Controvérsia no projetor

Docente da EEFE é acusado de homofobia e machismo por slide passado em aula

Texto: Fredy Alexandrakis

Reportagem: Fredy Alexandrakis, Ian Alves

Na última semana de outubro, uma fotografia tirada em sala de aula na Escola de Educação Física e Esporte começou a circular em grupos de estudantes da Universidade nas redes sociais. Era um slide apresentado na disciplina de Dimensões Psicológicas da Educação Física e do Esporte, ministrada pelo professor Antônio Carlos Simões. Abordando o tópico de disfunções da glândula tireóide, o slide listava, dentre outros possíveis comprometimentos, os sintomas de “homossexualismo, desvirilização nos homens e masculinização das mulheres”. São termos que, conforme explicam especialistas em Endocrinologia e Psicologia ao Jornal do Campus, são antiquados, imprecisos e beiram o ofensivo. Não demorou, portanto, para que a imagem se espalhasse, alcançando inclusive atenção de veículos como a Folha de S.Paulo e Esquerda Diário.

Slide que circulou nas redes sociais afirma que “distúrbios de Tireoide podem resultar em ‘homossexualismo'”

Estudantes da EEFE rapidamente se movimentaram em repúdio ao ocorrido. O Coletivo LGBT da escola, Espectro, publicou carta aberta que buscava apontar inverdades no conteúdo apresentado em aula e chamava por um posicionamento oficial da Direção. Hoje, já se multiplicam acusações de homofobia e machismo, e os alunos pedem pelo afastamento do docente da disciplina. Nas paredes do instituto, ao lado de tantos outros “Fora”s, uma pixação de “Fora Simões” encontra agora o seu espaço.

O caso está sendo analisado pelo Núcleo de Direitos Humanos da EEFE, composto por dois professores, um funcionário e duas alunas. Ary José Rocco Júnior, Presidente do Núcleo, relata que estão ouvindo o professor Simões e aguardam esclarecimentos quanto ao ocorrido. Simões negou entrevista ao Jornal do Campus, mas diz estar sendo difamado e reclama que a fotografia de sua aula foi tirada e publicada sem seu consentimento, além de removida de contexto.

A ciência no slide É fato que alterações no funcionamento da tireóide podem afetar a secreção de hormônios responsáveis pelo desenvolvimento de características sexuais secundárias. Todavia, “em nenhum trabalho científico, tanto em animais como em seres humanos, foi demonstrado ‘homossexualismo e masculinização em mulheres’, conforme exposto em aula. O conteúdo que foi transmitido demonstrou desconhecimento sobre o assunto”, comenta a Drª Suemi Marui, chefe da Unidade de Tireóide na disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Medicina. Por uma perspectiva psicológica, o slide também é condenável. Para além do uso do termo “homossexualismo”, há tempos substituído por “homossexualidade” para se dissociar de conotações patológicas, o pesquisador do Instituto de Psicologia Kadu Tavares aponta que é possível relacionar alterações hormonais com o desenvolvimento da sexualidade, mas não determinar causa e efeito, uma vez que outros fatores podem influenciar no processo.

Antecedentes Alunos alegam não ser a primeira vez que Simões apresenta atitudes interpretadas como homofóbicas e machistas. “Eu não conheço uma pessoa que goste dele como pessoa nem como professor”, afirma Luiza Carbonieri, que atualmente cursa a disciplina de Dimensões Psicológicas. Ela se lembra de “muitas” outras ocasiões em que o professor teceu comentários homofóbicos, como o de que “é necessário investigar a ocorrência de lesbianismo no esporte e onde acontece o problema na formação das atletas”. Em outros de seus slides, Simões se valeu de fotografias que sexualizavam e objetificavam mulheres, continua Carbonieri. “[Ele utilizou imagens] de uma luta da Mulher-Gato contra a Mulher Maravilha. Aliás, nessa aula ele disse que as duas eram lésbicas e não consigo nem explicar por que isso seria relevante”.

“Ser gay aqui é se esconder ou se expor demais”  

Escola ainda é pouco acolhedora a seus alunos LGBT 

Raphael Cura, fundador do coletivo LGBT Espectro. (Foto: Ian Alves)

A ideia de um coletivo composto por uma única pessoa pode parecer cômica, mas Raphael Cura conversa sobre isso com grande naturalidade. O estudante fundou o Coletivo Espectro no início do ano passado. A intenção original por trás da iniciativa não era de agir contra casos específicos de LGBTfobia na EEFE, mas de criar visibilidade e simplesmente dizer “estamos aqui”. Quase dois anos se passaram, e não se pode afirmar que Raphael encontrou muitos companheiros para acompanhá-lo nessa empreitada. “Vai gente dispersando, gente que se comprometeu a participar aqui e largou mão, então atualmente só tem eu atuando dentro do Coletivo”, lamenta. Foi ele quem escreveu a carta de repúdio ao professor Simões, sozinho, de madrugada.

O Coletivo tampouco organiza reuniões presenciais. “Você tem aqui, provavelmente, por volta de 25 alunos assumidos. Que são gays, lésbicas e bi. Então, fica meio difícil abrir uma discussão sendo que ninguém vai”, conta Raphael, resignado. “E grande parte dos alunos que são LGBT na EEFE são mulheres, que já participam do coletivo feminista, que acaba se sobrepondo”. A atuação do Espectro — nomeado em alusão ao espectro de sete cores do prisma de Newton — em geral se restringe a conversas num grupo de WhatsApp que conta, atualmente, com 13 pessoas, entre elas alguns ex-alunos.

O caso do professor Simões marca um período de incomum atividade nesses espaços de discussão, conforme estudantes se organizam para levar a história para fora da EEFE: “o que for possível para que isso não ficasse apaziguado. Se ficasse só aqui, [o caso] ia morrer”. Raphael relata que muita da sua atuação no Coletivo, embora por vezes silenciosa, está nesse ato de acompanhar o que acontece na faculdade e intervir quando necessário, fazendo o papel da “militância chata” que a todo momento expõe situações de discriminação e preconceito.

Situações que nem sempre são fáceis de discernir. De acordo com depoimentos de alunos, ataques homofóbicos explícitos são raros na EEFE, entretanto, com um corpo discente composto largamente de homens heterossexuais, a violência vem em forma de censura e auto-censura. “O preconceito acontece na esfera privada”, explica Paulo Duarte, também gay assumido desde seus 14 anos. “Alunos e funcionários acham repugnante dois homens se beijando aqui na EEFE, tiram sarro entre si, mas não ultrapassa a ‘panelinha’ deles porque socialmente é feio ser homofóbico. Ainda assim, a gente se sente acuado, em uma faculdade que estuda o corpo e ao mesmo tempo inibe as formas de expressão do mesmo”.

Apesar de relações homoafetivas entre mulheres serem mais comuns e visíveis no ambiente escolar, Katherine Murad também não se sente confortável falando de sua sexualidade por lá. “Prefiro me preservar”, afirma. Já Diego Santos toma o caminho inverso: fazendo sua segunda graduação, já tinha a confiança necessária quando entrou para superar as fofocas. “Nunca aconteceu [de me insultarem] na minha cara. Sou meio ‘desbocado’ e acho que o povo tem um pouco de medo de bater de frente”. Raphael acredita que esse ainda é o único jeito de expressar livremente sua sexualidade na Escola. “Ou você cria uma proteção ou você vai se f***r dentro da história”, julga.