de não tirar a autonomia das próximas gestões. “Nós podemos atingir os objetivos antes do tempo previsto, mas se for inviável tem que ser repactuado”, emenda. Para que novas alterações sejam feitas basta que a proposta seja aprovada por dois terços dos membros do conselho.
Conselho Universitário
Reunido no dia 7 de março, o Conselho Universitário teve como pauta principal a aprovação do Parâmetro de Sustentabilidade Econômica. Um ato organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), com concentração em frente ao prédio da Reitoria, visava impedir a realização do conselho por entender que a proposta foi apresentada sem diálogo com os servidores da universidade, além de abrir espaço para a demissão de funcionários.
O ato chamado pelo sindicato, com apoio de estudantes e de diversas organizações políticas, terminou em confronto com a Polícia Militar. Durante o protesto, membros do conselho afirmaram ter sido agredidos por manifestantes que buscavam impedir sua entrada, enquanto os participantes do ato foram reprimidos pela PM com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Seis estudantes e membros do Sintusp foram detidos. Destes, quatro ficaram feridos e foram encaminhados para o Hospital Universitário sob custódia da PM, até serem encaminhados para 93˚ DP de São Paulo, onde já se encontravam os outros dois manifestantes. A liberação dos estudantes e servidores ocorreu no mesmo dia.
Iniciada a reunião, o representante discente e membro da organização estudantil Balaio, ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), Diego Pandullo, se manifestou logo no início do conselho solicitando o cancelamento da reunião devido ao combate ocorrido entre a PM e os manifestantes. O pedido não foi acatado pelo reitor Marco Antonio Zago. “Havíamos vivenciado cenas de guerra em frente à Reitoria. Fechar os olhos para a situação de barbárie que precedeu a sessão do Conselho foi de uma total desumanidade. Estudantes, servidores, professores e conselheiros haviam sido feridos pela ação truculenta da Polícia Militar”, conta Pandullo.
O estudante afirma que o pedido para que a reunião fosse cancelada ou adiada surgiu de vários membros do conselho, inclusive daqueles que eram a favor da proposta. Segundo ele o quórum havia sido prejudicado, pois muitos conselheiros deixaram o local para “preservar a integridade física ou por acreditar que a reunião não fosse se realizar diante do estado de caos”.
Posicionado contra a proposta, Pandullo explica que a medida fecha os olhos para a realidade da universidade. Ele concorda que não é saudável que a USP gaste mais que a arrecadação com os salários, mas acredita ser inviável que tais metas fiscais sejam alcançadas até 2022 “sem que ocorra um arrocho salarial sem precedentes, com demissões massivas e a paralisação das atividades da universidade”.
Após os pronunciamentos o reitor Zago chamou a atitude dos manifestantes de “totalitária” e afirmou que “o Conselho Universitário da Universidade de São Paulo não se curva”, antes de prosseguir com a pauta.
O reitor solicitou ainda uma alteração no texto dos parâmetros com a retirada do Artigo 38 da Constituição Federal que faz menção ao “afastamento para o exercício de mandato eletivo” de servidores públicos. Para o professor de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciência e Humanidades (EACH) e membro do conselho, José Renato de Campos Araújo, a retirada deste artigo visa esconder a possível demissão de funcionários da Universidade. “Eles podem fazer demissões pois a estabilidade dos funcionários públicos já acabou”, diz.
O professor afirma que existe a necessidade de se estabelecer regramentos para as despesas, mas não concorda com o modo com que os parâmetros foram estabelecidos. “Como foi colocado mostra que as únicas formas de se atingir esses números são via controle e diminuição do número de funcionários em relação ao de docentes.”
Segundo as diretrizes orçamentárias de 2017, cerca de 20% dos recursos destinados a despesas para o pessoal são gastos com servidores inativos por meio do repasse de verbas para o SPPREV. Para Campos Araújo isso se torna uma alternativa para regularizar as contas. “Se a lei prevê que os servidores devem ser pagos por uma caixa de previdência própria que no nosso caso é o SPPREV, porque ainda se gasta com eles?”, completou o professor ao explicar que a retirada desta porcentagem das despesas com pessoal poderia atingir o patamar de 80% dos gastos com os salários.
“A Universidade esconde números importantes como este dos servidores inativos”, emenda. O professor de políticas públicas completa dizendo que sem serem feitas alterações como no sistema de pagamento de aposentados, a única solução que a reitoria irá encontrar serão as demissões. “A aprovação destes parâmetros lança uma série de dúvidas de como as coisas vão acontecer a partir de agora. Dizem que não vão ocorrer demissões, mas precisam chegar aos 80%. Que mágica eles pretendem fazer?”, questiona Campos Araújo.