Uma aluna e quatro coordenadores de programas de pós-graduação da USP conversaram com o JC sobre os diferentes significados que podem ser atribuídos ao critério
Camila Mazzotto
Novos cursos de mestrado e doutorado terão de apresentar, em suas propostas, “justificativas ao desenvolvimento regional ou nacional”, segundo portaria publicada no último dia 12 de fevereiro pela agência federal que financia e avalia a pós-graduação acadêmica do Brasil, a CAPES. Apesar da novidade exigida, o documento não explica o que é “desenvolvimento”.
Desde o início do ano passado, a CAPES atravessa um processo de revisão de seus critérios de avaliação. Ermelinda Moutinho Pataca, da Faculdade de Educação (FE) e Sônia Salzstein, do departamento de Artes Visuais da Escola de Comunicações e Artes (ECA) lembram que, durante anos, sustentou-se um viés produtivista que valorizava mais o número de artigos produzidos por docentes e alunos do que a qualidade deles, por exemplo.
As professoras contam que a agência, ligada ao Ministério da Educação, atendeu às demandas levantadas por fóruns de pós-graduação e revisou muitos de seus critérios, que se tornaram mais qualitativos, mas permanecem em discussão. Em dezembro de 2018, por exemplo, o conselho da CAPES aprovou um documento que alterou a ficha de avaliação dos cursos de mestrado e doutorado, considerando os impactos sociais gerados pelos programas.
A cada mudança de governo, a produção científica recebe – ou perde – significados. Para a professora Ermelinda, diante da imprecisão do novo critério, é importante que principalmente as áreas de Humanidades se posicionem e reapresentem suas visões sobre o que seria desenvolvimento. Isso combateria a lógica que reduz a pesquisa aos indicadores econômicos.
Desenvolvimento para quem?
Vago como se encontra na portaria, o novo critério pode ser um problema para as propostas que não apresentem resultados a curto prazo ou aplicáveis em situações concretas da realidade regional ou nacional, alerta o professor Mauricio Cardoso, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). A importância desses cursos, entre outras, é que eles constroem a base de conhecimentos para as pesquisas aplicadas.
Também não é difícil pensar nas contribuições a médio e longo prazo que um programa de pós-graduação pode trazer ao país. Marcos Napolitano, da FFLCH, aponta: um curso de história e cultura internacional forma especialistas para os setores produtivo e público, favorecendo negociações econômicas e geopolíticas entre o Brasil e demais países. Se essa visão de desenvolvimento fosse descartada, defende o professor, se revelariam “muito mais os limites do empresariado e dos governantes brasileiros do que os da pós-graduação”.
Para a professora Sônia, ainda, só uma leitura “tosca” do novo critério poderia excluir as “artes e as humanidades” do desenvolvimento regional ou nacional, levando em conta o quanto as instituições culturais estão enraizadas no país.
Um entendimento é consenso entre as cinco vozes ouvidas pelo JC: é preciso que a noção de desenvolvimento leve em consideração as demandas da sociedade, principalmente as das populações mais pobres. “As universidades têm de sair de si e essas questões precisam ser levadas aos espaços de discussão da CAPES”, defende Suzana Schmidt Viganó, ex-aluna de doutorado do departamento de Artes Cênicas da ECA.